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Decisão do colegiado de 30/08/2002

Participantes

LUIZ LEONARDO CANTIDIANO - PRESIDENTE
LUIZ ANTONIO DE SAMPAIO CAMPOS - DIRETOR
NORMA JONSSEN PARENTE - DIRETORA
WLADIMIR CASTELO BRANCO CASTRO - DIRETOR

RECURSO EM PROCESSO DE FUNDO DE GARANTIA - EDUARDO FERNANDES CORREIA FILHO E OUTROS / THECA CCTVM S/A - NÚCLEO DTVM LTDA. - PROC. SP95/0053

Reg. nº 899/96
Relator: DNP
O Colegiado acompanhou o voto da Diretora-Relatora, a seguir transcrito, e o Diretor Luiz Antonio de Sampaio Campos apresentou seu voto, também a seguir transcrito:
"PROCESSO: CVM Nº SP 95/0053 (RC Nº 0899/96)
INTERESSADOS: Eduardo Fernandes Correia Filho
Osvaldo Paulino
Waldomiro Paulino Filho
Walmir Paulino
ASSUNTO: Recurso contra decisão da BOVESPA – processo de fundo de garantia
RELATORA: Diretora Norma Jonssen Parente
V OTO
RELATÓRIO
1. Em julho de 1995, os requerentes apresentaram em conjunto reclamação ao fundo de garantia da Bolsa de Valores de São Paulo - BOVESPA relatando o seguinte (fls. 01 a 08 do Processo FG nº 003/99):
a) eram investidores que operavam através da Núcleo Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda. que, por sua vez, atuava em bolsa por intermédio da Theca Corretora de Câmbio, Títulos e Valores Mobiliários Ltda.;
b) quando decidiram operar junto à Núcleo, solicitaram às corretoras onde tinham as suas ações custodiadas que as transferissem para a Theca;
c) ao final de cada mês a BOVESPA distribuía um boletim com a situação dos investidores que ficaram assustados quando, no boletim de 28.04.95, verificaram que as suas ações não mais constavam da relação;
d) em 15.05.95, foi determinada a liquidação da Núcleo, tendo o seu interventor informado que a mesma vinha realizando junto à BM&F operações no mercado futuro, que se caracterizam pelo risco de grandes ganhos ou perdas;
e) o sócio gerente da Núcleo, Nivaldo Fuzetto, que estava em débito com o mercado e em dificuldades financeiras em razão de perdas ocasionadas por operações especulativas, passara a realizar junto à BM&F, por intermédio da Theca, operações de "box" oferecendo em garantia ações que estavam depositadas em sua conta de custódia mantida junto à Theca;
f) as operações de "box" têm por finalidade captar recursos no mercado futuro de ouro mediante a compra e venda simultânea da mesma quantidade de opções de compra e venda sobre o disponível, com preços diferentes, predeterminando, por conseqüência, o valor principal e os juros quando do vencimento da operação;
g) em 24.02.95, a Núcleo realizou através da Theca operação de mercado futuro, tendo sido exigida garantia complementar pela BM&F, oportunidade em que foram oferecidas pela Theca as ações de propriedade dos reclamantes;
h) a operação venceu no início de abril de 1995 e foi apurado um débito no valor de R$217.129,00;
i) a garantia complementar foi liberada e as ações retornaram à custódia da Theca que solicitou à Núcleo autorização por escrito e as vendeu;
j) requerem a reposição de suas ações que foram vendidas sem sua autorização.
2. Por solicitação da Theca, a Synthesis Auditores Independentes realizou um trabalho de avaliação dos procedimentos operacionais adotados pela corretora relativos às operações de "box" ordenadas pela Núcleo, concluindo que (fls. 13 a 30 do Processo FG nº 003/99):
a) a Núcleo era cliente da Theca devidamente cadastrada, sendo que o Sr. Nivaldo Fuzetto tinha poderes para individualmente representá-la;
b) os valores captados nos contratos de "box" foram devidamente repassados à Núcleo;
c) foram oferecidas em garantia das operações de "box" ações que estavam custodiadas na BOVESPA na conta da Núcleo, tendo sido transferidas diretamente à BM&F também para a conta de custódia da Núcleo;
d) tanto a ordem para liquidação do contrato de "box" como a ordem para venda das ações custodiadas na BM&F foram transmitidas através de correspondências subscritas pelo gerente da Núcleo;
e) as ações liberadas pela BM&F foram transferidas para a conta de custódia da Núcleo mantida junto à BOVESPA, com exceção das ações alienadas, por sua ordem, cujo produto foi objeto de pagamento para liquidação financeira das referidas operações.
