Participantes
• MARCELO BARBOSA – PRESIDENTE
• CARLOS ALBERTO REBELLO SOBRINHO – DIRETOR
• GUSTAVO MACHADO GONZALEZ – DIRETOR
• HENRIQUE BALDUINO MACHADO MOREIRA – DIRETOR
• PABLO WALDEMAR RENTERIA – DIRETOR
RECURSO CONTRA DECISÃO DA SEP - APLICABILIDADE IMEDIATA DA LEI Nº 13.303/16 NO QUE SE REFERE A ELEIÇÃO DE ADMINISTRADORES DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA - ESTADO DE SANTA CATARINA E OUTRO – PROC. SEI 19957.003858/2017-10
Reg. nº 0820/17
Relator: DHM
Trata-se de recurso interposto pelo Estado de Santa Catarina (“Recorrente”) contra o Ofício de Alerta nº 10/2017/CVM/SEP/GEA-3 (“Ofício de Alerta”), por meio do qual a Superintendência de Relações com Empresas - SEP alertou o Recorrente sobre seu entendimento quanto à irregularidade na eleição de membros do conselho de administração da Centrais Elétricas de Santa Catarina S.A. (“CELESC” ou “Companhia”) na assembleia geral ordinária e extraordinária ocorrida em 28.04.17 (“AGOE”).
De acordo com o Relatório nº 73/2017-CVM/SEP/GEA-3, que fundamentou o Ofício de Alerta, a SEP concluiu que o Estado de Santa Catarina, acionista controlador da CELESC, teria violado o art. 17, §2º, II, da Lei nº 13.303/16 (“Lei das Estatais”) ao eleger na AGOE pessoa participante de estrutura decisória de partido político, que, por sua vez, seria subsidiariamente responsável por tal violação, uma vez que não declarou oportunamente seu impedimento e tomou posse sabendo da sua condição.
Em manifestação prévia, o Recorrente discordou das conclusões da área técnica, alegando, em síntese, que as vedações previstas pelo art. 17 da Lei nº 13.303/16 ainda não seriam aplicáveis à recondução de atuais conselheiros de administração de estatais controladas pelo Estado de Santa Catarina, de acordo com os decretos estaduais nºs 1.007/16 e 1.025/17, que regulamentariam a citada lei federal no âmbito estadual.
Em sede de recurso, o Recorrente elencou os seguintes argumentos: (i) a CVM não teria competência para fiscalizar a aplicação da Lei das Estatais, pois o seu art. 85 prevê que “os órgãos de controle externo e interno das 3 (três) esferas de governo fiscalizarão as empresas públicas e as sociedades de economia mista a elas relacionadas”; (ii) considerando que a CELESC fora constituída antes da vigência da Lei das Estatais, esta se enquadraria na regra de transição de 24 meses constante do art. 91 do referido diploma legal; (iii) autarquias federais não podem veicular orientações contrárias a regras previstas em decretos estaduais, pois a Constituição Federal garante autonomia e poder de auto-organização aos Estados-Membros; (iv) ainda que se pudesse aventar eventual ilegalidade dos decretos estaduais, tal discussão não seria possível em sede administrativa, aplicando-se, pelo princípio da simetria constitucional, o art. 49, caput e inciso V, da Constituição Federal; e (v) de acordo com o art. 30 do Decreto Federal nº 8.945/16, a vedação para administradores contida na Lei das Estatais entraria em vigor apenas em 28.12.16.
Em relação ao mérito do recurso, a Gerência de Acompanhamento de Empresas 3 - GEA-3, divisão interna da SEP, concluiu que: (i) a CVM possui competência para fiscalizar o cumprimento do art. 17 da Lei das Estatais, e o citado art. 85 versa meramente sobre regras de celebração de contratos pela companhia, tendo em vista sua localização em capítulo próprio; (ii) não há prazo de adaptação para o art. 17 da Lei das Estatais, assim como há precedente tanto da CVM quanto do judiciário no sentido da aplicação imediata do referido artigo; (iii) o Decreto Federal nº 8.945/16 regulamenta a Lei das Estatais somente no âmbito federal e, portanto, suas regras não se aplicam à CELESC, sociedade de economia estadual. Ademais, o art. 66 do referido decreto define que os administradores empossados até a véspera de 01.07.16 poderão permanecer em seus cargos, a denotar que o art. 17 é aplicável desde a referida data; (iv) a antinomia jurídica no presente caso é irreconciliável, pois as normas em questão definem comandos que se contradizem, visto que aplicar o disposto no Decreto Estadual nº 1.025/16 resultaria em violação à Lei 13.303/16. Diante disso, a CVM deveria atentar à hierarquia normativa e priorizar o cumprimento da lei em face do ato normativo estadual, o que não implicaria revogação ou anulação; (v) os tribunais superiores, assim como o STF, têm reconhecido a possibilidade de o Poder Executivo afastar a aplicação de lei que fundadamente considere inconstitucional, sem intervenção do Judiciário; assim, de forma análoga, a CVM poderia deixar de aplicar regulamento estadual para evitar que norma hierarquicamente superior fosse violada; e (vi) a fiscalização das sociedades de economia mista estaduais por parte da CVM não compromete o pacto federativo porque, ao abrirem seu capital, tais companhias se sujeitam ao poder de polícia da CVM, conforme o disposto nos arts. 4º e 8º, V, da Lei nº 6.385/76 e o art. 235 da Lei nº 6.404/76.
