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Decisão do colegiado de 21/09/2021

Participantes

• MARCELO BARBOSA – PRESIDENTE
• FLÁVIA MARTINS SANT’ANNA PERLINGEIRO – DIRETORA
• ALEXANDRE COSTA RANGEL – DIRETOR
• FERNANDO CAIO GALDI – DIRETOR

Reunião realizada eletronicamente, por videoconferência.

APRECIAÇÃO DE NOVAS PROPOSTAS DE TERMO DE COMPROMISSO – PAS SEI 19957.011355/2017-18 (PAS 06/2014)

Reg. nº 1096/18
Relator: SGE

Trata-se de novas propostas de Termo de Compromisso apresentadas por Edmir José Bosso, Henrique Jueis de Almeida e José Carlos Santos (em conjunto, "Proponentes"), no âmbito do Processo Administrativo Sancionador (“PAS”) instaurado pela Superintendência de Processos Sancionadores – SPS e pela Procuradoria Federal Especializada junto à CVM – PFE/CVM (em conjunto, “Acusação”), no qual há outros acusados que não apresentaram propostas para celebração de Termo de Compromisso.

O referido PAS foi instaurado com o objetivo de apurar “eventuais irregularidades em atos e negócios realizados pela Rede Energia S.A. e/ou por suas sociedades controladas, bem como em transações entre partes relacionadas, especialmente quanto a possíveis desvios de recursos do grupo para administradores e controladores e à inobservância das normas contábeis na elaboração de suas demonstrações financeiras”.

A Acusação propôs a responsabilização dos Proponentes nos seguintes termos:

(i) Edmir José Bosso, na qualidade de diretor operacional da Empresa Energética do MS S.A. – Enersul ("E.S.A." ou "Enersul"), por infração, em tese, ao art. 176 da Lei nº 6.404/1976 ("LSA") e ao art. 14 da Instrução CVM nº 480/2009, ao elaborar as demonstrações financeiras de 2011 da Enersul sem observar a legislação contábil aplicável e falhar em identificar partes relacionadas;

(ii) Henrique Jueis de Almeida, na qualidade de diretor financeiro e administrativo da Centrais Elétricas Matogrossenses S.A. – Cemat ("C.S.A" ou "Cemat"), por, em tese:

(a) infração ao art. 153 da LSA, ao ter deixado de fiscalizar o exercício das atividades sob sua responsabilidade, desconhecendo o oferecimento de garantias em montante relevante da Cemat;

(b) infração ao art. 153 da LSA ao negligenciar a fiscalização do mútuo entre companhias relacionadas, atividade sob sua responsabilidade, implicando ônus desnecessário; e

(c) por infração ao art. 176 da LSA e ao art. 14 da Instrução CVM nº 480/2009, ao elaborar as demonstrações financeiras de 2011 da Cemat sem observar a legislação contábil aplicável; elaborar o 1º ITR/2012 da Cemat, sem observar a legislação contábil aplicável; elaborar o 2º ITR/2012 da Cemat, sem observar a legislação contábil aplicável; e falhar em identificar partes relacionadas;

 (iii) José Carlos Santos:

(a) na qualidade de diretor financeiro e administrativo da Enersul, (a.1) por infração ao art. 176 da LSA e ao art. 14 da Instrução CVM nº 480/2009, ao elaborar as demonstrações financeiras de 2011 da Enersul sem observar a legislação contábil aplicável; elaborar o 1º ITR/2012 e o 2º ITR/2012 da Enersul sem observar a legislação contábil aplicável; tendo conhecimento das cartas de transferência, deixar de expressar com clareza a situação do patrimônio da companhia ao omitir tal informação nas demonstrações financeiras de 2011; e falhar em identificar partes relacionadas; (a.2) por infração ao art. 245 da LSA, ao oferecer bens da Enersul em garantia de dívida da Rede Energia S.A. ("Rede"), sua controladora, sem contraprestação; e (a.3) por infração ao art. 153 da LSA por negligenciar a fiscalização do mútuo entre companhias relacionadas, implicando ônus desnecessário;

(b) na qualidade de diretor gerente da Cemat, por infração, em tese, ao art. 176 da LSA e ao art. 14 da Instrução CVM nº 480/2009, por elaborar o 2º ITR/2012 da Cemat sem observar a legislação contábil aplicável; e falhar em identificar partes relacionadas.

Devidamente intimados, os Proponentes apresentaram razões de defesa e propostas para celebração de Termo de Compromisso, as quais foram rejeitadas pelo Colegiado da CVM em reunião de 03.12.2019, acompanhando o parecer do Comitê de Termo de Compromisso (“Comitê” ou "CTC"), que entendeu que (i) apesar dos esforços empreendidos pelo Comitê com a abertura de negociação, a proposta apresentada por Edmir José Bosso ficou aquém do que seria conveniente e oportuno para desestimular a conduta apontada na peça acusatória (em que pese a PFE/CVM ter concluído pela inexistência de óbice jurídico); e (ii) no que se referia à proposta de Henrique Jueis de Almeida e de José Carlos Santos, remanescia o óbice jurídico indicado pela PFE/CVM.

Em 10.01.2020, Edmir José Bosso apresentou nova proposta aderindo à negociação apresentada pelo Comitê, em 11.12.2018, de pagar à CVM, em parcela única, o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a título de danos difusos no mercado, e não exercer o cargo de administrador (diretor e membro de conselho de administração) e de membro do conselho fiscal de companhia aberta pelo prazo de 2 (dois) anos, tendo, ainda, acrescentado que, à época, não dispunha dos recursos financeiros necessários à celebração do acordo, razão pela qual não acolheu a proposta na ocasião.

Em 06.04.2020, Henrique Jueis de Almeida e José Carlos Santos apresentaram nova proposta conjunta para celebração de Termo de Compromisso, na qual propuseram pagar à CVM o valor de R$ 330.000,00 (trezentos e tinta mil reais), sendo R$ 110.000,00 (cento e dez mil reais) para Henrique Jueis de Almeida e R$ 220.000,00 (duzentos e vinte mil reais) para José Carlos Santos, a título de indenização referente aos danos difusos no mercado, e a obrigação de não atuarem em companhia aberta pelos prazos, respectivamente, de 3 (três) anos e de 5 (cinco) anos.

Em razão do disposto no art. 83 da Instrução CVM nº 607/2019, a PFE/CVM apreciou os aspectos legais da nova proposta conjunta de Termo de Compromisso apresentada por Henrique Jueis de Almeida e José Carlos Santos, tendo mantido sua opinião pela existência de óbice jurídico à celebração de Termo de Compromisso. Em relação à proposta apresentada por Edmir José Bosso, a PFE/CVM já havia se manifestado no sentido do preenchimento dos requisitos legais previstos no art. 11, § 5°, incisos I e II, da Lei n° 6.385/1976.

Em reunião do Comitê realizada em 13.07.2021, a SPS afirmou que: (i) o caso se deu diante de situação atípica envolvendo uma intervenção, recuperação judicial e troca de controle; (ii) os  documentos apresentados pelos Proponentes, com a finalidade de superar o óbice legal, seriam de difícil atesto, não sendo possível concluir que não houve o prejuízo assinalado na peça acusatória relativamente aos Contratos de Mútuo celebrados com C.S.A. e E.S.A.; e (iii) não cabia à SPS atestar se o termo de quitação apresentado poderia ser aceito para atender ao requisito legal de correção das irregularidades apontadas, incluindo a indenização dos prejuízos na esfera de regulação da CVM. Nesse contexto, no decorrer da reunião, ao ser indagado pelo Comitê sobre o estudo e o termo de quitação apresentados, o Procurador-Chefe se manifestou no sentido de manter o óbice para a celebração de Termo de Compromisso com Henrique Jueis de Almeida e José Carlos Santos pelo fato de: (i) o relatório com análise dos contratos de mútuo adentrar questões quanto ao mérito da acusação, incabível em sede de termo de compromisso; (ii) os argumentos e documentos aceitos pela ANEEL, na sua esfera de atuação, não serem suficientes para afastar os prejuízos às companhias abertas sob a regulação da CVM; e (iii) os argumentos apresentados se basearem na perspectiva da regulação da ANEEL, cuja preocupação se relacionava com continuidade do serviço público prestado, e os problemas da concessão deste serviço, tendo então, e nesse contexto, anuído e incentivado a operação de alienação de controle.  Adicionalmente, e especialmente em relação ao termo de quitação, o Procurador‑Chefe destacou que a redação do documento ficou restrita a afastamento de questões obrigacionais no contexto da operação de alteração de controle.

 À luz do acima exposto, e considerando (i) o óbice mantido pela PFE/CVM, que se manifestou no sentido de que a quitação apresentada não seria apta a afastar o dever de ressarcimento no caso; (ii) a manifestação da SPS, no sentido de que não houve correção da prática considerada irregular na acusação; (iii) o reduzido grau de economia processual, tendo em vista que nem todas as pessoas citadas no processo em tela apresentaram proposta para celebração de Termo de Compromisso; e (iv) a gravidade das condutas praticadas no caso, que, em tese, resultaram em prejuízo de centenas de milhões de reais para as companhias C.S.A. e E.S.A., o Comitê deliberou por, novamente, opinar junto ao Colegiado pela rejeição da proposta conjunta de Termo de Compromisso apresentada por Henrique Jueis de Almeida e José Carlos Santos.

Ainda na reunião de 13.07.2021, a Superintendência de Relações com Empresas – SEP informou que Edmir José Bosso não mais ocupava cargo de administrador em companhia aberta, de modo que a proposta pecuniária combinada com a obrigação de não fazer – o afastamento pelo prazo de 2 (dois) anos da função de administrador (diretor e membro de conselho de administração) e de membro do conselho fiscal de companhia aberta –, não poderia ser considerada contrapartida adequada e suficiente para desestimular práticas semelhantes. Nesse sentido, considerando que: (i) o valor pecuniário proposto (R$ 20.000,00) se encontrava muito distante da negociação proposta pelo Comitê (R$ 100.000,00), em 25.09.2018; (ii) em caso de abertura de processo de negociação, eventual novo valor sugerido pelo Comitê seria majorado, devido ao: (a) decurso do tempo; (b) apresentação de nova proposta, após rejeição pelo Colegiado da proposta anterior, sem novos argumentos; e (c) entendimento do Comitê, que, após reanálise do caso,compreendeu a atuação do Proponente, referente a sua conduta, como a de maior grau de gravidade, em tese, em relação a sua visão anterior; e (iii) reduzido grau de economia processual, tendo em vista que nem todas as pessoas citadas no processo em tela apresentaram proposta para celebração de Termo de Compromisso, o Comitê deliberou por opinar junto ao Colegiado pela rejeição da proposta de Termo de Compromisso apresentada por Edmir José Bosso.

Em 23.07.2021, Henrique Jueis de Almeida e José Carlos Santos peticionaram solicitando acesso ao Parecer do Comitê, antes de sua submissão ao Colegiado, em razão da deliberação do Comitê no sentido de opinar junto ao Colegiado pela rejeição da proposta conjunta de Termo de Compromisso apresentada. Na reunião do Comitê realizada em 27.07.2021, o CTC conheceu e indeferiu o pedido de vista, considerando o fato de o Parecer em comento ainda não ter sido finalizado e o fato de se tratar de documento preparatório cujo acesso pode ser temporariamente restrito, nos termos do §3º do art. 7º da Lei de Acesso à Informação e do art. 3º, inciso XII c/c art. 20, ambos do Decreto nº 7.724/2012, entendimento que estaria em consonância com opinião exarada no PARECER n. 00172/2020/GJU-4/PFE-CVM/PGF/AGU e respectivos Despachos:

 “(...) o Parecer elaborado pelo CTC caracteriza-se como documento preparatório que pode ter o acesso temporariamente restrito, nos termos do § 3º do art. 7º da LAI e art. 3º, inciso XII c/c art. 20, ambos do Decreto nº 7.724/12, sendo que após a decisão do Colegiado sobre a aprovação ou rejeição da proposta de celebração de termo de compromisso poderão os interessados ter acesso a tais documentos, ressalvados os demais sigilos previstos em legislação específica, conforme previsto no art. 6º, inciso I, do Decreto nº 7.724/12. (...)” 

 Em relação à questão incidental referida nos itens 80 e 81 do Parecer do CTC, a maioria do Colegiado, vencido o Presidente Marcelo Barbosa, discordou do tratamento dado pelo Comitê em restringir, ainda que apenas temporariamente, o acesso dos acusados ao Parecer do CTC, sob fundamento de se tratar de documento preparatório, nos termos da Lei de Acesso à Informação (Lei n° 12.527/2012) e do Decreto n° 7.724/2012.

Os Diretores entenderam que, na sistemática adotada pela Instrução CVM n° 607/2019, os acusados devem ter acesso aos documentos formalizados e juntados aos autos do PAS durante toda a sua tramitação, não sendo aplicadas as mesmas regras atinentes a pedidos de vista formulados por terceiros. Nesse sentido, entenderam que, em sendo assinado o Parecer do CTC, não há razão para impedir o acesso pelos próprios acusados. Nesse contexto, os Diretores ressaltaram que deve ser preservado o legítimo interesse dos acusados em ter a possibilidade de conhecer a opinião e respectivos fundamentos manifestados pelo CTC acerca das propostas de termo de compromisso, antes de sua apreciação pelo Colegiado.   

De todo modo, destacaram, também, que tal entendimento foi externado para fins de orientação em casos futuros, pois, no caso concreto, concluíram pela rejeição das propostas em razão da ausência de conveniência e oportunidade na celebração de termo de compromisso, à luz do reduzido grau de economia processual vislumbrado e da fase em que o PAS se encontra, independentemente da controvérsia apontada quanto à configuração de óbice legal.

O Presidente Marcelo Barbosa, por sua vez, considerou adequado o tratamento dado pelo Comitê ao tema, tendo em vista a natureza negocial do instituto do termo de compromisso e a disciplina da Lei n° 12.527/2012 e do Decreto n° 7.724/2012. Nesse sentido, seria cabível a classificação do parecer do Comitê como documento preparatório, conforme definido no art. 3º, inciso XII do referido Decreto, tendo em vista tratar-se de material utilizado para instruir a decisão do Colegiado a respeito da aceitação ou rejeição da proposta de termo de compromisso, de modo que a restrição temporária ao acesso, somente até a tomada da decisão, seria plenamente amparada pelo art. 20 do mesmo diploma.

Isso em nada prejudica o direito do proponente de, após a deliberação do Colegiado, apresentar questionamento relativo ao teor de quaisquer dos documentos contidos nos autos, inclusive o parecer do Comitê, ou mesmo submeter nova proposta de termo de compromisso. Por sua vez, o acesso irrestrito ao parecer do Comitê entre o momento de sua disponibilização ao Colegiado e a realização da reunião em que a proposta será objeto de deliberação pode gerar, como de fato já gerou, ineficiências relevantes no processo, como a possibilidade de o Comitê e o Colegiado se verem obrigados a conhecer e opinar, em curtíssimo espaço de tempo, sobre novas manifestações do proponente feitas após este conhecer o parecer do Comitê. Como consequência, o assunto pode ser retirado de pauta, e ser objeto de nova manifestação do Comitê, e novamente se cria a hipótese do proponente solicitar acesso e apresentar considerações adicionais, reiniciando um ciclo que não se justifica.  Tal diferimento de acesso, na visão do Presidente, concilia de forma equilibrada o direito ao contraditório dos acusados e a eficiência do processo de negociação e deliberação sobre propostas de termo de compromisso.

O Diretor Alexandre Rangel discordou da existência, no caso concreto, do óbice jurídico apontado nos itens 74 a 76 do Parecer do CTC, relativo à ausência de indenização aos supostos prejuízos causados pelos proponentes Henrique Jueis de Almeida e José Carlos dos Santos. Rangel pontuou que (i) foi juntado aos autos um termo de quitação (Doc. SEI 1310658), por meio do qual os supostos prejudicados – que, segundo o Parecer do CTC, deveriam ser indenizados como condição para superação do óbice jurídico – outorgaram expressa e nominalmente aos ora proponentes “a mais ampla, irrestrita, irrevogável e irretratável quitação (...) para nada mais reclamar ou requerer, judicial, administrativa ou extrajudicialmente, a qualquer título, a qualquer tempo”; (ii) não encontra amparo nos princípios da legalidade, da ampla defesa e do contraditório a referência inscrita no item 74 do Parecer do CTC, no sentido de que “os documentos apresentados pelos proponentes, com a finalidade de superar o óbice legal, são de difícil atesto, não sendo possível concluir que não houve o prejuízo assinalado na peça acusatória relativamente aos Contratos de Mútuo celebrados com C.S.A. e E.S.A.”, podendo tal ponderação ser confundida com indevidas modalidades de prova negativa ou de inversão do ônus da prova em processos administrativos sancionadores, cabendo destaque, ainda, para o fato de que foram apresentados, além do termo de quitação, pareceres técnicos que, de acordo com os proponentes, seriam aptos a demonstrar a inexistência de prejuízo; (iii) os efeitos da construção que se convencionou chamar de “realidade acusatória” – com todas as suas limitações, imprecisões e dificuldades de compatibilização com os princípios jurídicos mais basilares existentes em qualquer Estado Democrático de Direito – não podem ignorar e nem se sobrepor a uma manifestação de vontade clara e inequívoca dos próprios agentes que teriam sido prejudicados segundo o CTC, os quais afirmaram assertivamente, em sentido contrário, que nada têm a reclamar ou a requerer dos ora proponentes; (iv) por fim, a inexistência de óbice jurídico, com relação aos proponentes supracitados, em nada prejudica ou limita o exercício de formação do juízo de conveniência e oportunidade por parte da CVM, observados o interesse público e todos os demais parâmetros previstos na legislação e regulamentação aplicáveis, exercício esse que pode culminar com a negativa da proposta de termo de compromisso, conforme, aliás, decidido pelo Colegiado neste caso.

Por unanimidade, o Colegiado decidiu rejeitar as propostas de termo de compromisso apresentadas, pela ausência de oportunidade e conveniência, acatando a conclusão do parecer do Comitê.

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