3. Ao proceder à apuração dos fatos, a auditoria da BOVESPA, por sua vez, constatou o seguinte (fls. 31 a 40 e 431 a 346 do Processo FG nº 003/99):
a) somente a Núcleo se encontrava cadastrada na Theca, cuja ficha cadastral era datada de 11.05.94;
b) todos os negócios foram realizados em nome da Núcleo que, em nenhum momento, identificou à Theca o nome dos clientes para os quais estava operando;
c) no período compreendido entre o dia 14.10.94 até o dia 06.04.95, a Núcleo realizou captações de recursos através de operações de "box" na BM&F, tendo oferecido em garantia diversas ações constantes da carteira da distribuidora mantida junto à Theca;
d) a Núcleo autorizou por escrito em 04.04.95 a liquidação antecipada do "box" que venceria no dia 06.04.95, bem como a venda das ações depositadas em garantia junto à BM&F, que foram vendidas nos pregões do dia 04 e 05;
e) do valor líquido apurado de R$516.454,86, R$234.099,63 foram utilizados para a liquidação do "box" e R$274.239,65 repassados à Núcleo;
f) antes de autorizar a liquidação final da operação de "box", a Núcleo efetuou três renovações da operação de captação de recursos iniciada em 14.10.94, o que já indicava problemas de falta de liquidez na referida instituição;
g) como os clientes da Núcleo não possuíam ficha cadastral na Theca, nenhum negócio foi realizado em seus nomes;
h) as transferências de ações para a BM&F foram realizadas pela Núcleo e em seu nome;
i) em 16.05.94, foram transferidas da posição do Sr. Eduardo Fernandes: (i) da Corretora Seller para a posição da Núcleo junto à Theca a pedido do próprio: 600.000 ações PN BR Distribuidora; 7.500.000 ações ON Cia. Siderúrgica Nacional; 2.000.000 de ações PN Usiminas, que valiam cerca de R$218 mil; e (ii) em 02.01.95, da Corretora Irmãos Guimarães para a mesma conta, 4.000 ações PNB Cosipa;
j) em 10.01.95, foram transferidas da Corretora Irmãos Guimarães para a posição da Núcleo junto à Theca da posição do Sr. Osvaldo Paulino e do Sr. Waldomiro Paulino Filho 6.000 ações PNB Cosipa de cada um e em 07.03.95 a mesma quantidade da posição do Sr. Walmir Paulino;
l) após as transferências das ações, todas as transações efetuadas com os títulos o foram por conta e ordem da Núcleo – carteira própria -, pois os reclamantes em nenhum momento foram identificados à Theca.
4. Instada a se manifestar a respeito das reclamações pela BOVESPA, a Theca alegou o seguinte (fls. 542 a 662 do Processo FG nº 003/99):
a) deve ser reconhecida a prescrição quanto ao reclamante Eduardo Fernandes Correia Filho, uma vez que, ao transferir suas ações em 02.01.95 para a conta da Núcleo, estava ciente de que não tinha mais ações em seu próprio nome, devendo ser contado o prazo prescricional a partir dessa data e não a partir do dia 15.05.95 quando houve a liquidação da Núcleo; como a reclamação se deu apenas em 07.07.95, a mesma foi apresentada além do prazo de 6 meses;
b) os reclamantes não transferiram suas ações para o seu próprio nome na Theca mas para a carteira própria da Núcleo de livre e espontânea vontade e se foram iludidos em sua boa-fé o foram unicamente pela Núcleo;
c) a partir das datas em que fizeram a transferência das ações sabiam que não mais dispunham dos respectivos papéis;
d) os reclamantes não têm base alguma para dizer que a Theca tinha conhecimento de que as ações pertenciam a eles e não à Núcleo;
e) os reclamantes transferiram as ações de sua propriedade para a propriedade da Núcleo através de correspondência dirigida às sociedades corretoras que movimentavam suas contas na BOVESPA, deixando de ser usuários indiretos dos serviços de custódia;
f) o motivo alegado pela distribuidora para solicitar a transferência das ações seria o fato de que a custódia única em nome da Núcleo reduziria custos para a distribuidora e para os clientes;
g) a Núcleo, durante todo o tempo em que operou com a Theca, jamais identificou nas operações realizadas a existência de clientes, operando sempre na sua carteira própria;
h) todas as operações liquidadas pela Theca com a Núcleo foram realizadas através de cheque nominal cruzado, com a transferência integral do produto das ordens, o que demonstra não ter tido qualquer participação nas irregularidades que se atribuem à Núcleo e a seus dirigentes;
i) a Theca não estava absolutamente obrigada a examinar e auditar os balanços e as contas da Núcleo para só então decidir se poderia ou não operar em bolsa, tendo-a como
comitente;
j) dois são os pontos essenciais que devem ser considerados para a solução do litígio: (i) os reclamantes não mantinham qualquer vínculo jurídico com a Theca, sendo clientes exclusivamente da Núcleo; e (ii) a Theca não teve a menor participação nos fatos e condutas desenvolvidos pela Núcleo e seus dirigentes, nem tampouco teve ciência dos mesmos, bem como de seus procedimentos.
5. Tendo sido dada a oportunidade para os reclamantes se manifestarem sobre a defesa da Theca, foi por eles aduzido o seguinte (fls. 765 a 777 do Processo FG nº 003/99):
a) desde o momento em que os reclamantes transferiram suas ações para a Núcleo sempre houve troca de telefonemas, ordens de compra e venda, efetuadas diretamente entre os investidores e os funcionários da Theca;
b) a ex-funcionária da Núcleo Neuza Maria Lemos Santos responsável pelo atendimento dos reclamantes declarou em depoimento que a Theca tinha conhecimento de que 99% das ações eram de clientes da Núcleo e não de seus sócios;
c) a operação de "box", que tem por finalidade captar recursos no mercado futuro de ouro, mostrava que a Núcleo passava por dificuldades financeiras;
d) o balanço da Núcleo de 30.06.94 comprovava que a carteira de ações era em grande parte de clientes, pois na rubrica Títulos e Valores Mobiliários, sub-item Carteira Própria, o valor apresentado era equivalente a R$743,63, sendo que nesse momento os prejuízos acumulados eram próximos ao valor de seu patrimônio líquido, o que já mostrava que a distribuidora não possuía disponibilidade de recursos para adquirir tais ações;
e) a Theca como instituição financeira era obrigada a zelar pela regularidade cadastral dos clientes financiados conforme item IX da Resolução nº 1559/88 do Conselho Monetário Nacional;
f) a Theca deverá ser considerada responsável pela infração de exercício irregular de custódia fungível, vez que ficou comprovado que tinha pleno conhecimento de que a Núcleo operava pela conta de depósito em carteira própria com ações de seus clientes;
g) se a corretora age como instrumento de prática ilícita da distribuidora que mantém em sua conta de deposito ações de seus clientes e se aproveita dessa situação para auferir vantagem ilícita viola o seu dever de diligência para com as regras que regem a sua atividade.
6. Por sua vez, a Theca se manifestou quanto à réplica apresentada pelos reclamantes em que reitera em todos os seus termos as posições amplamente desenvolvidas em sua defesa e afirma que a Resolução nº 1559/88 não se aplica às corretoras e distribuidoras, sendo que, no caso, a corretora realizou tão-somente uma prestação de serviços de intermediação executando ordens de compra e venda por conta da Núcleo. Quanto às operações de "box", a corretora diz que atuou como mera intermediária, sendo que as garantias são destinadas à própria BM&F que atua como contraparte de todas as operações para garantir a integridade do mercado e não à corretora (fls. 869 a 895 do Processo GF nº 003/99).