A SEP, por meio do Memorando nº 143/2017-CVM/SEP/GEA-3, acompanhou a análise da GEA-3, tenho divergido apenas quanto à possibilidade de a CVM afastar ato normativo que entende ilegal. Assim, submeteu o assunto ao Colegiado, destacando preliminarmente que o recurso não deveria ser conhecido, tendo em vista (i) a separação entre as instâncias acusadora e julgadora da CVM e (ii) a importância da efetividade do ofício de alerta como instrumento de atuação preventiva da CVM. Nada obstante, propôs que o recurso fosse recebido como consulta, no intuito de que o posicionamento do Colegiado, no âmbito da controversa questão envolvendo antinomia jurídica, pudesse contribuir para o melhor funcionamento do mercado.
Em seu voto, o Diretor Relator Henrique Machado destacou, inicialmente, que o recurso pretende que o Colegiado discuta nesta sede a caracterização ou não de infrações à legislação passíveis de apuração mediante processo administrativo sancionador. Nesse sentido, em linha com entendimento pacífico do Colegiado, considerando a governança estabelecida na CVM para o exercício das atividades de fiscalização e apuração de responsabilidades no âmbito do mercado de capitais, o Relator entendeu que o recurso não deveria ser conhecido. Contudo, tendo em vista a solicitação da área técnica, e considerando a relevância da matéria e a ausência de manifestação do Colegiado sobre o assunto, Henrique Machado votou pelo recebimento do recurso como consulta e manifestou seu entendimento sobre a questão.
A esse respeito, o Relator fez referência ao seu voto no âmbito do Processo 19957.008923/2016-12, no sentido de que a CVM não é a destinatária precípua da Lei nº 13.303/16. Na visão do Diretor, “ao disciplinar o art. 173, da Constituição Federal, o legislador infraconstitucional estabeleceu requisitos para que a exploração direta da atividade econômica pelo Estado seja realizada no padrão de eficiência e de moralidade que se espera em todas as manifestações e participações do poder público. (...) Nesse sentido, o novel diploma normativo é um comando restritivo direto a União, Estados e Municípios, assim como às suas empresas estatais.”
Por outro lado, o Diretor ressaltou que: “ao mesmo tempo, como requisito para a exploração da atividade econômica, é natural que os comandos da Lei das Estatais tangenciem a esfera de atuação das entidades responsáveis pela regulação e supervisão dos mercados correspondentes. Nesses termos e ainda que de forma indireta, tenho como inevitável que a CVM tenha que observar o conteúdo da citada Lei ao desincumbir-se de seu mister legal, nos termos da Lei n° 6.385/76.”
O Relator destacou, ainda, que a Lei das Estatais é “lei de caráter nacional, diferenciando-se das leis federais na medida em que estas têm aplicação restrita ao âmbito federal, enquanto aquelas atingem a todos os entes federados: União, Estados, Distrito Federal e Municípios”. Assim, no seu entendimento, “revela-se inconstitucional ato normativo estadual que disponha contrariamente às normas editadas pela União no exercício adequado de sua competência legislativa constitucional privativa”.
Não obstante, o Relator entendeu que “a consulta em exame não perquire a constitucionalidade em tese de ato legislativo. Trata-se aqui de definir qual deve ser a postura da área técnica no exercício de seu dever legal de fiscalizar o cumprimento do art. 147, § 1º da LSA, diante da demonstrada contradição entre a Lei da Estatais e o decreto estadual quanto aos requisitos para o exercício de cargos de administração.” Nesse contexto, Henrique Machado destacou que seria “inevitável que esta comissão realize um juízo, ainda que sumário, de validade das normas em conflito”, e concluiu “pela aplicabilidade da Lei das Estatais na presente hipótese de conflito”. Ademais, segundo o Relator, “facultar ao acionista controlador editar decreto local que afaste a proteção contida em lei nacional contraria não só a letra expressa da lei e da Constituição, mas também a finalidade das normas que regem o mercado de capitais.”
Por fim, Henrique Machado concluiu que a CVM é obrigada por lei não apenas a cumprir e fazer cumprir a Lei das Sociedades por Ações e a Lei das Estatais, mas também a apurar, mediante processo administrativo, atos ilegais de administradores e acionistas e aplicar aos autores de infrações – pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado – as penalidades previstas no artigo 11 da Lei nº 6.385/76, além de oficiar ao Ministério Público, para a propositura da ação penal, quando concluir pela ocorrência de crime de ação pública.
Pelo exposto, o Relator votou pelo não conhecimento do recurso, mas o acolheu na forma de consulta, manifestando-se sobre o seu mérito.
O Diretor Pablo Renteria acompanhou o voto do Diretor Relator, tendo ressaltado, com relação à preliminar de mérito, que há boas razões para justificar o conhecimento de recursos como o em apreço, tendo em vista o legítimo interesse do administrado em reverter decisão da área técnica, que, ao expedir ofício de alerta, imputou-lhe a prática de ato ilícito. O Diretor Pablo Renteria adicionalmente afirmou que, em casos como o presente, o recurso poderia ser conhecido sem que disso decorresse a formulação de qualquer juízo acusatório por parte do Colegiado. Nada obstante, o Diretor ponderou que a sede mais adequada para fixar o entendimento do Colegiado a respeito do cabimento desse tipo de recurso seria por ocasião da reforma da regulamentação sobre os processos administrativos sancionadores, que já passou por audiência pública, encontrando-se atualmente em análise por esta Autarquia.
O Diretor Gustavo Gonzalez divergiu quanto ao conhecimento do recurso. Para Gonzalez, a Deliberação CVM 542/08 confere às Superintendências poder de emitir ofícios de alerta quando constatam a “ocorrência de irregularidade praticada no âmbito do mercado de valores mobiliários”. Assim sendo, não pode o Colegiado se furtar de apreciar recursos interpostos por participantes do mercado que divirjam do entendimento da área técnica e busquem, por meio de recurso, confirmar que não praticaram nenhuma irregularidade. