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Decisão do colegiado de 08/12/2020

Participantes

· MARCELO BARBOSA – PRESIDENTE
· GUSTAVO MACHADO GONZALEZ – DIRETOR
· FLÁVIA MARTINS SANT’ANNA PERLINGEIRO – DIRETORA
· ALEXANDRE COSTA RANGEL - DIRETOR

Reunião realizada eletronicamente, por videoconferência.

RECURSO CONTRA DECISÃO DA SEP SOBRE INFORMAÇÕES A SEREM PRESTADAS NA SEÇÃO 13 DO FORMULÁRIO DE REFERÊNCIA E A NECESSIDADE DE INCLUSÃO DOS ENCARGOS SOCIAIS NO MONTANTE GLOBAL DA REMUNERAÇÃO DOS ADMINISTRADORES A SER SUBMETIDO À APROVAÇÃO PELA ASSEMBLEIA GERAL – B3 S.A. - BRASIL, BOLSA, BALCÃO – PROC. SEI 19957.007457/2018-10

Reg. nº 1361/19
Relator: DFP

Trata-se de recurso apresentado pela B3 S.A. – Brasil, Bolsa, Balcão (“B3” ou “Companhia”) contra decisão da Superintendência de Relações com Empresas (“SEP”), envolvendo: (i) informações prestadas pela Companhia na Seção 13 do Formulário de Referência (“FRE”) relativo ao exercício de 2018; e (ii) a inclusão de encargos sociais devidos pela Companhia, como empregadora, no montante global da remuneração dos administradores a ser submetido à aprovação da assembleia geral de acionistas (“Assembleia”), nos termos do art. 152 da Lei nº 6.404, de 15.12.1976 (“Lei das S.A.”).

A controvérsia teve origem no exame realizado pela SEP do FRE da Companhia no âmbito do seu programa de supervisão baseada em risco, que originou apontamentos acerca de supostas incorreções no preenchimento do item 13 do FRE e no valor de remuneração dos administradores levado à aprovação da Assembleia.

B3 e SEP expuseram uma à outra os argumentos que as levaram às suas conclusões acerca dessas duas questões, não tendo, entretanto, sido equacionadas as divergências. Nesse contexto, a Companhia ajustou seu FRE conforme as orientações da área técnica, contudo, interpôs o presente recurso ao Colegiado.

Entende a SEP que, nos itens 13.1, 13.2 e 13.11 do FRE, a Companhia deve apresentar as remunerações de exercícios anteriores seguindo a mesma metodologia utilizada nas Demonstrações Financeiras (“DFs”) e incluir os encargos sociais cujo ônus seja do empregador. A Companhia, por outro lado, defende ser mais adequada a utilização de sua própria metodologia de cálculo, que melhor reflete as particularidades de seu Plano de Concessão de Ações, de efeitos plurianuais, bem como a não inclusão dos valores dos encargos sociais de ônus do empregador.

No que tange ao primeiro ponto objeto de divergência, o principal argumento da área técnica é no sentido de que a redação da Instrução CVM nº 480/2009 (remuneração reconhecida no resultado dos 3 últimos exercícios) não dá margem para a utilização de metodologia diversa daquela refletida nas DFs, em consonância com o disposto no item 1 do Pronunciamento Técnico CPC 10 (R1). Ainda de acordo com o entendimento da SEP, tal restrição não se aplica ao exercício corrente, inexistindo óbice na utilização pela B3 da metodologia desenvolvida pela Companhia com relação a tal exercício.

A Companhia, por outro lado, aduz que o posicionamento da SEP inviabilizaria a comparação da remuneração dos administradores do exercício corrente com os anteriores, posto que calculadas a partir de critérios distintos, bem como que tal problema somente poderia ser sanado satisfatoriamente com a adoção, para todos os exercícios, da metodologia que propôs, a qual, ao contrário do refletido nas DFs, leva em consideração as especificidades de seu Programa de Concessão de Ações, notadamente seus efeitos plurianuais.

O segundo ponto de divergência diz respeito a se os encargos sociais de responsabilidade do empregador comporiam a remuneração dos administradores na forma de benefícios de qualquer natureza, mencionados no art. 152 da Lei das S.A. e, portanto, se deveriam ser incluídos no montante a ser deliberado em assembleia prevista no mesmo dispositivo, bem como serem tratados como componentes da remuneração nos itens pertinentes do FRE.

Para a SEP, a Assembleia de que trata o art. 152 da Lei das S.A. tem como objeto o custo total que a companhia terá com a sua administração, o que inclui os encargos sociais de ônus do empregador, que são abarcados pelo conceito de benefício de qualquer natureza, conforme o disposto no item 5, i, do Pronunciamento Técnico CPC 33 (R1).

A B3, contudo, aduz que a remuneração acrescida dos referidos encargos sociais configura despesa de pessoal, a qual já é objeto de deliberação e aprovação dos acionistas nas DFs. Alegou a Companhia que: (i) os encargos sociais decorrem de um imperativo legal, e o seu pagamento não é facultativo e nem feito aos administradores, não podendo ser objeto de deliberação, por não ser possível a sua rejeição pelos acionistas; (ii) o CPC 33 (R1) não é aplicável, pois orienta o reconhecimento, mensuração e evidenciação de despesas nas DFs, não se prestando a complementar a legislação societária no que se refere às matérias de competência de assembleia geral; (iii) ainda que se considerasse o CPC 33 (R1) aplicável, seu item 8 conceitua benefícios aos empregados como formas de compensação proporcionadas pela entidade, o que não inclui as contribuições previdenciárias instituídas por lei e pagas ao INSS; e (iv) considerando os efeitos plurianuais no Programa de Concessão de Ações da Companhia, a inclusão de encargos sociais implicaria um grau de incerteza elevado, tanto pela flutuação da cotação das ações, quanto pela possibilidade de alteração das leis e regras trabalhistas, o que poderia implicar a necessidade de futuras ratificações das decisões anteriores, gerando insegurança jurídica.

A Diretora Relatora Flávia Perlingeiro votou pelo provimento parcial do recurso, mantendo a decisão da SEP no que tange à inadequação de utilização pela Companhia de metodologia diversa daquela refletida nas DFs para o cálculo dos valores de remuneração da administração para os três exercícios anteriores a serem divulgados no FRE. Por outro lado, em linha com o entendimento adotado pela Companhia, entendeu que os encargos sociais de ônus do empregador não configuram benefícios de qualquer natureza, referidos no art. 152 da Lei das S.A., e que não devem, portanto, ser incluídos no montante a ser deliberado em assembleia geral, tampouco constituem componentes da remuneração de que trata o FRE.

Quanto ao primeiro ponto, a Relatora reconheceu haver razoabilidade na metodologia de cálculo adotada pela B3, mas concordou com a SEP que a redação da Instrução CVM nº 480/2009 é clara no sentido que a remuneração da administração para os três exercícios anteriores é aquela reconhecida no resultado, opção regulatória mantida na proposta constante do Edital de Audiência Pública SDM nº 09/20. A Diretora Flávia Perlingeiro também lembrou que a utilização do parâmetro do reconhecimento contábil permite a comparação entre as políticas de remuneração de diferentes companhias e não apenas de uma mesma companhia ao longo dos anos.

Quanto ao entendimento de que os encargos sociais de ônus do empregador não configuram benefícios de qualquer natureza referidos no art. 152 da Lei das S.A., a Diretora Flávia Perlingeiro discorreu sobre os pertinentes esclarecimentos feitos em parecer elaborado por Dr. Paulo Cezar Aragão (“Parecer”), em resposta à consulta da Companhia, sobre as distinções entre as contribuições sociais de ônus do empregador, os benefícios previdenciários e os benefícios indiretos componentes da remuneração dos administradores.

A Relatora chamou atenção para o fato de que, como bem apontado no referido Parecer, o sistema de repartição da previdência brasileira não estabelece uma correlação direta entre o valor da contribuição social de ônus do empregador e o benefício previdenciário a ser auferido, no futuro, pelo administrador, se preenchidos os requisitos para tanto, e que os encargos sociais de ônus do empregador não são revertidos ou creditados em favor do administrador. Destacou que se trata de tributo devido pela Companhia e fundado na solidariedade social de todos para financiar a seguridade social, que se insere num regime contributivo e solidário, e não num comutativo e sinalagmático.

Pontuou, ainda, que, conforme também ressalta o Parecer, enquanto os benefícios indiretos são pagos ao administrador pela companhia, os benefícios previdenciários são arcados pelo Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS, o que ilustra a inaplicabilidade do disposto no CPC 33 (R1), que estabelece em seu item 4 que os benefícios aos empregados são aqueles “proporcionados” pelo empregador. No mesmo sentido, o art. 157, §1º, “c” da Lei das S.A., segundo o qual são benefícios aqueles que o administrador “tenha recebido ou esteja recebendo da companhia”, ressaltando que não seria hermeneuticamente correto atribuir conceitos distintos a um mesmo termo dentro de um mesmo texto legal.

Outros pontos levantados pelo Parecer e destacados pela Relatora, foram que (i) o principal objetivo do art. 152 da Lei das S.A. é o de evitar abusos, impedindo que administradores aprovassem benefícios para si, (ii) não se pode confundir os deveres de informar e de deliberar; e (iii) os conceitos do artigo 152 da Lei das S.A. e do CPC 33 (R1) não são excludentes, podendo conviver harmonicamente.

Nesse sentido, a Relatora concordou com a interpretação da Companhia quanto ao alcance e à aplicabilidade do CPC 33 (R1), bem como reputou pertinentes os argumentos da Companhia no sentido de que, diante dos efeitos plurianuais do Plano de Concessão de Ações, os montantes dos encargos sociais poderiam sofrer alterações, independentemente da vontade da Companhia.

Por esses motivos, a Relatora votou pelo não provimento do recurso no que diz respeito à metodologia de cálculo a ser adotada para fins de divulgação no Item 13.2(d)(v), mantido o entendimento da SEP de que sejam divulgados conforme reconhecidos no resultado da Companhia dos três exercícios sociais anteriores ao do exercício social em que apresentado o FRE; e pelo provimento do recurso no que tange ao entendimento de que os encargos sociais de ônus do empregador não estão abrangidos pelo conceito de “benefício de qualquer natureza” de que trata o art. 152 da Lei das S.A., não integrando os montantes de remuneração global ou individual sujeitos à aprovação pela assembleia geral, tratamento a ser refletido tanto na Proposta de Remuneração quanto no FRE, sem prejuízo da divulgação apartada, no FRE, dos montantes dos referidos encargos sociais incidentes sobre a remuneração dos administradores da Companhia, como informação complementar, a critério da Companhia, como corroborado pela B3.

O Diretor Gustavo Gonzalez acompanhou o voto da Diretora Relatora, mas apresentou manifestação apartada tecendo considerações sobre os conceitos de remuneração e de “benefícios de qualquer natureza” e, ainda, sobre alguns problemas do regime de aprovação da remuneração em assembleia geral baseado na fixação do montante global de remuneração em um contexto em que a remuneração é pensada como um pacote composto por componentes bastante diferentes.

O Colegiado, por unanimidade, acompanhou a manifestação de voto da Diretora Relatora Flávia Perlingeiro.

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