7. Ao analisar as reclamações, após exaurir todas as possibilidades de apuração dos fatos em que houve, inclusive, a tomada de depoimentos de funcionários da Núcleo e da Theca, a BOVESPA decidiu negar provimento integral às reclamações por entender que os reclamantes, na qualidade de clientes de sociedade distribuidora, não eram partes legítimas para reclamar ressarcimento junto ao fundo de garantia, pelas seguintes razões (fls. 1195 a 1219 do Processo FG nº 003/99):
a) o escopo do fundo de garantia mantido pelas bolsas de valores é assegurar ressarcimento aos clientes das sociedades corretoras quando da ocorrência das hipóteses previstas no artigo 41 da Resolução nº 1656/89 do Conselho Monetário Nacional, vigente à época dos fatos, e desde que formulada a reclamação no prazo de 6 meses contados a partir da ação ou omissão que causou o prejuízo, ou ainda a partir do conhecimento do fato;
b) não há o que questionar quanto à tempestividade da formulação do pedido de ressarcimento, já que a ciência do fato ocorreu em 28.04.95 e a reclamação junto ao fundo de garantia foi apresentada em 07.07.95, ou seja, dentro do prazo de 6 meses;
c) somente a Núcleo foi identificada como cliente da Theca, sendo que as operações de venda de ações objeto da reclamação em nenhum momento foram registradas por conta de clientes da Núcleo;
d) em nenhum momento também os reclamantes foram identificados pela Núcleo à Theca, nem tampouco acusou-se nessa corretora algum registro de negociação em nome daqueles;
e) todas as transferências de ações realizadas pela Núcleo foram efetuadas na BM&F em seu nome, bem como as liquidações financeiras das operações de "box" foram efetuadas em seu próprio nome;
f) todos os avisos de negociações de ações (ANA) e os extratos de custódia foram enviados para a Núcleo;
g) uma vez estabelecido o nexo de causalidade entre a conduta irregular da corretora e o dano suportado pelos clientes da distribuidora, seria possível responsabilizá-la e conseqüentemente demandar o fundo de garantia;
h) da mesma forma, evidenciada a violação do dever de diligência das corretoras que, mesmo cientes da ilicitude dos fatos, agem como instrumento de uma sociedade distribuidora ou qualquer outra instituição, não haveria como se negar a responsabilidade daquelas;
i) embora tenha sido declarado em depoimento que a Theca teve conhecimento de que a Núcleo operava pela conta de depósito própria com ações de seus clientes, não restou comprovado que a mesma teve conhecimento e/ou participação nos fatos e condutas desenvolvidos pela Núcleo;
j) dúvidas não há de que os reclamantes foram lesados em seu patrimônio, devendo, no entanto, buscar seus direitos através da justiça comum, uma vez que o ressarcimento por meio do mecanismo do fundo de garantia é exclusivo de clientes de sociedades corretoras;
l) a nova disposição introduzida pela Resolução nº 2774/200 que inclui os clientes de distribuidora no rol dos possíveis reclamantes ao fundo de garantia somente poderá ser aplicada aos fatos que ocorrerem após a sua vigência.
8. Inconformados com a decisão, os reclamantes apresentaram recurso utilizando os mesmos argumentos utilizados no curso do processo e alegando que ficou comprovada a existência de nexo causal entre a conduta irregular da Theca e o dano suportado pelos reclamantes e que a Theca agiu, no caso, como instrumento de prática ilícita da Núcleo que mantinha em sua conta de depósito ações de seus clientes e se aproveitou dessa situação para auferir vantagem ilícita, violando o dever de diligência para com as regras que regem a sua atividade (fls. 1239 a 1252 do Processo FG nº 003/99).
