Decisão do colegiado de 27/03/2018
Participantes
• MARCELO BARBOSA - PRESIDENTE
• GUSTAVO MACHADO GONZALEZ - DIRETOR
• GUSTAVO RABELO TAVARES BORBA - DIRETOR
• HENRIQUE BALDUINO MACHADO MOREIRA - DIRETOR
• PABLO WALDEMAR RENTERIA - DIRETOR
CONSULTA SOBRE PRAZO PRESCRICIONAL DO DEPÓSITO DA QUANTIA RELATIVA AO RESGATE DE AÇÕES APÓS O CANCELAMENTO DE REGISTRO DE COMPANHIA ABERTA – BUNGE FERTILIZANTES S.A. – PROC. RJ2014/9881
Reg. nº 0886/18Relator: PTE
Trata-se de consulta (“Consulta”) formulada por Bunge Fertilizantes S.A. (“Consulente” ou “Companhia”), sucessora por incorporação de Bunge Brasil S.A., visando esclarecimentos sobre o prazo prescricional do depósito do valor de resgate de ações remanescentes da oferta pública de aquisição de ações para cancelamento de registro da Companhia (“Depósito” e “OPA”) realizada em 26 de agosto de 2004, cujo leilão ocorreu em 27 de setembro de 2004, conforme deliberado na assembleia geral da Companhia, nos termos do art. 4º, §§ 4º e 5º da Lei nº 6.404/1976 (“Lei 6.404”).
Em sua Consulta, a Companhia relatou que, com base na decisão do Colegiado de 31.10.2006, referente ao Processo CVM RJ2002/6503 (“Precedente”), optou por realizar depósito em conta de sua titularidade do valor integral de resgate das ações remanescentes da OPA, para que ficassem à disposição dos acionistas resgatados. Essa opção teria sido feita em função da impossibilidade de identificação ou localização de tais acionistas não aderentes à OPA.
Segundo a Companhia, a manutenção de tal conta geraria “despesas rotineiras”. Nesse contexto, a Consulente submeteu questionamentos a respeito de eventual incidência de prescrição, bem como qual seria tal prazo, em relação a sua obrigação frente aos acionistas que tiveram suas ações resgatadas.
Inicialmente, a Superintendência de Registro de Valores Mobiliários – SRE ressaltou que tanto a Lei das S.A. quanto a Instrução CVM nº 361/2002 seriam silentes sobre o prazo de prescrição do depósito ora em análise, e que o Precedente seria “a base fundamental” para se responder à Consulta. Assim, concluiu essencialmente que: (i) “a regra de prescrição para o caso em tela é aquela prevista no disposto no art. 205 do Código Civil”; e (ii) “[c]om base no art. 189 do Código Civil [...] uma vez prescrito o prazo para exercício do direito por parte dos acionistas que tiveram suas ações resgatadas, cessa qualquer obrigação por parte da companhia junto a tais ex-acionistas, no que diz respeito ao referido direito”. Na sequência, a área técnica solicitou manifestação da Procuradoria Federal Especializada junto à CVM - PFE sobre o assunto, em função de, naquele momento, ainda não ter formado convicção a respeito de todos os questionamentos constantes da Consulta.
A PFE manifestou-se nos termos do Parecer nº 395/2015/GJU-2/PFE-CVM/PGF/AGU, em que emitiu as seguintes conclusões: “1. Não há incidência da prescrição dos valores depositados à conta de acionistas titulares de ações resgatadas nos termos da Lei das Sociedades por Ações, n.º 6.404, de 1976, art. 4.º, § 5.º (Código Civil, lei n.º 10.406, de 10.1.2002, art. 633); 2. Mediante o depósito do valor integral de resgate, a companhia libera-se, não por prescrição, mas pelo pagamento, que extingue a dívida; 3. Em nenhuma hipótese poderá a companhia repetir os valores pagos, nem tais valores poderão ser apropriados pelo estabelecimento bancário (Lei dos Prazos dos Contratos de Depósito, n.º 2.313, de 3.9.1954, arts. 1.º, combinado com art. 2.º); 4. Os valores deverão permanecer à disposição dos antigos acionistas pelo prazo de vinte e cinco anos, contados da data do depósito, até serem levantados pelo Tesouro Nacional (Lei dos Prazos dos Contratos de Depósito, n.º 2.313, de 3.9.1954, arts. 1.º, combinado com art. 2.º)”.
Na sequência, a SRE firmou seu entendimento final sobre a consulta através do Memorando nº 69/2017-CVM/SRE/GER-1, no qual concluiu, resumidamente, que:
(i) “(...) com base na decisão do Colegiado da CVM no âmbito do Processo CVM RJ-2002-6503, (...) a regra de prescrição para o caso em tela é aquela prevista no disposto no art. 205 do Código Civil (...)”;
(ii) “O prazo para a prescrição não poderia iniciar-se quando da realização do leilão, pois o resgate das ações é um procedimento decidido posteriormente ao resultado da OPA, e depende, para ter efetividade, do depósito ‘em estabelecimento bancário autorizado pela Comissão de Valores Mobiliários, à disposição dos seus titulares, do valor de resgate’, nos termos do § 5º do art. 4º da LSA. Nesse sentido, entendemos que o prazo prescricional se inicia quando do cumprimento da obrigação supramencionada, qual seja, a realização do referido depósito, nos termos do § 5º do art. 4º da LSA”;
(iii) “Com base no art. 189 do Código Civil [...], entendemos que, uma vez prescrito o prazo para exercício do direito por parte dos acionistas que tiveram suas ações resgatadas, não resta aos mesmos qualquer pretensão quanto a esse direito e a regulamentação em vigor não prevê qualquer outra obrigação da companhia frente aos acionistas que tiveram suas ações resgatadas”; e
(iv) “Entendemos que a Companhia não teria direito a levantar o referido valor, uma vez que trata-se de recursos depositados em cumprimento de regra legal, em troca de valores mobiliários de titularidade de terceiros que foram resgatados. Dessa forma, entendemos que o prazo prescricional de 10 anos se aplica à obrigação da companhia para com os acionistas titulares de ações por ela resgatadas no que se refere à manutenção da conta (de sua titularidade) onde os recursos decorrentes do resgate em questão foram por ela depositados, não cabendo falar em prescrição no que se refere ao direito dos referidos acionistas quanto aos valores depositados em função do resgate em tela, ainda que tais valores passem a ser residuais, uma vez que venham a ser deduzidos dos custos de manutenção de conta aberta pela companhia após a decorrência do prazo prescricional de 10 anos”.
Em razão da divergência de posicionamento entre a SRE e a PFE, a consulta foi remetida ao Colegiado. O Presidente da Autarquia, Marcelo Barbosa, foi sorteado Relator do processo.
Em seu voto, preliminarmente, o Relator fez breve exposição dos principais aspectos do resgate previsto no art. 4º, § 5º, da Lei 6.404/76, regulamentado pela Instrução 361/02. Na sequência, destacou sua visão de que, após o resgate das ações e do respectivo Depósito, aqueles que eram acionistas da Companhia deixariam de sê-lo, extinguindo-se o vínculo societário até então existente, e passando a existir uma relação de natureza obrigacional entre tais partes, regida pelo Código Civil. Nesse sentido, o Presidente entendeu, consoante o Precedente e o entendimento da SRE, que os ex-acionistas tornam-se credores da Companhia a partir do resgate, permanecendo nessa condição até o levantamento dos valores depositados.
Para o Presidente, a relação jurídica que nasce com o depósito envolve três participantes: a Companhia (depositante), a instituição financeira (depositária) e os ex-acionistas (terceiros beneficiários, que apesar de não serem partes no contrato, têm direitos garantidos legalmente). Nessa linha, o Relator entendeu pela inaplicabilidade da Lei dos Prazos dos Contratos de Depósito ao depósito em questão, tendo em vista que a referida lei abrangeria apenas os contratos de depósito “regulares e voluntários”, e que os prazos ali tratados não diriam respeito ao prazo prescricional em exame.
O Relator se alinhou ao entendimento firmado no Precedente quanto à incidência do prazo prescricional de 10 anos, regra geral prevista no art. 205 do Código Civil. O Presidente ressaltou que a Companhia teria a obrigação acessória de manter o valor do resgate depositado, à disposição de seus credores, até o término de tal prazo prescricional. Uma vez prescrita a dívida (e assim extinta a pretensão dos credores da Companhia), cessaria a exigibilidade da Companhia efetuar o pagamento, bem como o dever acessório de manter o Depósito. Assim, a Companhia poderia dispor livremente da quantia depositada, inclusive levantar os valores constantes da conta.
Por fim, quanto ao início da contagem do prazo prescricional, o Relator acompanhou a manifestação da SRE no sentido de que a referida contagem começaria a correr a partir da realização do Depósito, tendo em vista que é nesse momento que a pretensão dos ex-acionistas de levantar o valor de resgate de suas ações já poderia ser exercida.
O Colegiado, por unanimidade, acompanhou integralmente o voto do Presidente Marcelo Barbosa.
- Anexos
- Consulte a Ata da Reunião em que esta decisão foi proferida: