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Decisão do colegiado de 21/12/2021

Participantes

• MARCELO BARBOSA – PRESIDENTE 
• FLÁVIA MARTINS SANT'ANNA PERLINGEIRO – DIRETORA
• ALEXANDRE COSTA RANGEL – DIRETOR
• FERNANDO CAIO GALDI – DIRETOR

Reunião realizada eletronicamente, por videoconferência.

RECURSO CONTRA DECISÃO DA SSE – DISTRIBUIÇÃO DE RENDIMENTOS EM FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO – BTG PACTUAL SERVIÇOS FINANCEIROS S.A. DTVM – PROC. SEI 19957.006102/2020-10

Reg. nº 2388/21
Relator: SSE (Pedido de vista DFG)

Trata-se de recurso interposto por BTG Pactual Serviços Financeiros S.A. DTVM (“BTG” ou “Recorrente”), com pedido de efeito suspensivo, contra decisão da Superintendência de Supervisão de Securitização – SSE proferida no Ofício nº 6/2021/CVM/SSE/SSE-Assessoria, por meio do qual foi solicitado ao BTG que, a partir do recebimento do referido ofício, passasse a distribuir rendimentos aos cotistas do Maxi Renda Fundo de Investimento Imobiliário (“Fundo” ou “Maxi Renda FII”) somente quando houvesse lucro contábil (no exercício ou acumulado), conforme metodologia detalhada no contexto do Ofício nº 6/2021/CVM/SSE/SSE-Assessoria.

Segundo a área técnica, o BTG, na qualidade de administrador do Maxi Renda FII, vinha distribuindo aos cotistas, a título de rendimentos, valores calculados com base no regime de caixa, mesmo quando estes excediam os valores reconhecidos no lucro do exercício e/ou acumulados. Este excesso distribuído aumentaria a rubrica de prejuízos acumulados do Fundo de forma recorrente e, portanto, tais valores não poderiam ser classificados como rendimentos, mas sim como amortização do custo do capital investido pelos cotistas.

Em seu recurso, o BTG apresentou, entre outras, as seguintes alegações:

(i) a apuração dos resultados dos Fundos de Investimento Imobiliários ("FII") para fins contábeis (demonstrações financeiras) não teria a mesma finalidade e os mesmos efeitos que a apuração dos lucros de uma sociedade, tendo argumentado que o levantamento das demonstrações financeiras de um fundo de investimento se faz de acordo com plano contábil instituído pela entidade reguladora, que teria o propósito de padronizar os seus demonstrativos e prestar informações aos cotistas sobre o patrimônio detido pelos fundos, mas não haveria o objetivo de impedir a distribuição de resultados em detrimento do capital social (inexistente nos fundos de investimento);

(ii) quanto à distribuição de lucros pelo regime de caixa, o BTG argumentou que: (a) o art. 10, parágrafo único, da Lei nº 8.668/1993 exige que o lucro seja apurado em regime de caixa (“Resultado Financeiro” ou “Lucro Caixa”), para o que deverão ser consideradas as despesas e receitas que passaram pelo caixa durante certo intervalo, de forma a se atingir, ao final de tal período, seu efetivo resultado; e (b) de acordo com o mesmo dispositivo legal, seria mandatória a distribuição aos cotistas do valor mínimo de 95% desses lucros auferidos pelo Fundo, de modo que seu administrador não poderia se esquivar, sob risco de expor o Fundo a riscos de desenquadramentos de natureza fiscal. Dessa maneira, segundo o Recorrente, nos marcos temporais para que se determine o lucro passível de distribuição aos seus cotistas (30 de junho e 31 de dezembro de todos os anos), as receitas e as despesas que transitaram pelo caixa do Fundo devem ser confrontadas, a fim de se determinar o efetivo lucro do período, o “Lucro Caixa”. Portanto, no entender do Recorrente, os fundos garantem a distribuição somente de valores originados de efeito caixa positivo, preservando o aspecto de liquidez e atendendo à dinâmica do próprio FII;

(iii) o Ofício Circular/CVM/SIN/SNC/Nº 1/2014 estaria de acordo com seu entendimento, visto que através dele se constatou que o resultado contábil, apurado conforme o regime de competência adotado pelas normas brasileiras e internacionais de contabilidade, seria o ponto de partida para a apuração dos valores disponíveis para a distribuição. Acrescentou o Recorrente que, ao mencionar “resultado contábil” – que poderia ser positivo ou negativo –, o Ofício Circular/CVM/SIN/SNC/Nº 1/2014 teria o intuito de deixar claro o fato de o lucro contábil ser apenas um ponto de partida para apuração do “Lucro Caixa”; e

(iv) o extrato da Demonstração de Resultado e a análise do Fluxo de Caixa que integram as Demonstrações Financeiras com base em 31.12.2020 do Maxi Renda FII, apresentados no recurso, indicariam que as demonstrações financeiras auditadas estariam afetadas por ajustes a valor justo e marcações a mercado. Tais eventos, segundo o Recorrente, deveriam ser contemplados para viabilizarem as análises prospectivas e, assim, auxiliar na tomada de decisão dos investidores; contudo, não deveriam influenciar o resultado financeiro, este sim passível de distribuição. Ademais, o BTG afirmou que o Fundo que possui liquidez e gera excedente de caixa e resultados financeiros constantes, de modo que não haveria, em seu entendimento, qualquer justificativa para a não distribuição do Lucro Caixa, não havendo respaldo normativo para deixar de distribuir os resultados financeiros, como previsto no art. 10 da Lei n° 8.668/1993.

Em análise consubstanciada no Ofício Interno nº 4/2021/CVM/SSE/SSE-Assessoria, a SSE destacou, inicialmente, que o pedido de efeito suspensivo da decisão da área técnica foi concedido. Quanto ao mérito, manifestou-se pelo não provimento do recurso e a consequente manutenção da decisão proferida pela SSE no âmbito do Ofício nº 6/2021/CVM/SSE/SSE-Assessoria, no sentido de que o BTG, antes de efetuar qualquer distribuição de recursos aos cotistas do Fundo, deve verificar se o saldo referente ao lucro passível de distribuição, apurado nos termos descritos no parágrafo 67 do Ofício Interno nº 4/2021/CVM/SSE/SSE-Assessoria, é maior ou igual ao valor apurado com base na metodologia contida no Ofício Circular CVM/SIN/SNC nº 1/2014. Nesse sentido, mencionou manifestação da Superintendência de Normas Contábeis e de Auditoria – SNC sobre a matéria, que esclareceu que, na opinião da SNC e observados o Ofício Circular CVM SIN/SNC nº 1/14, "qualquer valor a ser distribuído pelo Administrador acima do lucro contábil acumulado, a bem da essência econômica da transação, deve ser representado como amortização de cotas (e não distribuição de lucros), devendo, contudo, tal procedimento (amortização de cotas) ser deliberado em assembleia geral de cotistas convocada para tal fim".

Acrescentou a SSE que, "[c]aso o saldo do Lucro Passível de Distribuição seja inferior àquele apurado pele regime de caixa, o valor a ser distribuído fica limitado ao saldo, ainda que a distribuição fique abaixo do mínimo de 95% estabelecido na Lei 8668, haja vista que não seria aplicável, à luz do disposto na própria Lei, que ocorra distribuição sem base em balanço ou balancete". E que "eventual alegação do [Recorrente] em atender o dispositivo legal sob o amparo de um potencial desenquadramento tributário, acaba por efetivamente expor os cotistas e o próprio administrador a um risco tributário real por possivelmente distribuir ganhos de capital sob a forma de rendimentos isentos".

Em 23.11.2021, o Colegiado deu início à discussão do assunto, tendo o Diretor Fernando Galdi solicitado vista do processo.

Em sua manifestação de voto, o Diretor apresentou entendimento distinto daquele refletido no Ofício nº 6/2021/CVM/SSE/SSE-Assessoria, que determinou que o Fundo deveria passar a distribuir os resultados aos cotistas somente quando houvesse lucro passível de distribuição. Na avaliação do Diretor Fernando Galdi:

(i) a análise do caso deveria considerar a inequívoca distinção entre a decisão de distribuição de resultados do Fundo e os aspectos contábeis relacionados ao reconhecimento dessa decisão, e conforme entendimento prévio do Colegiado (Reunião de 17.03.2015), a decisão de distribuição se consubstancia por vontade dos cotistas, onde há, inclusive, a "possibilidade de os cotistas deliberarem em assembleia, mediante aprovação da maioria das cotas presentes, o não recebimento da totalidade ou parcela dos rendimentos automaticamente declarados nos termos do art. 10, parágrafo único, da Lei 8.668/93 e calculados com base no Ofício-Circular"; e

(ii) ao requerer que a distribuição de resultados do Fundo seja limitada ao lucro passível de distribuição, conceito emanado no Ofício nº 6/2021/CVM/SSE/SSE-Assessoria, mas que não estaria presente na legislação aplicável nem no Regulamento do Fundo e que seria potencialmente conflitante com os critérios legais e regulamentares aplicáveis ao caso, a área técnica avançaria indevidamente em aspectos regimentais e jurídicos consolidados nessa indústria.

