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Decisão do colegiado de 21/10/2002

Participantes

LUIZ LEONARDO CANTIDIANO - PRESIDENTE
NORMA JONSSEN PARENTE - DIRETORA
WLADIMIR CASTELO BRANCO CASTRO - DIRETOR

PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO DE DECISÃO DO COLEGIADO - GERAÇÃO FUNDO DE INVESTIMENTO EM AÇÕES - PROC. RJ2002/2941

Reg. nº 3771/02
Relator: DNP
O Colegiado acompanhou o voto apresentado pela Diretora-Relatora, a seguir transcrito, e o Presidente também apresentou declaração de voto:
PROCESSO: CVM Nº RJ 2002/2941 (RC Nº 3771/2002)
INTERESSADOS: Geração Fundo de Investimentos em Ações e Outros
Assunto : PLASCAR PARTICIPAÇÕES INDUSTRIAIS S/A - Aquisição de direito de voto para acionistas preferencialistas
RELATORA: Diretora Norma Jonssen Parente
VOTO
RELATÓRIO
1. - Geração Fundo de Investimentos em Ações e Outros, acionistas preferencialistas, titulares de 24,5% do capital social da PLASCAR PARTICIPAÇÕES INDUSTRIAIS S/A, apresentaram, por meio da carta de fls. 01/08, reclamação em face de PLASCAR. Objetivam, em síntese, garantir o seu direito de voto na Assembléia Geral Ordinária programada para 29.04.2002, tendo em vista a não distribuição de dividendos nos últimos três exercícios. Pretendem, igualmente, que seja declarado não suscetível de distribuição, a título de dividendos, o resultado da reserva de reavaliação constante do balanço de 31.12.2001. De forma a embasar o seu pleito, aduziram os seguintes argumentos:
a.     Toda ação preferencial – excluída do direito de voto em troca de uma vantagem patrimonial – readquire o exercício desse direito se a sociedade, gerida pelos acionistas ordinários, não realiza a finalidade para a qual foi constituída, de gerar lucros e distribuir dividendos (cf. fls. 24/25 trecho do Parecer de Alfredo Lamy Filho acostado aos autos da Ação Ordinária n.º 951/2000, em trâmite perante a 1ª Vara Cível da Comarca de Mirassol/SP) e ;
b.    O estatuto social da PLASCAR confere, no parágrafo único do seu artigo oitavo, o direito de voto a todos os preferencialistas após o não pagamento de dividendos por três exercícios consecutivos (Art. 8º - Parágrafo Único – O não pagamento de dividendos por 3 (três) exercícios consecutivos conferirá às ações preferenciais direito de voto, que persistirá até a assembléia geral que determinar a distribuição de dividendos. A aquisição do direito a voto não implicará na perda para essas ações, de sua forma de preferenciais).
2. - O Colegiado desta Comissão de Valores Mobiliários, em 26.04.2002, decidiu, em exame preliminar, acatar o pedido dos acionistas preferencialistas, entendendo que esses deveriam votar na mencionada AGO, podendo a assembléia ser suspensa, caso a PLASCAR optasse por recorrer (cf. fl. 423 – Extrato da Ata da Reunião do Colegiado n.º 17/2002). Tal decisão foi comunicada via fax à administração da sociedade no dia 26 de abril do corrente ano.
3. - A companhia requerida, através de seus procuradores devidamente constituídos (fls. 186/192), solicitou vista dos autos no dia 07.05.2002 (fls. 184/185), a qual foi devidamente concedida em 08.05.2002 (fl. 193).
4. - Em seu RECURSO (fls. 199/409), a requerida aduziu que :
a.     Os requerentes, antes de apresentarem a questão junto a esta autarquia, já postularam em juízo acerca do seu direito de voto, contando com quatro decisões contrárias aos seus interesses junto ao Judiciário paulista (cópias das peças judiciais nas fls. 232/370);
b.    O presente administrativo não respeitou o princípio do devido processo legal, vez que a decisão foi proferida inaudita altera pars, não garantindo, assim, o contraditório e a ampla defesa.
c.     Houve violação ao princípio da motivação face aos termos do ofício que comunicou a decisão do Colegiado.
d.    O princípio da impessoalidade foi turbado quando da apresentação do requerimento dos sócios preferencialistas, por não respeitar a livre distribuição.