9. Da análise do processo efetuada pela SMI que concluiu pela reforma da decisão da BOVESPA, cabe destacar o seguinte (fls. 1160 a 1189 do Processo CVM Nº SP 95/0053):
a) o balanço patrimonial da Núcleo encerrado em 30.06.94 especificava o valor de R$2.045,00 para a conta Carteira Própria e em 30.06.93 esse valor era ainda menor, ou seja, R$392,00, sendo de conhecimento do mercado que era uma distribuidora que atuava basicamente operando para seus clientes. Para se ter uma idéia entre uma instituição que tem condições de operar em nome próprio e outra que não tem, a Theca possuía em sua carteira própria em 31.12.94 o valor de R$1.040.000,00;
b) a Núcleo passou a negociar contratos de Índice Futuro de Ações BOVESPA na BM&F em setembro de 1994 através da Theca Commodities Corretora de Mercadorias Ltda.;
c) em 14.10.94, a Núcleo passou a alavancar suas operações mediante recursos captados em operações de "box" na BM&F;
d) a partir de meados de outubro, a Núcleo passou a ter que entregar à BM&F, em função dos ajustes diários, parcela significativa dos recursos obtidos via "box", fazendo com que a operação fosse renovada em 18.11.94 e obtidos novos recursos em nova operação de "box" no dia 24.11.94, numa demonstração clara de que a Núcleo já estava em dificuldades;
e) de acordo com o relatório de auditoria da BOVESPA, as renovações em três oportunidades da operação de captação de recursos iniciada em 14.10.94 indicavam problemas de falta de liquidez da Núcleo;
f) as operações com índice foram realizadas até o dia 23.01.95 e, a partir dessa data e até 06.04.95, a Núcleo passou apenas a rolar as operações de "box", acumulando juros contra si, provavelmente por não ter recursos próprios para liquidá-las;
g) como o problema só se agravava com o passar do tempo tanto para a Núcleo como para a Theca Commodities que era a responsável pela liquidação financeira das operações, caso não fossem honradas, a Núcleo deu à Corretora Theca uma autorização por escrito para a venda das ações depositadas em garantia junto à BM&F, cujo produto possibilitou o encerramento das operações de "box";
h) a partir da centralização da custódia, a Núcleo passou a especificar todas as operações dos seus clientes perante a Theca como se fossem próprias, apesar de na ficha cadastral constar que operava por conta própria e de terceiros;
i) o Colegiado já reconheceu o direito de ressarcimento pelo fundo de garantia de clientes de distribuidora por entender que a corretora teve conduta no mínimo culposa ao concorrer, ainda que de forma inadvertida, para a prática de um ilícito, cujas conseqüências foram nefastas para o investidor;
j) a BOVESPA também reconhece a responsabilidade do fundo de garantia e a conseqüente indenização a clientes de distribuidora quando a corretora não atua com o devido dever de diligência.
FUNDAMENTOS
10. A partir da edição da Instrução CVM Nº 107/89, que dispõe sobre informações a serem fornecidas pelos bancos múltiplos, bancos de investimento e sociedades distribuidoras, foi implantado um novo sistema de informações dos clientes que consiste no fornecimento direto às bolsas de valores da ficha cadastral e no fornecimento à corretora intermediadora apenas do código do comitente final constante do cadastro das bolsas. Dessa forma, a bolsa passou a ter conhecimento do real comitente a cada operação e a distribuidora, no caso, preservado o sigilo de seu cliente junto à corretora.
11. Esse aperfeiçoamento dos mecanismos de controle se fez necessário para facilitar a fiscalização das bolsas de valores e da CVM e principalmente para coibir a prática de fraudes e manipulação do mercado. Com a individualização da conta de custódia, a bolsa passou a conhecer de imediato o real investidor e a CVM simplificado o seu trabalho ao não precisar mais recorrer às distribuidoras para identificar o comitente final, como ocorria anteriormente, bastando dirigir-se às bolsas. Na verdade, a conta coletiva, denominada também de conta-mãe, servia para ocultar a atuação de investidores nem sempre bem intencionados.
12. Assim, a utilização de custódia única, como a adotada no presente caso, era inadmissível até para evitar que os negócios com a carteira própria fossem confundidos com os negócios dos clientes e que ações pertencentes a clientes passassem a fazer parte indevidamente do patrimônio do intermediário. Portanto, a alegação de que a conta única teria sido adotada pela Núcleo para diminuir custos não se justifica e nem pode ser aceita como medida que beneficiaria seus clientes, dado que o sistema jurídico não mais admitia a manutenção de ações dos investidores em custódia coletiva na conta de depósito dos intermediários. Certamente nenhum cliente estaria disposto a reduzir custos de custódia, que sequer foi comprovado tal benefício aos clientes no presente caso, em troca do risco que essa medida representaria.
13. De acordo com a manifestação da PJU da CVM às fls. 172 do Processo FG nº 003/99 da lavra do então procurador Darwin Lourenço Corrêa, a segregação de posição de ações em custódia coletiva "...torna-se indispensável, não só no plano dos direitos societário e tributário, mas também no âmbito da Lei nº 6.024/74, que dispõe sobre a insolvência de instituições financeiras. Com efeito, se houver decretação de liquidação extrajudicial de sociedade corretora, distribuidora ou outro usuário de custódia, haverá arrecadação de bens em favor da massa liquidanda se inexistir segregação entre as posições em ações da instituição em liquidação e as posições dos seus clientes."
14. A obrigatoriedade da segregação das contas de custódia decorre do disposto no artigo 3º da Instrução CVM Nº 115/90 que estabelece:
"Art. 3º - A Bolsa de Valores deve manter, em nome de cada depositante, conta de depósito das ações que forem transferidas nos termos do item anterior, só podendo movimentá-la à vista de ordem escrita do depositante ou de procurador legalmente constituído."
15. Nunca é demais também recordar que as corretoras de valores têm o monopólio legal da mediação das operações realizadas em bolsa de valores não com o objetivo de lhes assegurar privilégios corporativos, mas para tutelar o interesse público de manutenção de sistemas de negociação eficientes e confiáveis para os investidores.
16. A propósito, veja-se a manifestação da PJU às fls. 175 do Processo FG nº 003/99 a respeito:
"30 – Devemos recordar que as corretoras têm monopólio da mediação de operações bursáteis. Esse monopólio legal justifica-se não para assegurar a esses intermediários privilégios corporativos, fonte de renda fácil, mas para tutelar o interesse público de manutenção de sistemas de negociação eficientes e seguros para os investidores. É mais do que óbvio que as sociedades corretoras têm o dever de obedecer às normas jurídicas que regem sua atividade. Dentre essas normas, estão as relativas à custódia de valores mobiliários.
31 – As corretoras têm ampliadas suas responsabilidades perante o público investidor, como contrapartida do monopólio que a lei lhes concede. O dever de diligência das corretoras apresenta-se mais extenso e qualificado do que aquele do homem comum e probo na condução de seus negócios. Não fosse assim, a segurança do sistema bursátil, assentado sobre a premissa da boa-fé dos participantes, estaria gravemente prejudicada." (grifos no original)
17. É, portanto, dever das corretoras não só cumprir as normas que visam proteger o mercado e seus participantes mas também zelar pelo seu fiel cumprimento.
18. No caso, verifica-se que, do cadastro da Núcleo efetuado em maio de 1994 junto à Theca, conta nº 5289-2 às fls. 41 a 43 do Processo FG nº 003/99, consta a declaração que seriam realizadas operações por conta própria e de terceiros. Ora, à luz das normas então vigentes era inadmissível que sob a mesma conta fossem realizadas sem distinção operações com a carteira própria e de terceiros e que a Theca aceitasse transferências de terceiros sem se preocupar se se tratava de simples transferência de custódia ou se se tratava também de transferência de propriedade, já que para a Theca a conta utilizada era da carteira própria da Núcleo e não de custódia, informação que, me parece, não era de conhecimento dos investidores.
19. De acordo com o processo, verifica-se que a Sra. Neuza, ex-funcionária do Grupo Seller, passou a trabalhar na Núcleo a partir de 1º de maio de 1994 e que no dia 13 o Sr. Eduardo Fernandes Correia Filho, o principal reclamante, solicitou a transferência de suas ações da Corretora Seller para a Theca cliente nº 5289-2 que valiam cerca de R$218 mil. Como se observa do documento às fls. 83 do Processo FG nº 003/99, a solicitação apenas menciona a transferência da custódia de ações da conta do investidor junto à Corretora Seller para a Corretora Theca e o número do cliente sem fazer qualquer referência ao nome da Núcleo. O mesmo se verifica das demais solicitações feitas em janeiro de 1995 pelos reclamantes. Em nenhum momento, ficou implícito que a intenção dos investidores era transferir a propriedade e com base nesses documentos também não se pode afirmar que os mesmos sabiam que estavam transferindo suas ações para a custódia da Núcleo e muito menos para a carteira própria, como pretende a Theca.
20. Parece-me mais razoável, assim, acreditar que a transferência se deu, não para economizar alguns centavos e, sim, por que os reclamantes foram orientados nesse sentido. No caso específico do investidor Eduardo Fernandes, a transferência se deu provavelmente porque a operadora com quem o reclamante trabalhava há anos se transferira para a Núcleo a partir do dia primeiro de maio e pelo fato de a Theca ser uma corretora de grande porte, condição estabelecida por ele para que a operação se concretizasse, demonstrando claramente sua preocupação com a segurança e sua nítida intenção de continuar de posse dos títulos, situação que inexistiria caso a solicitação envolvesse a transferência de propriedade para a Núcleo. De qualquer forma, só porque as ações haviam sido transferidas para a conta da Núcleo não autorizava o seu uso indevido.
21. Se em nenhum momento ficou explícito e muito menos implícito que a vontade do reclamante era transferir a propriedade das ações, por outro lado, também não se podia esperar que o investidor, por mais experiente que fosse, tivesse a capacidade de perceber que a simples transferência de custódia de um intermediário para outro dentro do mesmo sistema poderia importar na transferência de propriedade ou que soubesse que isso estaria facilitando o uso indevido de suas ações.
22. Essa responsabilidade sem dúvida é abribuída aos intermediários, a quem cabe zelar pelo fiel cumprimento das normas de mercado e preservação da vontade dos investidores, uma vez que somente os intermediários têm acesso direto à custódia mantida pela bolsa. Portanto, cientes das conseqüências que as ordens podem gerar, cabe aos intermediários, não simplesmente ser meros e formais executores, mas verificar se tais comandos representam a real intenção dos investidores, evitando, assim, a prática de irregularidades. Em situação como essa não se pode permitir que a corretora execute a operação burocraticamente sem tomar o mínimo de cuidado, limitando-se a registrá-la passivamente.
23. A máxima "conheça bem seu cliente" também se aplica, a meu ver, mais uma vez. É simplesmente inadmissível que a Theca não conhecesse a capacidade econômico-financeira da Núcleo e aceitasse a transferência das ações de terceiros que, segundo ela, era para a carteira própria, sem qualquer questionamento e sem se preocupar com a legitimidade da operação. Era sim dever da corretora saber do que se tratava. O que não se pode aceitar é que a corretora pratique atos de tal responsabilidade sem a mínima preocupação com suas conseqüências. A corretora não só devia saber como era sua função procurar saber o que pretendia o investidor.
24. Diante disso, não se pode aceitar a alegação de que a Theca não sabia que a Núcleo atuava por conta de clientes ou que ela só atuava por conta da carteira própria. Era sua obrigação saber e conhecer bem seu cliente ainda que a ela não coubesse fiscalizar os seus atos internos. A Theca não podia ignorar que a Núcleo era uma distribuidora de pequeno porte e com valores irrisórios aplicados em ações próprias como revela seu balanço de 30.06.94 que indicava o valor de apenas R$2.045,00 na conta carteira própria. A verdade é que a Theca, conhecendo ou não a Núcleo, alguns meses depois, em setembro, passou a realizar operações de alto risco na BM&F em nome da Núcleo que a levaram mais adiante à inadimplência.
25. Ora, se a Theca já não tinha dado a importância que deveria por ocasião da transferência das ações para a conta da Núcleo acabou cometendo um segundo erro ao permitir que a Núcleo realizasse operações na BM&F oferecendo em garantia ações de terceiros. Certamente a Theca não agiu com diligência e não avaliou adequadamente a capacidade financeira da Núcleo ao aceitar que operações fossem realizadas sem se certificar de que as garantias, de fato, pertenciam à Nucleo, pois era de seu conhecimento que, caso não fossem honradas, a responsabilidade seria sua. A Theca demonstrou, assim, que não conhecia a Núcleo como deveria.
26. A CVM tem admitido, com respaldo em parecer da Procuradoria Jurídica, o ressarcimento pelo fundo de garantia de clientes de sociedades distribuidoras em casos em que ficou caracterizada a conduta culposa da corretora que concorreu, ainda que de forma inadvertida, para a prática do ilícito que causou danos aos investidores. A BOVESPA, por sua vez, também entende que, uma vez evidenciada a violação ao dever de diligência, não há como negar a responsabilidade da corretora que age como instrumento para a prática dos ilícitos.
27. Veja-se a seguinte passagem da decisão da CVM a respeito:
"Com efeito, se, por um lado, aos clientes de distribuidoras não assiste direito à indenização do Fundo de Garantia, a Corretora _____, ao infringir de forma ostensiva as normas citadas da Instrução CVM nº 220/94, permitiu a consumação do ilícito praticado pelo preposto da Mafra DTVM. Fica caracterizada, portanto, a conduta no mínimo culposa da Corretora _____ que concorreu, ainda que de forma inadvertida, para a prática de um ilícito cujas conseqüências foram nefastas para o Recorrente.
Importa ressaltar que a culpa, como fundamento da responsabilidade civil, está presente na conduta desprovida de uma cautela mínima, imprescindível para um convívio social harmônico, produzindo, por conseqüência, todo tipo de danos a terceiras pessoas. A Corretora _____,que desempenha a relevante função de intermediar e representar interesses patrimoniais alheios, deve cingir-se de uma dose extra dessa cautela, de modo a impedir que situações como a presente de concretizem" (Manifestação da Procuradoria Jurídica da CVM transcrita no voto do Sr. Diretor-Relator Wladimir Castelo Branco Castro nos autos do Proc. CVM nº SP98/0361).
28. Ora, diante dos fatos apurados que dão conta de que a Corretora Theca primeiramente aceitou que a Núcleo atuasse através de conta única de custódia que incluía quase que integralmente ações de clientes e a mínima parcela da carteira própria e depois permitiu que operações realizadas na BM&F por intermédio da Theca Commodities fossem garantidas com ações de clientes não se pode afirmar que a Theca não tenha concorrido para a ocorrência dos danos reclamados pelos investidores. Certamente se a Theca tivesse sido diligente quando da transferência das ações teria evitado não só que as operações fossem realizadas na BM&F que posteriormente foram responsáveis pelo prejuízo e pela consumação da fraude como também teria evitado que as ações de terceiros fossem dadas em garantia. Em suma, a Theca não avaliou bem a capacidade financeira da Núcleo, realizou negócios em nome da Núcleo utilizando ações pertencentes a terceiros e, por fim, vendeu essas ações para cobrir os prejuízos da Núcleo, cabendo aos reclamantes tão-somente o pagamento da conta.
29. Portanto, é inegável que falta de diligência da corretora permitiu a concretização do dano.
30. Quanto à alegação pela Theca de ocorrência de novos fatos, cabe esclarecer que a questão de que clientes de distribuidoras não têm acesso ao fundo de garantia já foi tratada e que a aceitação de denúncia apenas contra o ex-sócio da Núcleo não tem relevância para o desfecho do presente processo.
CONCLUSÃO
31. Ante o exposto, VOTO pelo acolhimento das reclamações, o que importará na reposição pelo fundo de garantia das ações reclamadas com todos os direitos distribuídos a partir da venda irregular, nos termos do artigo 44 da Resolução nº 1656/89 do Conselho Monetário Nacional, e conseqüente reforma da decisão da BOVESPA.
Rio de Janeiro, 30 de agosto de 2002.
NORMA JONSSEN PARENTE
DIRETORA-RELATORA"
 
Declaração de voto do Diretor Luiz Antonio de Sampaio Campos:
"Processo Administrativo CVM nº SP 95/0053
Declaração de Voto do Diretor Luiz Antonio de Sampaio Campos
Divirjo do voto da Diretora Norma Parente por entender que, no presente caso, não restou comprovado dos autos que a Corretora Theca efetivamente tenha tido conhecimento prévio de que as ações reclamadas não pertenciam à Núcleo DTVM, mas sim a clientes desta.
Ademais os argumentos de que as demonstrações financeiras demonstravam que a Núcleo DTVM não teria condições de operar em nome próprio não me convencem de que a Corretora teria ao menos sido indiferente, pois tais ações poderiam advir de empréstimo, sendo de se ressaltar que, à época, ainda não vigia a Instrução CVM nº 301/99.
Por fim, o fato de a Núcleo DTVM não ter sinalizado à Theca Corretora que as ações pertenciam a clientes daquela, e não à sua carteira própria, não acarretaria responsabilidades à Corretora, mas sim confirmaria que esta não teve conhecimento deste fato.
É o meu Voto.
Rio de Janeiro, 30 de agosto de 2002
Luiz Antonio de Sampaio Campos
Diretor"
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