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Decisão do colegiado de 19/03/2002

Participantes

JOSÉ LUIZ OSORIO DE ALMEIDA FILHO - PRESIDENTE
LUIZ ANTONIO DE SAMPAIO CAMPOS - DIRETOR
MARCELO FERNANDEZ TRINDADE - DIRETOR
NORMA JONSSEN PARENTE - DIRETORA
WLADIMIR CASTELO BRANCO CASTRO - DIRETOR

PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO DE DECISÃO DO COLEGIADO - BANCO OPPORTUNITY S/A - PROC. RJ2000/5874

Reg. nº 3090/00
Relator: DMT
O Colegiado, com exceção dos Diretores Luiz Antonio Campos e da Diretora Norma Parente que se declararam impedidos, acompanhou o voto do Diretor-Relator, a seguir transcrito:
"PROCESSO CVM RJ00/05874 - Registro EXE/CGP nº 3090/2000
PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO DE DECISÃO DO COLEGIADO
Recorrente: Banco Opportunity S/A
Relator: Diretor Marcelo F. Trindade
Relatório
1. Trata-se de pedido de reconsideração (fls. 330/357) da decisão do Colegiado, proferida em 17.07.2001 (fls. 317/321), que manteve a decisão da SIN que determinou "o refazimento das demonstrações financeiras do CVC/Opportunity Equity Partners FIA, relativas aos períodos findos em 30/09/99, 31/03/2000 e 30/09/2000", por entender que "as demonstrações financeiras reapresentadas ainda não atendem integralmente ao disposto no § 1º, do art. 3º, da Instrução CVM 305/99, uma vez que não foi constituída provisão para ajustar o valor contábil dos investimentos sem cotação, que integram a carteira do fundo, ao valor patrimonial dos mesmos" (fls. 209).
2. O pedido de reconsideração, fundamentado na Deliberação CVM 202/96, sustenta haver, na decisão do Colegiado tomada com base no voto por mim então proferido, "contradição entre seus fundamentos e conclusão" (cf. fls. 330).
3. A afirmação está baseada no fato de que, em diversas passagens do voto, reconheceu-se a importância da discussão das matérias debatidas no processo — elaboração de demonstrações financeiras de fundos fechados, deprivate equity —, e inclusive a possibilidade de que as regras existentes não sejam as mais adequadas àqueles fundos, mas, de maneira alegadamente contraditória, mandou aplicar tais regras, da Instrução CVM 305/99, ao fundo fechado de que se trata no processo.
4. Adicionalmente, o pedido de reconsideração contém pedido subsidiário de recebimento como "recurso ao Sr. Ministro da Fazenda" (cf. fls. 339), recurso esse que, basicamente, reedita as razões rejeitadas pela decisão reconsideranda.
5. O recurso hierárquico caberia, segundo o entendimento do recorrente, porque o art. 57 da Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da administração pública federal, assevera que "o recurso administrativo tramitará no máximo por três instâncias administrativas, salvo disposição legal diversa", o que conferiria "direito subjetivo ao administrado de ter o seu pleito revisto por três instâncias administrativas" (cf. fls. 340).
6. Alguns quotistas do fundo, encabeçados pela Previ, manifestaram-se duas vezes nos autos (fls. 368/375 e 376/380), sustentando não só o descabimento do pedido de revisão como do pedido subsidiário de recurso ao Ministro da Fazenda, neste ponto inclusive à luz das alterações introduzidas na qualificação jurídica da CVM pela Medida Provisória 8/01 (convertida na Lei 10.411/02).
7. É o relatório.
Voto
1.    Quanto ao pedido de reconsideração, não enxergo na decisão do Colegiado a contradição apontada, que legitimaria o pleito, à luz da Deliberação CVM 202/96.
2.    Com efeito, embora reconhecendo a ponderação dos argumentos do recorrente, aquela decisão claramente decidiu com fundamento no fato de que o Regulamento do Fundo, de maneira expressa e irretorquível, estabeleceu que a contabilização de suas operações dar-se-ia pela aplicação das normas da CVM, e tais normas são as da Instrução CVM 305, que se aplicam indistintamente aos fundos abertos e fechados.
3.    O fato de a decisão ter feito referência à necessidade de estudar-se a hipótese e a necessidade de estabelecerem-se novas regras, específicas para os fundos de private equity, não abala o claro entendimento do voto condutor de que, nada obstante, as regras existentes por ora, e aplicáveis, são as da Instrução CVM 305/99.
4.    Assim, não estando presentes os requisitos referidos na Deliberação CVM 202/96, voto pela rejeição do pedido de reconsideração.
5.    Quanto ao recurso hierárquico ao Ministro da Fazenda, convém de início transcrever os arts. 56, 57 e 65, da Lei 9.784/99, em que se fundamenta a interposição (cf. fls. 330 e 340):
"Art. 56. Das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito.
§ 1º O recurso será dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não a reconsiderar no prazo de cinco dias, o encaminhará à autoridade superior.
§ 2º Salvo exigência legal, a interposição de recurso administrativo independe de caução.
Art. 57. O recurso administrativo tramitará no máximo por três instâncias administrativas, salvo disposição legal diversa."
"Art. 65. Os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada."
6.    No caso destes autos, como se viu, a decisão inicial foi proferida pelo Superintendente de Relação com Investidores Institucionais – SIN, e dela coube recurso, na forma da Deliberação CVM 202/96, ao Colegiado da CVM. É, portanto, forçoso reconhecer que tal procedimento, estabelecido na Deliberação CVM 202/96, está perfeitamente de acordo com o art. 56, e seu § 1°, da Lei 9.784/99, que rege o processo administrativo.
7.    Aliás, aquela regra legal, que assegura o duplo grau de jurisdição administrativa, tem clara inspiração constitucional, como revela Lucia Valle Figueiredo:
"Os processos administrativos, para observarem a garantia dos processos judiciais, como postulada constitucionalmente, deverão estar sujeitos a revisão (duplo grau). Destarte, a autoridade proferirá a decisão, revista por autoridade superior." (Curso de Direito Administrativo, Malheiros, São Paulo, 5ª ed., 2001, p. 341).
8.    De outro lado, o processo em exame não resultou em sanção, como diz o art. 65 da Lei 9.784/99, porque não se trata de processo disciplinar, de sorte que, sem prejuízo da possível revisão da decisão por conter erro, contradição, ou mesmo ilegalidade — que nela não pude enxergar —, não se trata de aplicar à hipótese o art. 65 da citada Lei.
9.    Resta, assim, a fundamentar a interposição do recurso ao Ministro da Fazenda, a regra do art. 57 da Lei 9.784/99, que estabelece o limite de três instâncias, para a tramitação do recurso administrativo.
10. Tal regra, como se vê de sua simples leitura, não assegura três instâncias administrativas, mas ao contrário estabelece que serão três, "no máximo", aquelas instâncias, evitando com isto que os regulamentos — como a Deliberação CVM 202/96 —, estabeleçam procedimentos recursais excessivamente longos, que ultrapassem aquele limite.
11. Essa constatação não afasta, por óbvio, a disputa teórica sobre a questão do cabimento dos recursos hierárquicos impróprios, no âmbito das autarquias, matéria por demais debatida na doutrina, e que me vejo obrigado a enfrentar, tendo em vista tratar-se aqui de decisão sobre obstar, ou não, o processamento de uma irresignação do administrado a uma autoridade governamental.
12. A doutrina mais genérica considera, em tese, sempre cabível o recurso à autoridade superior, como se vê da opinião de Celso Ribeiro Bastos, abaixo transcrita:
"Como decorrência de todas essas prerrogativas surge a possibilidade de o superior hierárquico, sem prejuízo de punir irregularidades que tenham ocorrido, exercer uma função corretora do ato administrativo distorcido. Caso em que pode anular o ato administrativo ou, até mesmo, revogá-lo, quando não se trate de competência discricionária exclusiva do órgão que ditou o ato. Não se tratando de competência exclusiva, o superior hierárquico pode, ao rever o ato, anulá-lo se eivado de vício, ou refazê-lo segundo outros critérios que a sua amplitude de discricionariedade lhe permita. Vê-se, portanto, que, ao reverso de outros poderes, como o Judiciário e o Legislativo, que se estruturam em bases de camadas ou órgãos absolutamente autônomos, um com relação aos outros, a Administração dá lugar a uma trama em que todos os órgãos acabam por se imbricar, ou, pelo menos, desembocar num órgão superior, que é o chefe do Executivo." (Curso de Direito Administrativo, Saraiva, São Paulo, 5ª ed., 2001, p. 81 – grifou-se).
13. Vê-se do trecho grifado que, para Celso Ribeiro Bastos, deve ser ressalvada, quanto ao cabimento do recurso hierárquico, a hipótese de tratar-se de "competência discricionária exclusiva" do órgão de que emanou o ato.
14. É pacífica na doutrina nacional, mesmo em sede de manuais, a distinção entre os recursos hierárquicos próprios, assim entendidos aqueles interpostos "à autoridade ou instância superior do mesmo órgão administrativo, pleiteando revisão do ato recorrido" — como foi o recurso ao Colegiado da CVM da decisão da SIN —, e os recursos hierárquicos impróprios, como tal compreendidos os dirigidos "a autoridade ou órgão estranho à repartição que expediu o ato recorrido, mas com competência julgadora expressa, como ocorre com os tribunais administrativos e com os chefes do Executivo federal, estadual e municipal" (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros, São Paulo, 26ª ed., 2001, p. 638/639).
15. O pedido ora em exame certamente constitui um recurso hierárquico impróprio, já que dirigido ao chefe do Ministério a que está vinculada a autarquia, e não ao superior hierárquico "do mesmo órgão administrativo". E tal recurso, como ensina Hely Lopes Meirelles, com apoio em Zanobini, "só é admissível quando estabelecido por norma legal que indique as condições de sua utilização, a autoridade ou órgão incumbido do julgamento e os casos em que tem cabimento. Isto porque, como salienta Zanobini, "il ricorso gerarchico improprio è di applicazione e può farsi solo nei casi in cui uma norma expressamente lo ammette" (ob. cit., p. 639).
