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Decisão do colegiado de 30/08/2002

Participantes

LUIZ LEONARDO CANTIDIANO - PRESIDENTE
LUIZ ANTONIO DE SAMPAIO CAMPOS - DIRETOR
NORMA JONSSEN PARENTE - DIRETORA
WLADIMIR CASTELO BRANCO CASTRO - DIRETOR

RECURSO CONTRA A DECISÃO DA SMI DE NEGAR AUTORIZAÇÃO PARA EXERCÍCIO DE ATIVIDADE DE AGENTE AUTÔNOMO - MAURO RAMOS DOS SANTOS - PROC. RJ2001/11505

Reg. nº 3682/02
Relator: DLA
O Colegiado acompanhou o voto da Diretora Norma Parente, ficando vencido o voto do Diretor-Relator. Os votos estão abaixo transcritos:
"Processo CVM nº RJ 2001/11505
Reg. Col. nº 3682/2002
Assunto: Apreciação de recurso contra decisão da SMI
Interessados: Mauro Ramos dos Santos
Relator: Luiz Antonio de Sampaio Campos
Senhores Membros do Colegiado,
1.    Trata-se do recurso interposto pelo Sr. Mauro Ramos dos Santos contra a decisão da SMI (fls. 31) que negou autorização para o exercício das atividades de agente autônomo de investimentos sob o argumento de não preencher o requisito previsto no inciso III, artigo 5º da Instrução CVM nº 355/01, in verbis:
"Art. 5º A autorização para o exercício da atividade de agente autônomo de investimento somente será concedida à pessoa natural, domiciliada no País, que preencha os seguintes requisitos: (...)
III - reputação ilibada."
2.    A SMI baseia-se em diversas condenações sofridas em processos disciplinares perante o Banco Central do Brasil pelo Recorrente, relativos à época em que este exercia cargos de administração na Walpires S/A Corretora de Câmbio, Títulos e Valores Mobiliários (fls. 19/24).
3.    Em suas razões, o Recorrente alega, resumidamente, que (fls. 33/35):
                                      i.        seria Agente Autônomo de Investimentos, habilitado por exame técnico prestado em 24/06/90 e credenciado junto ao R.G.A;
                                     ii.        teria sido funcionário, e posteriormente diretor, da Walpires, atuando em diversos departamentos de controles internos, nunca atuando na área operacional;
                                    iii.        devido a irregularidades operacionais ocorridas naquela corretora, teria respondido a processos administrativos perante o Banco Central, cujos prazos já teriam expirado e encontrar-se-iam arquivados, e que teriam resultado na sua inabilitação;
                                    iv.        com relação à Deliberação CVM nº 347/00, que alertou os participantes do mercado de valores mobiliários e o público em geral que o Recorrente não estaria autorizado a praticar operações com valores mobiliários em seu próprio nome ou a manter escritório próprio para tal fim, em descumprimento ao disposto no item XIII da Resolução do CMN nº 238/72, o Recorrente afirma que nunca teria tido a intenção de a violar, pois não teria conhecimento da mesma;
                                     v.        com o interesse de se adequar ao mercado, teria participado e concluído cursos na Bovespa;
                                    vi.        o exercício da atividade de Agente Autônomo seria sua única aptidão profissional e única fonte de renda para o sustento da sua família.
4.    Deixando de apreciar o recurso em questão, a SMI remeteu os autos para a apreciação do Colegiado.
5.    Em caso bastante semelhante ao presente, o Colegiado da CVM requereu a manifestação da Procuradoria Jurídica da Autarquia, a qual produziu o MEMO/CVM/GJU-1/Nº139/02, em que revela ser o seu entendimento que:
                                      i.        a presunção de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado diz respeito apenas à sentença penal condenatória e não a julgado administrativo;
                                     ii.        a condenação em inquérito administrativo comprova e demonstra as máculas, as nódoas cometidas no exercício da atividade profissional e a adoção de práticas que feriram a relação fiduciária a ser mantida com os clientes;
                                    iii.        a exigência de reputação ilibada para o exercício da atividade de agente autônomo tem como pressuposto a necessidade de proteção ao público investidor e prevenir que pessoas inaptas, em razão de sua conduta, passada e atual, exerçam tal atividade.
6.    Ao despachar o citado Memo, o Procurador-Chefe da PJU, entendendo correta a decisão da SMI, destacou que:
                                      i.        a exigência de reputação sem manchas coaduna-se com a necessidade imperativa de se determinar que o pretendente ao registro fará jus à confiança que lhe será depositada pelos futuros clientes;
                                     ii.        o conceito de reputação ilibada é indeterminado, vago, cujo conteúdo deve ser delimitado pela Administração Pública através do exercício de poder tipicamente discricionário;
                                    iii.        a exigência da Instrução CVM nº 355/01 é plenamente constitucional, representando uma qualidade que se afigura indispensável para o exercício da atividade de agente autônomo;
                                    iv.        não é toda e qualquer condenação – judicial ou administrativa – que irá macular a reputação do condenado perante a sociedade;
                                     v.        além das circunstâncias elencadas no artigo 6º da Instrução CVM nº 355/01, que já conteriam certos parâmetros de aferição da reputação do pretendente, outras poderão ser analisadas pela autoridade administrativa, e, somente quando suficientemente graves, determinar que se conclua pelo não preenchimento do requisito em questão.
7.    Analisados os autos, parece-me que, no caso, assiste razão ao Recorrente.
8.    Embora concorde com a PJU quando ressalta a pertinência de se exigir um mínimo de requisitos à concessão da autorização, não se deve considerá-los tão rígidos a ponto de se alcançar objetivo que nem a própria lei, norma regulamentar ou eventual decisão administrativa condenatória perseguiram.
9.    Assim, no tocante ao requisito de reputação ilibada, não se pode dizer indistintamente que todo e qualquer ato em dissonância com a ética e a moral, ou ainda, que toda a condenação em processo administrativo disciplinar, seria capaz de manchar a reputação de pretendente ao exercício do cargo de agente autônomo.
10. No presente caso concreto, à primeira vista e sem maiores informações a respeito da fundamentação das decisões, uma vez que a SMI não trouxe aos autos os fatos que levaram o Banco Central a aplicar as penas informadas nas telas impressas diretamente do Sisbacen (fls. 19/24), não me parece que o fato de o Recorrente ter sido condenado por aquela Autarquia, em processos iniciados em 1993 e 1994, quando exercia cargo de administração em corretora de valores, seja impeditivo da concessão das autorizações, até porque, à vista de tais informações, não se pode concluir que tais condenações foram aplicadas por infrações graves, em que dolo ou culpa são fundamentais à sua caracterização.
11. Ainda neste tocante, e em linha com a manifestação do Procurador Chefe desta Autarquia, noto que, à época, o Recorrente ocupava a diretoria financeira e administrativa da corretora, sem ingerência nas atividades operacionais desta, conforme destacou a Procuradoria Jurídica da Delegacia Regional de São Paulo do Banco Central (fls. 50/51), o que não afastaria a possibilidade de ter sido condenado por infrações de natureza objetiva, que, na falta de maiores provas – cuja produção sempre cumpre à CVM, não tenho dúvidas – não deveria ser considerado para se formar juízo negativo a respeito da reputação do Recorrente a ponto de impedi-lo de obter a autorização para exercer a atividade de agente autônomo.
12. A par disto, as penas de inabilitação aplicadas não mais vigoram, até mesmo porque o Recorrente renunciou àquele cargo de administração ainda em 04/11/92.
13. Há ainda nos autos a menção de que o Banco Central teria efetuado comunicação ao Ministério Público, igualmente sem maiores esclarecimentos. Tal fato, por si só, também não deveria justificar o indeferimento da autorização.
14. Nada obstante, por cautela, o Recorrente apresentou o documento emitido por terminal de consulta do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que, confirmado pelos impressos de fls 60/61, demonstram que os reús, aí incluído o Recorrente, na ação criminal correspondente foram absolvidos, por unanimidade, pela Primeira Turma daquele Tribunal.
15. Por fim, há ainda um outro fator que deve ser levado em consideração: trata-se de agente autônomo com registro no RGA e que, já anteriormente, atuava no mercado. O seu registro na CVM somente tornou-se devido em razão de esta Autarquia, com a edição da Resolução CMN nº 2.838/01 e da Instrução CVM nº 355/01, ter passado a manter registro das autorizações outorgadas para esta atividade.
16. Em outras palavras, o novo requisito inserido na instrução editada pela CVM acabou por impedir que o Recorrente continuasse a exercer regularmente sua atividade, quando me parece clara a intenção da norma de justamente permitir que os agentes autônomos já em atividade não tivessem, por conta da nova regulamentação erigida, qualquer restrição em suas atividades.
17. Por outro lado, vale lembrar que, até quando tratou da inabilitação, a lei expressamente a qualificou de temporária, admitindo-se que, após o cumprimento da pena, o apenado pudesse voltar a praticar a atividade para a qual esteve inabilitado. Ora, se a existência de inabilitação torna-se empecilho para que possa retornar ao exercício da atividade, mesmo após o cumprimento integral da pena, aquilo que era para ser transitório torna-se permanente, representando, a meu ver, uma ilegalidade manifesta.
18. Tudo está a demonstrar o equívoco de se pretender exigir o requisito da reputação ilibada, previsto constitucionalmente para os pretendentes a ocupar os mais altos cargos da república, a uma atividade de menor importância, configurando, segundo penso, hipótese de inconstitucionalidade da norma por desproporção entre o fim que se busca alcançar e o meio utilizado.
19. Em outras palavras, deve-se avaliar o requisito "reputação ilibada" vis-à-vis a importância da função a ser desempenhada e os demais requisitos necessários a tal função. Em decorrência disso, não entendo cabível que se venha a exigir dos agentes autônomos critérios de reputação ilibada semelhantes aos aplicáveis, exemplificativamente, aos pretendentes aos cargos de ministro do Supremo Tribunal Federal.
20. Vale citar aqui o seguinte trecho do Manual de Redação da Presidência da República, elaborado por Comissão presidida pelo hoje Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Ferreira Mendes:
"A simples existência de lei não se afigura suficiente para legitimar a intervenção no âmbito dos direito e liberdades individuais. Faz-se mister, ainda, que as restrições sejam proporcionais, isto é, que sejam "adequadas e justificadas pelo interesse público" e atendam "ao critério da razoabilidade". Em outros termos, tendo em vista a observância do princípio da proporcionalidade, cabe analisar não só a legitimidade dos objetivos perseguidos pelo legislador, mas também a adequação dos meios empregados, a necessidade da sua utilização, bem como a razoabilidade, isto é, a ponderação entre a restrição a ser imposta aos cidadãos e os objetivos pretendidos."
21. Na mesma linha é o entendimento de Fábio Medina Osório, citando Luís Afonso Heck:
"A proporcionalidade, juntamente com o preceito da proibição de excesso, é resultante da essência dos direitos fundamentais. Proíbem-se intervenções desnecessárias e excessivas. ‘Uma lei não deve onerar o cidadão mais intensamente do que o imprescindível para a proteção do interesse público. Assim a intervenção deve ser apropriada e necessária para alcançar o fim desejado, nem deve gravar em excesso o afetado, i.e., deve poder ser dele exigível.’" (Direito Administrativo Sancionador, São Paulo. Editora Revista dos Tribunais – 2000. Pág. 176)
22. Por todo acima exposto, voto pelo provimento ao presente recurso no sentido de que seja reformada a decisão recorrida e que seja concedida ao Recorrente a autorização para o exercício da atividade de agente autônomo.
É o Voto.
Rio de Janeiro, 30 de agosto de 2002
Luiz Antonio de Sampaio Campos
Diretor-Relator"
 
Declaração de voto da Diretora Norma Parente:
PROCESSO: CVM Nº RJ 2001/11505
INTERESSADO: Mauro Ramos dos Santos
ASSUNTO: Recurso contra decisão da SMI
VOTO vencedor da Diretora Norma Jonssen Parente
1. Trata-se de indeferimento pela Superintendência de Relações com o Mercado e Intermediários – SMI de pedido de autorização para o exercício da atividade de agente autônomo de investimento pelo fato de o requerente não possuir reputação ilibada.
2. E a base para a decisão foram as sucessivas condenações aplicadas pelo Banco Central do Brasil que vão desde a advertência, multa pecuniária e várias inabilitações temporárias, conforme se verifica das fls. 19 a 24 dos autos.
3. Ora, parece-me que bem decidiu a SMI ao indeferir o pedido de autorização para o exercício da atividade de agente autônomo de investimento do requerente, pois, embora nem toda condenação macule a reputação, no caso específico, não há como não se reconhecer que quem foi condenado em inquérito administrativo com a pena de inabilitação para o exercício do cargo de gerência ou direção em instituição financeira deixou de preencher, de fato, o requisito de reputação ilibada.
4. E essa circunstância independe que o interessado tenha se afastado da instituição da qual fazia parte, pois a reputação ilibada é algo que se adquire ao longo da vida e que é maculada pelo próprio desempenho do indivíduo. É de domínio público o que representa reputação ilibada e, certamente, todos hão de concordar que quem tem a sua reputação manchada por irregularidades praticadas no mercado, ainda que as penalidades já tenham sido cumpridas e os processos arquivados, não pode ser autorizado a exercer a atividade de agente autônomo.
5. O conceito de reputação ilibada nem sempre é alcançado pela norma vigente, mas se traduz em "standards" que, segundo Judith Martins Costa(1), representam "... máximas de conduta, arquétipos exemplares de comportamento, de deveres de conduta não previstos legislativamente (e, por vezes, nos casos concretos , também não advindos da autonomia privada), de direitos e deveres configurados segundo os usos do tráfego jurídico, de diretivas econômicas, sociais e políticas, de normas, enfim, constantes de universos metajurídicos, viabilizando a sua sistematização e permanente ressistematização no ordenamento positivo."
6. Deve ser esclarecido, ainda, que o conceito de reputação ilibada é indeterminado, vago, cujo conteúdo é delimitado pela Administração Pública através do exercício de poder tipicamente discricionário.
7. Embora, de fato, nem toda condenação – judicial ou administrativa – macule a reputação do condenado perante a sociedade, no caso, a reputação do interessado foi maculada pelas sucessivas condenações, já que a penas aplicadas indicam que houve o cometimento de infrações consideradas graves.
8. Ante o exposto, VOTO pela manutenção da decisão da SMI, negando provimento ao recurso, o que importa no indeferimento da autorização solicitada para o exercício da atividade de agente autônomo de investimento.
Rio de Janeiro, 30 de agosto de 2002.
NORMA JONSSEN PARENTE
DIRETORA-RELATORA
(1) Conforme Luiz Roldão de Freitas Gomes, in Revista da EMERJ - Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, v. 5, n. 17, 2002, p. 18
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