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Decisão do colegiado de 24/01/2012

Participantes

MARIA HELENA DOS SANTOS FERNANDES DE SANTANA - PRESIDENTE
LUCIANA PIRES DIAS - DIRETORA
OTAVIO YAZBEK - DIRETOR

RECURSO CONTRA DECISÃO DA SEP - REFAZIMENTO E REAPRESENTAÇÃO DE ITRS - FORMULÁRIOS INFORMAÇÕES TRIMESTRAIS - ENERGISA S.A. - PROC. RJ2011/3316

Reg. nº 8070/11
Relator: DLD

Inicialmente, a Presidente Maria Helena Santana informou ter recebido solicitação do advogado da Energisa S.A. para que a CVM somente analisasse o recurso da Companhia após manifestação do IBRACON, que iria se pronunciar formalmente sobre o assunto tratado no processo em aproximadamente duas semanas.

Após discussão, o Colegiado deliberou indeferir o pleito recebido, e analisar as características concretas presentes nesse caso específico, por considerar que as manifestações do IBRACON, em geral, têm caráter genérico.

Trata-se de recurso interposto por Energisa S.A. ("Companhia") contra decisão da Superintendência de Relações com Empresas - SEP que decidiu que os "títulos perpétuos com opção de diferimento de juros" ("Notas Perpétuas") deveriam ser contabilizadas no passivo financeiro da Companhia, e determinou o refazimento e a reapresentação dos Formulários ITRs referentes aos trimestres encerrados em 31.03.2011 e 30.06.2011.

O processo foi instaurado com a finalidade de analisar a regularidade dos procedimentos adotados pela Companhia em relação às Notas Perpétuas distribuídas no exterior em 27.01.11, conforme divulgado em Fato Relevante de 20.01.11.

Segundo a Companhia, as Notas Perpétuas seriam instrumentos patrimoniais por possuírem as seguintes características: (i) prazo indeterminado para amortização do principal; (ii) direito incondicional da Companhia de diferir por qualquer tempo o pagamento da remuneração devida aos titulares das Notas Perpétuas; (iii) não existem covenants que não estejam sob total controle da Companhia; e (iv) a Companhia pode contrair dívidas adicionais que poderão preferir às Notas Perpétuas

O recurso apresenta ainda os seguintes argumentos que, no entender da Companhia, justificariam a escrituração dos títulos a conta do patrimônio líquido: (i) primazia da essência sobre a forma; (ii) diferimento da remuneração das Notas Perpétuas; (iii) exposição dos fatores de risco no Offering Memorandum; (iv) existência de um direito incondicional da Companhia de evitar a entrega de caixa; (v) subordinação das Notas Perpétuas aos demais títulos de dívida de emissão da Companhia; (vi) as Notas Perpétuas não teriam vencimento; (vii) comparação entre as Notas Perpétuas e as ações preferenciais; (viii) diferença entre compulsão econômica e obrigação; e (ix) comparação com o caso Tec Toy.

Diante do recurso da Companhia, a SEP apresentou nova manifestação mantendo seu entendimento original, destacando que: (i) mesmo que a Companhia possa diferir os juros, eles seriam reconhecidos e deveriam ser pagos em determinado momento futuro; (ii) em caso de diferimento do pagamento dos juros a respectiva taxa sofreria majoração, o que implicaria um ônus adicional à Companhia; diferentemente, a postergação do pagamento de dividendo não teria a mesma conseqüência; há casos que resultariam em um aumento significativo da taxa de juros (5% a.a.); e (iii) o último evento de default previsto no Offering Memorandum, por exemplo, seria, na verdade, um conjunto de eventos futuros e incertos; esse exemplo diferiria claramente da exceção prevista no item "b" do § 25 do CPC 39, por não se tratar de hipótese de liquidação da Companhia; esse evento seria, assim, uma condição cuja consequência é o vencimento do título.

A Superintendência de Normas Contábeis e de Auditoria - SNC também manteve seu entendimento original no sentido de que as Notas Perpétuas deveriam ser classificadas como passivo financeiro. Em síntese, a SNC concluiu que o interesse dos titulares das Notas Perpétuas não seria residual, pois não dependeria do resultado da Companhia, mas seria remunerado com base em uma taxa fixa contratualmente estabelecida, de modo que os títulos não atenderiam a todos os critérios do CPC 39 cumulativamente necessários para classificação como instrumento patrimonial.

A Relatora Luciana Dias observou que se trata de decisão complexa, pois as normas contábeis internacionais certamente têm diversas leituras possíveis e, portanto, diversas respostas defensáveis. Para interpretá-las é necessário levar em conta: (i) a lógica de retenção de lucros e distribuição de dividendos da Lei 6.404/76; e (ii) os precedentes da CVM já que, no Proc. RJ2010/1058, julgado em 30.11.10, o Diretor Marcos Pinto fez uma análise sobre tema semelhante, decidindo que as debêntures especiais emitidas pela Tec Toy poderiam ser classificadas como instrumentos patrimoniais.

Em seu voto a Relatora destacou duas questões na argumentação da Companhia: (i) ao contrário do alegado, o diferimento não significa que não exista uma obrigação; e (ii) segundo a lógica do regime de retenção de lucros e pagamento de dividendos da Lei 6.404/76, o pagamento de dividendos acima do obrigatório não consiste em mera discricionariedade da Companhia.

Ainda segundo a Relatora, o diferimento é só uma alternativa entre pagar agora e pagar mais tarde, via de regra, arcando com algum custo por ter exercido a opção de pagar mais tarde. A Relatora entende, ainda, que o regime da Lei 6.404/76, no curso normal dos negócios de uma companhia, exige que, havendo lucros, tais lucros sejam distribuídos, em algum momento que não está inteiramente sob o controle dos administradores, do acionista controlador, ou mesmo, da assembléia geral.

Além disso, a Relatora observou que os eventos de inadimplemento geram a possibilidade de detentores de Notas Perpétuas que representem 25% das notas emitidas ou do agente fiduciário (Trustee) declararem todo o montante de juros acumulados e o principal devidos imediatamente. Os eventos de inadimplemento, portanto, impedem o diferimento dos pagamentos da remuneração das Notas Perpétuas.

Prosseguindo, a Relatora observou que as obrigações contratuais de pagamento de juros inerentes às Notas Perpétuas: (i) não deixam de existir, nem mudam de natureza porque podem ser diferidas; e (ii) não podem ser diferidas indefinidamente a exclusivo critério da Companhia.

E, ainda, que a remuneração das Notas Perpétuas não guarda semelhança nenhuma com instrumentos residuais. Ela é uma obrigação presente, ao final de cada exercício, independentemente dos resultados da Companhia. A remuneração das Notas Perpétuas também não está subordinada a qualquer outro instrumento que componha o passivo.

Ademais, a Relatora entendeu não ser conveniente classificar as Notas Perpétuas como parte do patrimônio da Energisa. A CVM tem se esforçado no sentido de melhorar o nível de transparência e a qualidade das informações prestadas pelos emissores de valores mobiliários. Assim, permitir que instrumentos que condicionam a companhia a uma situação de devedor, como são as Notas Perpétuas, integrem o patrimônio de um emissor mascara o seu verdadeiro risco de crédito e dificulta a compreensão dos investidores.

O Colegiado, acompanhando o voto apresentado pela Relatora Luciana Dias e o entendimento da SEP e da SNC sobre a classificação contábil das Notas Perpétuas como instrumentos que integram o passivo exigível do balanço patrimonial da Companhia,deliberou o indeferimento do recurso e determinou a reapresentação dos ITRs referentes aos trimestres encerrados em 31.03.2011, 30.06.2011 e 30.09.2011 com as devidas correções.

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