16. Como se lecionasse para o caso em tela, conclui o grande administrativista:
"Vão se tornando comuns esses recursos na instância final das autarquias e empresas estatais, em que a autoridade julgadora é o titular do Ministério ou da Secretaria de Estado a que a entidade se acha vinculada (não subordinada). Tais recursos são perfeitamente admissíveis, desde que estabelecidos em lei ou no regulamento da instituição, uma vez que tramitam sempre no âmbito do Executivo que cria e controla essas entidades." (Hely Lopes Meirelles, ob. cit., p. 639/640 – grifou-se).
17. O recorrente transcreve, a fls. 340/341, a opinião de Maria Sylvia Zanella di Pietro, que supostamente abrigaria a tese do cabimento do recurso. Não é bem assim, contudo. A renomada administrativista, ao tratar do recurso hierárquico impróprio, afirma com todas as letras:
"O recurso hierárquico impróprio é dirigido a autoridade de outro órgão não integrado na mesma hierarquia daquele que proferiu o ato. Precisamente por isso é chamado impróprio. Não decorrendo da hierarquia, ele só é cabível se previsto expressamente em lei. A hipótese mais comum é a de recurso contra ato praticado por dirigente de autarquia, interposto perante o Ministério a que a mesma se acha vinculada ou perante o Chefe do Poder Executivo, dependendo do que estabeleça a lei." (Direito Administrativo, Atlas, São Paulo, 13ª ed., 2001, p. 594 – grifou-se).
18. Na verdade, tratando-se o recurso de revisão de medida excepcional, é absolutamente imprescindível que venha previsto expressamente. Esse é o entendimento aqui e alhures, como se vê não só da doutrina italiana citada por Hely Lopes Meirelles, como da lição que se colhe na melhor doutrina espanhola:
"El recurso de revisión es, por tanto, extraordinário y excepcional. Su carácter extraordinário (frente a los recursos ordinarios y especiales) implica que únicamente podrá interponerse al amparo de alguna o algunas de las circunstancias taxativamente establecidas en la Ley, concretamente en el artículo 118.1 de la LAP." (Ernesto Garcia-Trevijano Garnica, El recurso administativo extraordinario de revisión, Civitas, Madrid, 2ª ed., 2001, p. 16 – grifou-se)
19. Em sede de trabalhos específicos sobre a Comissão de Valores Mobiliários, é obrigatório mencionar a lição de Luiz Leonardo Cantidiano:
"Deve ser ressaltado, no que concerne às decisões da CVM sobre questões oriundas da aplicação de legislação societária, que o ‘forum’ apropriado, para dirimir e resolver ditas questões em última instância administrativa, é o daquela agência reguladora, independente e especializada, salvo quando se tratar de julgamento de inquérito administrativo. Em tais casos, e só neles, cabe, da decisão da CVM, recurso administrativo para o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional" ("Do descabimento de recurso administrativo para reformar decisão técnica proferida pela Comissão de Valores Mobiliários"in Direito Societário & Mercado de Capitais, Renovar, Rio de Janeiro, 1995, p. 145 – destaques do original)
20. Assim, a conclusão a que se chega, partindo de qualquer das fontes autorizadas, é a de que descabe o recurso hierárquico impróprio de decisões do Colegiado da Comissão de Valores Mobiliários, tomadas em grau de recurso, interposto de decisão dos superintendentes da autarquia.
21. E por isso mesmo não me é possível enxergar, ao contrário do que parece ao recorrente (cf. fls. 340), qualquer violação ao princípio da legalidade na afirmação, feita pela Deliberação CVM 202, de que o Colegiado da CVM, em tais processos, decide como "instância final".
22. Creio, em verdade, que tal Deliberação, embora anterior à Lei 9.784/99, está com ela em perfeita harmonia, notadamente com seu art. 69, que diz:
"Art. 69. Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei."
23. Ora, a Lei 6.385/76 criou a CVM como autarquia, e portanto entidade autônoma, ainda que vinculada, na estrutura governamental, ao Ministério da Fazenda. E, como destacam os quotistas do fundo que intervieram no processo, a recente alteração do art. 5º daquela lei deixou ainda mais clara essa independência, ao estabelecer:
"Art. 5º É instituída a Comissão de Valores Mobiliários, entidade autárquica em regime especial, vinculada ao Ministério da Fazenda, com personalidade jurídica e patrimônio próprios, dotada de autoridade administrativa independente, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes, e autonomia financeira e orçamentária."
Conclusão
24. Por todo o exposto, voto no sentido de rejeitar-se o pedido de reconsideração, por não encontrar contradição na decisão do Colegiado, e de desacolher o pedido subsidiário, de recebimento da petição como recurso ao Ministro da Fazenda.
Rio de Janeiro, 19 de março de 2002
Marcelo F. Trindade
Diretor Relator’
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