e.    A folha 133 dos autos encontra-se "solta", não se referindo a qualquer documento anterior ou posterior, devendo ser retirada dos autos ou ser acostado o inteiro teor do documento original.
f.     Este processo encontra-se em dissonância com o princípio da legalidade, sendo nulo por não encontrar nenhum subsídio legal que o ampare, já que não há rito específico para o caso.
g.    O presente recurso possui necessariamente efeito suspensivo, frente ao disposto nas Resoluções CMN n.ºs 454 e 1657 que disciplinam, respectivamente, o rito ordinário e o rito sumário.
h.    A apresentação da questão perante o Poder Judiciário inviabiliza a decisão isolada desta Comissão, considerando-se que o Poder Público deve proferir decisões coesas entre si, face ao princípio da segurança jurídica.
i.      Frente ao ordenamento jurídico vigente, as ações preferenciais com direito ao recebimento de dividendos 10% superior ao atribuído às ações ordinárias não adquirem o direito ao voto, considerando o caráter restritivo do §1º do artigo 111 da Lei n.º 6.404/76. Tal dispositivo garante a aquisição do direito político somente às ações preferenciais com dividendos fixos ou mínimos.
j.      A redação genérica do parágrafo único, do artigo 8º, do estatuto social da PLASCAR não garante aos titulares de ações preferenciais, com dividendo diferenciado, o direito ao voto em razão do não pagamento dos dividendos, já que não é possível dar a tal dispositivo estatutário sentido mais amplo que o da regra expressa na Lei n.º 6.404/76.
k.     O disposto no artigo 8º do estatuto foi parcialmente alterado, considerando-se que o seu parágrafo único foi suprimido.
5. - Em sede de MEMORIAIS (fls. 410/422), a companhia reafirmou os argumentos expendidos no seu recurso, trazendo ainda alguns dados da tramitação dos projetos de lei de alteração/reforma da Lei das Sociedades Anônimas e do entendimento da douta Procuradoria Jurídica da CVM acerca de eventual sobreposição de análises pela CVM e pelo Judiciário (Parecer/CVM/SJU/Nº 034 – 28.11.88).
6. - Nas folhas 424/434, foi acostado o estatuto social da PLASCAR, apresentado pela companhia em suas informações anuais prestadas a esta autarquia em 31.12.2001.
7. - A Gerência de Acompanhamento de Empresas 3 – (GEA-3) concluiu, nas fls. 437/442, após minucioso relatório, que às ações preferenciais da PLASCAR deve ser estendido o direito de voto em razão da não distribuição de dividendos por mais de 3(três) exercícios consecutivos, tendo em vista a disposição contida no estatuto social da companhia, o qual ampliou a disposição contida na Lei n.º 6.404/76.
8. – Através de novos MEMORIAIS (fls. 443/584), a companhia repetiu os mesmos argumentos contidos no recurso e nos primeiros memoriais.
9. – Em resposta à solicitação da SEP, a Junta Comercial do Estado de São Paulo (JUCESP), através do Ofício JC/Nº 39.360/02, encaminhou os documentos cadastrais referentes à companhia (fls. 585/702).
10. – Os requerentes, por intermédio da petição de fl. 706, aduziram a inexistência de alteração no estatuto social, de acordo com as informações da JUCESP. 
FUNDAMENTOS
11. – Preliminarmente, insta apresentar algumas digressões sobre a validade da medida recorrida.
A DECISÃO ESTÁ DE ACORDO COM O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
12. - Como é corrente na moderna doutrina de direito público, todas as decisões administrativas devem encontrar sustentação no princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade. Atento a essa exigência jurisprudencial e doutrinária, o legislador federal impôs a observância a este princípio através da Lei n.º 9.784, de 29 de janeiro de 1999, cujo artigo assim dispõe:
Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. (...) VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público.
13. - Sabe-se que, para um ato estar afinado a este princípio, deve o mesmo passar pelo crivo dos "três testes da razoabilidade", quais sejam: I – adequação entre os meios e os fins; II – necessidade da medida; e III – proporcionalidade em sentido estrito. Assim, no caso sob análise, antes de confrontar as teses recursais, é lícito concluir que:
13.1. a decisão do Colegiado foi adequada, eis que entendeu que os acionistas preferencialistas deveriam votar na mencionada assembléia. O meio utilizado (determinação para que a companhia permitisse aos preferencialistas o voto na AGO ou suspensão da assembléia) cumpriu o fim colimado de maneira satisfatória.
13.2. a medida adotada era necessária dada a proximidade da AGO (29.04.2002) e a intenção manifesta da administração da companhia em não permitir o direito de voto dos preferencialistas. A atitude preventiva da CVM, manifestando seu entendimento, resguardou o direito dos acionistas.
13.3. a proporcionalidade em sentido estrito foi respeitada na espécie, dado que a equação entre custo da medida e o benefício gerado (higidez do mercado) está em perfeita harmonia.
13.4. conclui-se, neste exame perfunctório, que a decisão do Colegiado da CVM é proporcional.
ESTÃO PRESENTES OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DA MEDIDA DE URGÊNCIA
14. - Vencida esta etapa, fica fácil visualizar os motivos que levaram o Colegiado a proferir a decisão inaudita altera pars. Tal se deu em razão do seu caráter urgente (proximidade da AGO) e da aparente violação ao estatuto social da PLASCAR (parágrafo único do artigo 8º - O não pagamento de dividendos por 3 (três) exercícios consecutivos conferirá às ações preferenciais direito de voto, que persistirá até a assembléia geral que determinar a distribuição de dividendos. A aquisição do direito de voto não implicará na perda para essas ações, de sua forma de preferenciais.). Desta forma, configuram-se o periculum in mora e o fumus boni iuris que justificam a medida protetiva adotada.
15. – Nesta esteira, a nova redação dada à lei das S.A., justamente para evitar que os conflitos se perpetuassem, deu à CVM legitimidade para antes da Assembléia Geral manifestar sua opinião acerca da legalidade da matéria a ser deliberada. Portanto, a decisão do Colegiado está em linha com as atribuições da CVM.
O DEVIDO PROCESSO LEGAL E SEUS CONSECTÁRIOS FORAM CUMPRIDOS
Contraditório 
16. – O contraditório, como ciência bilateral dos atos e a possibilidade de contrariá-los, e a ampla defesa foram respeitados no caso, tendo em vista que a decisão foi comunicada em tempo hábil e foi concedido prazo para a defesa dos atos dos administradores da companhia. Ademais, havendo qualquer prejuízo para a recorrente com a não realização da AGO, esta poderia socorrer-se junto ao Judiciário – o que não foi feito – considerando a inafastabilidade da jurisdição (art. 5º inc. XXXV da CRFB/88).
17. – A folha 133, por não possuir correlação lógica com os documentos anteriores e posteriores, deve ser retirada dos autos. Tal fato em nada prejudica a defesa, que teve o conhecimento de todo o conteúdo destes autos para elaborar o seu recurso, devendo prosseguir o julgamento do processo.
Motivação 
18. – Como é cediço na doutrina e na jurisprudência, a motivação de um ato não se encontra somente no corpo do mesmo, podendo estar inserta em atos anteriores e preparatórios. No presente caso, nenhuma dúvida resta que os argumentos dos preferencialistas são, em um exame preliminar, os motivos da decisão, sendo inconsistente a argumentação da companhia.
Impessoalidade
19. – O princípio da impessoalidade não foi violado, vez que a decisão não foi da Relatora, mas sim do Colegiado, em reunião da qual participaram os Superintendentes das áreas afim desta Comissão de Valores Mobiliários. A distribuição por dependência do feito a um caso em que a PLASCAR era interessada, em que houve, portanto, identidade de partes e de causa, não gera o efeito nulificador pretendido, tendo em vista que essa distribuição serve apenas para efeitos administrativos – dado que a decisão não foi unipessoal, mas sim do Colegiado. Ademais, ambos os processos cuidam de abuso do poder de controle da PLASCAR, sendo evidente a correlação.
Informalidade do processo administrativo
20. – A ausência de rito específico não impede que a Administração atue em proteção de seus administrados. Eventual inércia poderia configurar ilegalidade por omissão, passível de correção via mandado de segurança, considerando que a Constituição garante o direito de petição aos órgãos públicos – em dispositivo de eficácia plena inserto no capítulo dos direitos e garantias individuais. 
21. – Outrossim, a Lei n.º 9.784/99 – lei do processo administrativo – serve como parâmetro e foi utilizada em caráter subsidiário, respaldando a atividade de proteção aos investidores tomada pela CVM. O referido diploma legal (9.784/99) prevê, no parágrafo único do seu artigo segundo a exigência de observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados, sem contanto exigir a adoção do formalismo exacerbado – sendo que a forma é um instrumento para a realização do bem comum e não um fim em si. 
22. – Neste sentido, a doutrina publicista apresenta o chamado "princípio do informalismo" no processo administrativo, significando que no silêncio da lei ou atos regulamentares, não há para o administrador a obrigação de adotar excessivo rigor na tramitação dos processos administrativos, tal como ocorre, por exemplo, nos processos judiciais. Ao administrador caberá seguir um procedimento que seja adequado ao objeto específico a que se destinar o processo. Se um administrado, por exemplo, formula algum requerimento à Administração, e não havendo lei disciplinadora do processo, deve o administrador impulsionar o feito(1) ... Assim, absurda, inconsistente e violadora das garantias individuais seria a desconsideração das súplicas dos administrados, caracterizando a inércia da Administração no exercício do poder de polícia. 
Separação das instâncias administrativa e judicial
23. – A separação das funções estatais, baluarte do Estado Democrático de Direito, permite infirmar a argumentação dos recorrentes. Segundo a mais abalizada voz em Direito Administrativo(2), as funções jurisdicional e administrativa, como formas de individualização das leis, se distinguem quanto ao momento, modo e finalidade da atuação. A jurisdição é chamada a resolver um caso no momento em que surge uma situação contenciosa no processo de realização do direito, de modo a alcançar uma solução definitiva que resolva o conflito. Assim, Administração e Jurisdição não são ontologicamente distintas, sendo que as decisões judiciais, no sistema administrativo brasileiro, apenas se sobrepõem às administrativas quando estão sob o manto da definitividade – coisa julgada (garantia constitucional inscrita no inciso XXXVI do artigo 5º da CRFB/88).
24. – Tratando-se do exercício do poder de polícia pela CVM é incompatível aceitar a submissão irrestrita da esfera administrativa à judicial. Tendo por premissa que a separação de funções, expressa no artigo 2º da CRFB/88, assegura a mesma importância aos atos do Poder Público, sem prestigiar um "Poder" em detrimento dos outros, é dever da CVM atuar no caso até que sobrevenha uma decisão judicial específica que suspenda o curso do processo administrativo. Ademais, sabendo-se que uma das características da polícia administrativa é a auto-executoriedade dos seus atos não é lógico a Administração aguardar a resolução da questão junto ao Judiciário. 
25. – Outrossim, no caso em tela as decisões judiciais estão longe de obstar a atuação da CVM – seja pelo exposto acima, seja por não incluir esta autarquia no pólo passivo. Do que foi apresentado nos autos, conclui-se que o Judiciário paulista apenas se manifestou, preliminarmente, acerca de um juízo de verossimilhança que, segundo Hegel, é um nada diante da certeza.
26. – Ademais, a Administração não está adstrita ao deslinde de situações semelhantes pelo Poder Judiciário, podendo atuar sponte propria no exercício do seu poder de polícia. É evidente o prejuízo a ser gerado pela espera da solução judicial do caso, o que de per si, legitima a decisão administrativa. 
27. – Finalmente, as sanções administrativas aplicadas pela CVM em nada se assemelham aos efeitos das decisões judiciais. Portanto, nada impede que prossigam em paralelo ambos os feitos.
DA EXISTÊNCIA DO DIREITO DE VOTO DOS PREFERENCIALISTAS FRENTE AO ORDENAMENTO
28. – É ponto pacífico na doutrina que as ações preferenciais, tais como as ordinárias, nascem com direito de voto. No caso da primeira espécie a lei apenas faculta à companhia a retirada da participação política em troca de algumas vantagens específicas. A mecânica de todas as preferenciais é por demais simples, troca-se o voto por um privilégio.
29. – Fixada esta premissa, o legislador, com o fim de garantir o equilíbrio entre os participantes, garantiu o restabelecimento do direito de voto aos preferencialistas quando a companhia deixar de pagar, regularmente, os dividendos àqueles acionistas. Outra não é a disposição do parágrafo primeiro do artigo 111, in verbis :
§ 1º As ações preferenciais sem direito de voto adquirirão o exercício desse direito se a companhia, pelo prazo previsto no estatuto, não superior a 3 (três) exercícios consecutivos, deixar de pagar os dividendos fixos ou mínimos a que fizerem jus, direito que conservarão até o pagamento, se tais dividendos não forem cumulativos, ou até que sejam pagos os cumulativos em atraso.
30. – É certo que graça na doutrina uma controvérsia acerca da amplitude deste dispositivo, pendendo uma parcela para a consideração restritiva – ou seja, somente para os preferencialistas com dividendos fixos ou mínimos poderia ser atribuído o voto – e outra para a sua interpretação teleológica e sistemática. 
31. – Com todo o respeito à primeira posição, de acordo com a próprio procedimento da retirada do direito de voto explicada, seria incoerente impingir ao acionista, que acedeu ao chamado da companhia em subscrever ações destituídas de voto em troca de uma compensação financeira, uma espécie de título de participação no qual ele nada recebe e ainda não pode se manifestar. Se assim fosse os acionistas ordinários ficariam em posição de superioridade, gozando do direito de voto – ou seja, comandando os destinos da companhia – enquanto os outros não recebem o que a companhia prometeu pagar e nem podem votar.
31. – Segundo a colação doutrinária feita pelo eminente Fran Martins(3) a posição na Alemanha e na Argentina não destoa do exposto : 
Se o dividendo preferencial não foi pago, ou se não for pago inteiramente, em determinado ano, e o dividendo permanecer no todo ou em parte sem ser pago no fim do ano seguinte, as ações gozarão dos direitos de voto enquanto o dividendo atrasado não for pago (Würdinger, H. German Company Law. London. Oyez. 1975. p.24-5)
As ações preferenciais terão direito de votar nas assembléias durante todo o tempo em que se encontrem em mora no recebimento dos lucros que constituem sua preferência.
Obtém-se dessa forma um justo equilíbrio entre os direitos patrimoniais e os direitos políticos da ação. 
(M. Sasot Betes e M. P. Sasot. Sociedades anónimas – Las Asambleas. 1978. p. 308-9)
32. – Na mesma linha de raciocínio, o ilustre parecerista ALFREDO LAMY FILHO(4) aduz que :
A Lei de S.A. – é bem repetir – constitui um sistema, e todos os seus dispositivos só podem entender-se quando analisados em relação aos demais pertinentes à matéria. O que violenta a racionalidade é admitir-se que possa haver acionista "privilegiado" no gozo dos direitos essenciais dos acionistas entre os quais o de participar dos lucros, condenado a assistir impotente à má gestão e ao desperdício do investimento que fez, sem direito de votar nas assembléias gerais, enquanto outro acionista com preferência a um dividendo fixo mínimo faria jus ao exercício do voto.
...
A ressalva do §1º do art. 17 ("ainda que fixos ou cumulativos") introduzida para defesa do conceito de capital social como garantia de credores deve ser entendida como implícita no §1º do art. 111, vale dizer 
"as ações preferenciais sem direito de voto adquirirão o exercício desse direito se a companhia, pelo prazo previsto no estatuto, não superior a três exercícios sociais consecutivos deixar de pagar os dividendos "AINDA QUE" FIXOS OU MÍNIMOS a que fizerem jus" ... etc.
Essa inteligência do texto nos parece procedente tendo em vista, especialmente que a Lei 6.404/76, introduziu o dividendo mínimo obrigatório (art. 202) que favorece a todos os acionista, sejam ou não privilegiados com ou sem reembolso." 
...
O acionista preferencial no reembolso não fica pois, imobilizado se a sociedade não distribui dividendos : se o negócio vai mal, e caminha para a falência ou concordata (como no caso) ele adquire o direito de voto PORQUE NÃO HOUVE DIVIDENDOS, SEJAM ELES FIXOS, MÍNIMOS, OBRIGATÓRIOS OU IGUAIS AOS DAS AÇÕES ORDINÁRIAS – A QUE FAZEM JUS – como todos os acionistas em geral.
Em conclusão do quanto foi dito :
...
b) toda ação preferencial – excluída do direito de voto em troca de uma vantagem patrimonial – readquire o exercício desse direito se a sociedade, gerida pelos acionistas ordinários, não realiza a finalidade para a qual foi constituída, de gerar lucros e distribuir dividendos;
33. – De maneira a espancar qualquer dúvida sobre o acima expendido, as palavras de ARNOLD WALD e de MODESTO CARVALHOSA servem para demover qualquer óbice levantado por um entendimento restritivo, distante da interpretação sistemática da lei societária :
... a interpretação sistemática dos arts. 17 e 111 da Lei e a própria interpretação lógica nos leva a concluir que o art. 111, § 1º, se aplica a todas as hipóteses de acionistas preferenciais que deixaram de receber os dividendos por mais de três exercícios, qualquer que tenha sido a forma de preferência que lhe foi estatutariamente assegurada. (WALD, Arnold. Do direito de voto dos titulares de ações preferenciais após o decurso de três exercícios sem pagamento de dividendos. in Revista dos Tribunais. vol. 634. Ano 77. São Paulo : Agosto de 1988. p. 10)
Completando a disciplina contida no art. 17 o legislador instituiu, no art. 111, um regime político de defesa dos direitos dos preferencialistas, consistente em atribuir-lhes, por força de lei e independentemente de qualquer disposição estatutária, o direito de voto, sempre que não recebendo os dividendos, inclusive os fixos ou mínimos, estabelecidos no estatuto social ou na Lei (estes na forma do art. 17, com a redação de Lei n.º 9.457/97).
Consequentemente, inexistindo a percepção de vantagem efetiva, ou seja, ausente a distribuição de dividendos ao acionista preferencial, este passa a ter direito de voto, com vistas à sua participação na decisões da empresa.
Assim, o acionista preferencial, que a doutrina também denomina "acionista rendeiro" ou "acionista poupador", quando deixa de receber a remuneração de sua renda ou poupança, passa a ser, para todos os efeitos, um acionista ordinário, com direito de voto, independentemente da causa ou das circunstâncias que ensejarão o não pagamento dos dividendos
. (WALD. Arnold, Do regime jurídico do direito de voto dos acionistas preferenciais da Bascitrus Agro Indústria S.A. – Parecer solicitado por Bascitrus Agro Indústria S.A. – acostado aos autos pelos requerentes nas fls. 26/76).
... as ações preferenciais sem direito de voto adquirirão o exercício desse direito se a companhia, pelo prazo não superior a três exercícios consecutivos deixar de pagar os dividendos que por lei ou pelo Estatuto lhes são prioritariamente assegurados, sejam eles dividendos mínimos obrigatórios (art. 222), sejam dividendos fixos, dividendos mínimos, ou ainda, dividendos sobre os lucros do exercício. (CARVALHOSA. Modesto, Parecer solicitado por Bascitrus Agro Indústria S.A. – acostado aos autos pelos requerentes nas fls. 77/115).
34. – Efetivamente, seria iníquo para o acionista, que tem como contrapartida da exclusão de seu voto o recebimento de um dividendo privilegiado, assistir amordaçado o desenrolar da decadência da sociedade sem poder interferir. É irrazoável admitir-se que fique à frente da sociedade quem deu margem aos prejuízos, sob o risco de se atingir a total desvalorização do patrimônio social. Evidentemente não foi esse desígnio antidemocrático que movimentou o legislador. O espírito é permitir o exercício do poder de controle pelos acionistas prejudicados, ao menos, até que a sociedade retorne a seu rumo.
35. – Já é questionável, em termos de boa Governança Corporativa, a existência de ações sem direito de voto, quiçá admitir-se que tais ações também fiquem indiscriminadamente privadas de participar dos lucros, direito intangível do acionista.
36. – O direito de participar dos lucros sociais tem caráter periódico (anual). Assim, a cada ano em que não se pagam os dividendos está-se impedindo um direito essencial do acionista. A contrapartida para essa obstrução só pode ser o direito de votar para tentar sustar a infração continuada. Trata-se de direito individual do acionista, ope legis, insuscetível de modificação, nem mesmo pela Assembléia Geral.
37. – Assim, a única conclusão lídima acerca do pleito é de que todos os preferencialistas adquirem o direito ao voto após a inadimplência contínua da companhia, em razão da própria natureza das ações preferenciais.
DO DIREITO DOS PREFERENCIALISTAS DA PLASCAR EM FACE DO ESTATUTO
38. – Não obstante a controvérsia doutrinária, no caso sub examine as objeções caem por terra.
39. – Isto porque os estatutos, no exercício da autonomia da vontade, não se restringiram ao texto legal, garantindo a todos os preferencialistas o direito ao voto após 3 (três) exercícios consecutivos sem distribuição de dividendos. 
40. – A disposição estatutária, de clareza meridiana, assim dispõe (artigo 8º, parágrafo único):
O não pagamento de dividendos por 3 (três) exercícios consecutivos conferirá às ações preferenciais direito de voto, que persistirá até a assembléia geral que determinar a distribuição de dividendos. A aquisição do direito de voto não implicará na perda para essas ações, de sua forma de preferenciais.
41. – Ofende à lógica e aos mais basilares princípios de hermenêutica dizer que tal dispositivo deve ser lido em conformidade com a lei societária. Primo, porque a interpretação do dito limitador legal do direito ao voto não é unívoca e secundo, porque é regra comezinha que onde o texto não distingue, não é lícito ao intérprete distinguir.
42. – Ademais, na espécie, a PLASCAR somente emitiu uma classe de preferencial – a que os postulantes possuem. Aplicar um limitador de voto, que necessariamente pressupõe diversidade de classes, em uma companhia que não faz distinção entre suas preferenciais é infenso à racionalidade, sendo inteiramente reprovável tal interpretação.
43. – Assim, se a companhia desejasse garantir somente a uma classe de preferencialistas o direito de voto, deveria ter feito expressamente, já que a cláusula genérica assegura aos acionistas preferencialistas – como um todo – tal direito.
44. – O legislador (artigo 111 § 1º) apenas apresentou um mínimo de garantias, deixando para as sociedades a atribuição de estatuírem os demais direitos que entendessem suficientes para o desenvolvimento de sua empresa com a captação de recursos junto ao mercado. 
45. – Ao assegurar em seu estatuto que todos os preferencialistas teriam direito a voto após 3 (três) exercícios sem perceberem os seus dividendos, a PLASCAR apresentou ao mercado um atrativo a mais em suas ações, responsabilizando-se por tais garantias. Negar tais direitos a esta altura significa ludibriar os investidores, afirmando, por vias transversas, que aqueles que disponibilizaram a sua poupança na PLASCAR nunca poderão mudar os rumos da companhia – não obstante que a mesma não apresente lucros por vários exercícios. Um verdadeiro absurdo numa sociedade democrática e solidária (artigo 3º inciso I da Constituição da República de 1988(5)) que busca desenvolver-se sob os ditames da justiça social (artigo 170 da CRFB/88). 
46. – Em um cenário de instabilidade e quebra de confiança, que vem sendo contornado com os ditames da moderna Governança Corporativa, o mercado tende a segregar companhias com procedimentos antidemocráticos, servindo de alerta a decisão do Colegiado da CVM.
AS INFORMAÇÕES PRESTADAS À CVM DEVEM SER FIDEDIGNAS, RESPONSABILIZANDO A COMPANHIA PELAS MESMAS, EM RESPEITO AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA
47. – A pretensa alteração no estatuto não foi comprovada pela parte interessada, sendo claro que nas informações anuais de 1990 e de 1991 encaminhadas à CVM que continham cópias do estatuto assinado pelo diretor da empresa Didier Maurice Klotz, bem como nas últimas informações fornecidas ao mercado (IAN – 2001), o § único do artigo 8º não foi alterado e, portanto, vigente em toda a sua plenitude o artigo que concede direito de voto aos preferencialistas quando não recebe dividendos. Tal proceder (informações inconsistentes) configuraria, no mínimo, violação ao dever de informar, que por si não isentaria a companhia de responsabilidade junto aos seus acionistas, face ao respeito ao princípio da boa-fé objetiva.
48. – A atitude da companhia em negar o direito de voto aos seus preferencialistas, contrariando disposição expressa do seu estatuto, aliada às afirmações totalmente desprovidas do mínimo probatório sobre uma eventual "alteração da cláusula", caracterizam o procedimento da PLASCAR como temerário, costeando o pantanoso terreno da má-fé.
49. – Após as informações da Junta Comercial do Estado de São Paulo ficou evidente que o parágrafo único do artigo 8º do estatuto não foi excluído, visto que quando a sociedade quis "eliminar" algum item do estatuto o fez expressamente e não por vias transversas. 
50. – Logicamente, a sociedade não "eliminou" o parágrafo único do artigo 8º, bastando, para tal conclusão, a leitura da Ata da AGO e AGE (fls. 626/628) e as informações anuais (IANs) prestadas à CVM, nas quais se inclui e é parte integrante estatuto consolidado que a própria companhia encaminha a esta autarquia há mais de 10 (dez) anos.
51. É lamentável, portanto, que uma companhia aberta se preste, inclusive, a discutir judicialmente a validade de cláusula estatutária que jamais deixou de constar das informações que ela própria prestou ao mercado e que jamais foi excluída na questionada assembléia.
IMPOSSIBILIDADE DA DISTRIBUIÇÃO DA RESERVA DE REAVALIAÇÃO A TÍTULO DE DIVIDENDOS 
52. – Conforme relatado pelos preferencialistas, a PLASCAR pretende distribuir a reserva de reavaliação sob o título de dividendos.
53. – A reserva de reavaliação não pode ser utilizada para aumento de capital ou amortização de prejuízo enquanto não realizada. Este entendimento, esposado pelo IBRACON, foi aprovado por esta Comissão de Valores Mobiliários em 19 de junho de 1995, através da Deliberação n.º 183. Se a utilização da reserva de reavaliação é tida como irregular naquelas hipóteses, com muito mais razão será irregular a distribuição da mesma como dividendos.
54. – Efetivamente, a distribuição de reserva de reavaliação importa em fraude ao capital social. A garantia dos credores fica afetada na medida em que, sem que haja qualquer alienação de ativos, a mais valia desses bens é distribuída ao acionista. Há uma distribuição de lucros não realizados – fictícios.
55. – Portanto, nesta mesma esteira, caso haja distribuição, a título de dividendos, da reserva de reavaliação, enquanto a mesma não estiver realizada, configura-se abuso.
CONCLUSÃO
56. - Do exposto, voto pelo DESPROVIMENTO DO RECURSO, mantendo a decisão do Colegiado, no sentido de que os preferencialistas da PLASCAR tenham direito de voto assegurado, nos termos do parágrafo único do artigo oitavo de seu estatuto (O não pagamento de dividendos por 3 (três) exercícios consecutivos conferirá às ações preferenciais direito de voto, que persistirá até a assembléia geral que determinar a distribuição de dividendos. A aquisição do direito de voto não implicará na perda para essas ações, de sua forma de preferenciais.), até que sejam distribuídos os dividendos, que não poderão ser calculados com base na reserva de reavaliação, enquanto a mesma não estiver realizada, conforme preceitua a Deliberação CVM n.º 183/95.
É o meu VOTO.
Rio de Janeiro, 21 de outubro de 2002
NORMA JONSSEN PARENTE
DIRETORA-RELATORA
 
(1) CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 5ª edição. Rio de Janeiro : Editora Lumen Juris. 1999. pp. 689/690 
(2) SEABRA FAGUNDES, Miguel. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. 6ª edição. São Paulo : Saraiva. 1984. pp. 10/13. 
(3) in Direito de voto de ações preferenciais. Novos Estudos de Direito Societário. São Paulo : Saraiva. 1988. pp. 93/94 
(4) Parecer proferido em resposta à consulta formulada pelo Dr. Luiz Fernando Amaral Halembeck, referente à ação ordinária n.º 951/2000 – em trâmite na Comarca de Mirassol/SP, acostado aos autos pelos reclamantes nas fls. 13/25. 
(5) Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil : I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; 
 
Declaração de voto do Presidente:
"PROCESSO CVM RJ/2002/2941 – Registro EXE/CGP 3771/2002
PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO
Interessado: GERAÇÃO FUNDO DE INVESTIMENTO EM AÇÕES 
Relator: Diretora Norma Parente
Voto do Presidente Luiz Leonardo Cantidiano
Acompanho o voto da Relatora, com duas ressalvas:
(a) em primeiro lugar, que apenas as ações preferenciais que assegurem prioridade no recebimento de dividendos fixos ou mínimos e que não recebem tais dividendos é que podem readquirir o direito de voto;
(b) no caso concreto, como o Estatuto da companhia recorrente outorgara às ações preferenciais o direito de voto se as mesmas não recebessem, ao final de 3 (três) anos, o dividendo superior em 10% (dez por cento) ao dividendo pago às ações ordinárias, entendo que o direito de voto está assegurado.
Rio de Janeiro, 21 de outubro de 2002.
LUIZ LEONARDO CANTIDIANO
Presidente"
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