O Diretor Fernando Galdi destacou, ainda, que o comando legal do parágrafo único, art. 10, da Lei n° 8.668/1993 emprega terminologia imprecisa, com potencial de gerar tratamentos significativamente distintos quando se refere aos "lucros auferidos, apurados segundo o regime de caixa, com base em balanço ou balancete semestral". Tal imprecisão acarretou a necessidade de esclarecimentos adicionais por parte da CVM no Ofício Circular/CVM/SIN/SNC/nº 1/2014, consubstanciado no MEMO/CVM/SIN/SNC/Nº 1/2015 e no PARECER/Nº381/2015/PFE-CVM/PGF/AGU, para divulgação de orientação aos administradores de FII sobre a forma de cálculo dos "lucros auferidos, apurados segundo o regime de caixa, com base em balanço ou balancete semestral", para fins de cálculo do valor a distribuir. Na essência, foi aplicado o conceito do "lucro líquido do exercício que tiver sido realizado", já utilizado pela Lei n° 6.404/1976.

Ademais, apontou que "o reconhecimento contábil da distribuição dos resultados dos FII deve ser refletido nas demonstrações financeiras de acordo com os requisitos da ICVM 516/11 combinados, apenas naquilo que for pertinente, com as normas contábeis emitidas pela CVM aplicáveis às companhias abertas". Nesse contexto, o Diretor Fernando Galdi ressalvou que o item 10 do Parecer Técnico nº 13/2021- CVM/SNC/GNC comentou de maneira acertada que " (...) qualquer valor distribuído acima do valor apurado pelo lucro contábil acumulado (...) deve ser apresentado como amortização de cotas (...)". Assim, de acordo com o Diretor, "caso a distribuição dos resultados seja superior à soma do lucro líquido do exercício com o montante de lucros acumulados (e/ou reserva de lucros) do exercício anterior, há uma transação de restituição ou devolução de capital entre o Fundo e os cotistas, com a transferência de recursos do patrimônio líquido da entidade para os detentores das cotas do FII".

Ante o exposto, o Diretor Fernando Galdi propôs o conhecimento e provimento parcial do recurso, manifestando-se no sentido de que:

(i) caso o valor a ser distribuído pelo FII, calculado de acordo com o parágrafo único, art. 10, da Lei n° 8.668/1993 e Ofício Circular/CVM/SIN/SNC/Nº 1/2014, combinados com as determinações do Regulamento, seja superior ao montante do lucro do exercício adicionado ao dos lucros acumulados (e/ou reserva de lucros) do exercício anterior, o montante distribuído em excesso à soma do lucro do exercício adicionado dos lucros acumulados (e/ou reserva de lucros) do exercício anterior deve ser tratado contabilmente como amortização de cotas ou devolução do capital; e

(ii) há a possibilidade, em linha com o entendimento do Colegiado de 17.03.2015, de, no caso em que o valor a ser distribuído pelo FII seja superior ao montante do lucro do exercício adicionado dos lucros acumulados (e/ou reserva de lucros) do exercício anterior, a assembleia deliberar pela distribuição inferior ao montante calculado de acordo com o parágrafo único, art. 10, da Lei n° 8.668/1993 e Ofício Circular/CVM/SIN/SNC/Nº 1/2014, combinados com as determinações do Regulamento.

O Diretor Alexandre Rangel, discordando do Diretor Fernando Galdi, votou pelo provimento integral do recurso.

Nos termos da manifestação de voto apresentada, Rangel entendeu que:

(i) o Fundo demonstrou que seguiu determinação expressa da Lei n° 8.668/1993, diploma que não apresenta qualquer ressalva condicionando a distribuição obrigatória do lucro caixa ao resultado positivo de qualquer outro exercício ou regime contábil. O voto que propõe o provimento parcial do Recurso apresenta contradição, no caso concreto, com a própria possibilidade de que a distribuição de rendimentos pelo Fundo tenha continuidade, uma vez que o Fundo não possui saldo de lucros acumulados. Ademais, considerando que tais recursos somente são distribuídos por conta de imposição legal que obriga a distribuição de lucro, não pode o tratamento regulatório, contábil ou oriundo de deliberação de cotistas, no plano infralegal, promover uma redefinição jurídica dos referidos valores de lucro para amortização de cotas, eventos que possuem naturezas jurídicas, justificativas e consequências distintas;

(ii) o procedimento adotado pelo Recorrente no âmbito do Fundo observa, ipsis litteris, a orientação e o entendimento divulgados pelas áreas técnicas da CVM por meio do Ofício-Circular SIN/SNC n° 01/2014, como confirmado pelos auditores independentes que analisaram o tema como um dos principais pontos de auditoria; e

(iii) ainda, a sinalização pelo regulador do mercado de valores mobiliários de que rendimentos já distribuídos por fundos de investimento imobiliário, na verdade, somente poderiam ter sido distribuídos sob outra rubrica – confrontando o texto legal, o Ofício-Circular SIN/SNC n° 01/2014 e a prática seguida por boa parte da indústria – gera insegurança jurídica, externalidades negativas e assimetrias regulatórias, com possíveis implicações sistêmicas.

Por maioria, vencido o Diretor Alexandre Rangel, o Colegiado deliberou pelo provimento parcial do recurso, acompanhando o voto do Diretor Fernando Galdi.

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