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Decisão do colegiado de 23/07/2002

Participantes

LUIZ LEONARDO CANTIDIANO - PRESIDENTE
LUIZ ANTONIO DE SAMPAIO CAMPOS - DIRETOR
NORMA JONSSEN PARENTE - DIRETORA
WLADIMIR CASTELO BRANCO CASTRO - DIRETOR

RECURSO EM PROCESSO DE FUNDO DE GARANTIA - WALPIRES S/A CCTVM / MARIO SOARES - PROC. SP2001/0177

Reg. nº 3718/02
Relator: DNP
O Colegiado acompanhou o voto apresentado pela Diretora-Relatora, abaixo transcrito:
"PROCESSO: CVM Nº SP 2002/0177 (RC Nº 3718/2002)
INTERESSADA: Walpires S/A CCTVM
ASSUNTO: Recurso contra decisão da BOVESPA - processo de fundo de garantia
RELATORA: Diretora Norma Jonssen Parente
VOTO
RELATÓRIO
1. Trata-se de reclamação formulada inicialmente através do Banco Bradesco, e depois pelo próprio prejudicado, contra a Walpires em razão de o investidor Mário Soares ter contestado operação de depósito de 42.666 ações preferenciais de emissão da Petrobrás na custódia da Bolsa de Valores de São Paulo – BOVESPA sem que o mesmo tivesse autorizado a transferência ou venda das ações.
2. Ao apurar os fatos, a auditoria da BOVESPA constatou o seguinte:
a) o reclamante foi cadastrado na Walpires e no sistema da BOVESPA/CBLC no final de dezembro de 1998;
b) em 04.01.99, as 42.666 ações PN de Petrobrás foram depositadas na CBLC em nome do reclamante e vendidas em 05.01.99;
c) a liquidação financeira se deu através do cheque nº 14.011, sacado contra o Banco Excel no valor de R$5.456,77, e do pagamento de R$55,21 em dinheiro;
d) embora a corretora possuísse documento autorizando a entrega a um terceiro de nome Geraldo Burdin Filho, os valores foram retirados por um portador sem a identificação do nome mediante a apresentação de documento de identidade sem qualquer relação com o constante da autorização;
e) não obstante a documentação utilizada no cadastramento do cliente e bloqueio das ações possuísse satisfatório grau de regularidade a ponto de ter firma reconhecida e cópia autenticada, a liquidação financeira da operação não apresenta qualquer evidência de que o cliente tenha recebido o produto da venda.
3. Devidamente notificada, a Corretora Walpires alegou, em sua defesa, o seguinte:
a) o Banco Bradesco era parte ilegítima para figurar no pólo ativo da reclamação;
b) houve omissão no relatório de auditoria da BOVESPA por não mencionar que o pagamento fora efetuado através de cheque cruzado em preto;
c) desconhecia que o fruto das negociações não chegara ao reclamante e também não colaborou com referida situação por não ter agido com culpa;
d) toda a documentação foi dada como viável à intermediação após verificação formal;
e) havia nítida evidência de que o reclamante teria recebido o produto da venda, já que o cheque foi emitido em seu nome e cruzado em preto.
4. Ao apreciar o processo, a BOVESPA julgou procedente a reclamação pelas seguintes razões:
a) como o cliente foi cadastrado na Walpires existe a condição de "cliente de sociedade corretora", requisito essencial para a propositura da reclamação;
b) a reclamação foi apresentada tempestivamente, pois as informações sobre a venda indevida foram descobertas pelo reclamante em 20.09.2001 e o pedido enviado em 12.11.2001, portanto, dentro do prazo de 6 meses exigido;
c) cabe às sociedades corretoras a responsabilidade pela autenticidade dos endossos em valores mobiliários e legitimidade de procuração ou documento necessário à transferência de valores mobiliários;
d) a alegação de que a emissão de cheque cruzado em preto caracterizou o cuidado com o negócio realizado não exime a reclamada de responder pela utilização de documentação falsa quando do cadastramento do suposto investidor, sendo certo que, de acordo com o inciso II do artigo 1º da Instrução CVM Nº 220/94, as sociedades corretoras deverão ter diligência na execução de ordens de compra, venda ou permuta de valores mobiliários;
e) além disso, a corretora declarou que o documento que autorizava a entrega do cheque a um terceiro foi apresentado por um cliente seu, demonstrando, assim, descuido indiscutível de sua parte;
f) se aceitou documentos que embasaram a operação tida como irregular sem maiores cautelas, a reclamada assumiu o risco;
g) a utilização de documentos não autênticos para efetuar a venda das ações se enquadra na hipótese descrita no artigo 41, I, alínea "d", da Resolução nº 1656/89.
5. Da decisão da BOVESPA, a Walpires apresentou recurso insistindo no seguinte:
a) ilegitimidade do Banco Bradesco para figurar no pólo ativo da reclamação já que a competência é exclusiva do comitente;
b) omissão da BOVESPA que não se manifestou sobre o fato de que o pagamento foi realizado em cheque cruzado em preto, devendo, assim, o processo ser remetido à bolsa para que se pronuncie a respeito da preliminar, sob pena de supressão de instância;
c) inexistência de prova de que a recorrente não examinou a documentação que lhe foi apresentada;
d) por atuar no mercado, a corretora conhece o seu comitente através dos documentos que lhe são apresentados, resumindo assim ser suficiente para conhecê-lo;
e) se o cheque cruzado em preto não foi compensado na conta do reclamante, a responsabilidade não é da Walpires mas sim do banco sacado;
f) a Walpires não tinha condições de verificar a suposta falsidade da documentação que lhe foi apresentada, não houve qualquer descuido de sua parte e tampouco deixou de verificar formalmente os documentos que lhe foram apresentados;
g) requer, ainda, seja determinada a realização de diligências com o objetivo de se apurar em qual conta bancária foi compensado o cheque cruzado em preto e emitido em nome do comitente.
6. Ao examinar o recurso, a Superintendência de Relações com o Mercado e Intermediários – SMI se manifestou no sentido de ser mantida a decisão da BOVESPA pelas seguintes razões:
a) ficou demonstrada a legitimidade do reclamante figurar no pólo positivo da reclamação, o que foi feito em carta de próprio punho datada de 12.11.2001, logo após ser alertado pelo Banco Bradesco;
b) a BOVESPA também decidiu bem, uma vez que ponderou todos os elementos relevantes da questão principalmente quanto à responsabilidade pelo exame da documentação apresentada e aceita pela reclamada;
c) o fato de ter pago ao suposto investidor com cheque cruzado em preto, por si só, não manifesta o zelo necessário para a intermediação de compra e venda de ações, já que não há a comprovação de que o referido cheque foi recebido pelo verdadeiro titular das ações;
d) a reclamada responde pelo cadastramento do suposto investidor com documentação falsa.
FUNDAMENTOS
7. A questão não é nova e o Colegiado tem decidido reiteradamente pela responsabilização da corretora em casos em que investidores foram cadastrados com documentação falsa, a exemplo do que ocorreu na presente reclamação.
8. É inquestionável que os intermediários são responsáveis não só pelo exame formal da documentação apresentada por investidores por ocasião do cadastramento, mas também pela sua legitimidade. É o que estabelece tanto a Resolução nº 1655/89 no seu artigo 11 inciso III, como estabelecia a Resolução nº 1656, em seu artigo 41, inciso I, alínea "d", em vigor à época das operações, ambas do Conselho Monetário Nacional. Veja-se o disposto no artigo 11 da Resolução nº 1655:
"Art. 11 – A sociedade corretora é responsável, nas operações realizadas em bolsas de valores, para com seus comitentes e para com outras sociedades corretoras com as quais tenha operado ou esteja operando:
..........................................................................................................
III – pela autenticidade dos endossos em valores mobiliários e legitimidade de procuração ou documentos necessários para a transferência de valores mobiliários."
9. Portanto, a máxima "conheça bem seu cliente" não pode se restringir, como quer a Walpires, ao exame formal da documentação. Ora, em assim agindo, só resta à corretora assumir o risco e responder pelos danos daí decorrentes já que não agiu com o cuidado exigido.
10. No caso, não há qualquer dúvida de que a Walpires não foi diligente nem no momento do cadastramento do cliente e nem no momento da liquidação da operação tanto que entregou os valores a uma pessoa que sequer possuía autorização para tal.
11. Diante disso, o fato de o cheque ter sido emitido cruzado em preto, que, diga-se de passagem, foi emitido em nome do falso Mário Soares e por isso mesmo jamais poderia chegar às suas mãos, não tem a menor importância, como também o pedido de diligência para se verificar em qual conta bancária foi compensado o cheque.
12. A alegação de inexistência de prova de que a Walpires não examinou a documentação, por sua vez, se mostra igualmente descabida diante dos fatos apurados. Tivesse a Walpires agido com o mínimo de cuidado certamente teria evitado o prejuízo.
13. Finalmente, com relação à alegação de ilegitimidade do Bradesco, cabe esclarecer que o referido banco apenas foi o denunciante da fraude cumprindo o papel que lhe cabia como instituição prestadora de serviços de ações escriturais ao ser questionado pelo investidor. Assim, além de o Bradesco não ser parte, não há dúvida de que posteriormente o investidor se dirigiu à BOVESPA através de carta datada de 12.11.2001 solicitando providências, sendo que foi a partir dessa carta que a bolsa instaurou em 03.12.2001 a presente reclamação.
14. Da mesma forma, a alegação de supressão de instância para que seja retificado o relatório de auditoria da BOVESPA fazendo constar que o pagamento foi realizado por cheque cruzado em preto com a remessa dos autos à Comissão Especial do Fundo de Garantia não tem o menor sentido não só em razão do informalismo do processo de fundo de garantia como também pelo fato de ter ficado devidamente apurado que o cadastro foi efetuado com documentos falsos e o cheque retirado, inclusive, por terceiro não autorizado. Cabe acrescentar, ainda, que não cabe discutir no âmbito do processo de fundo de garantia eventual responsabilidade do banco sacado.
CONCLUSÃO
15. Ante o exposto, VOTO pela manutenção da decisão da BOVESPA que julgou a reclamação procedente, indeferindo, em conseqüência, o recurso.
Rio de Janeiro, 23 de julho de 2002.
NORMA JONSSEN PARENTE
DIRETORA-RELATORA"
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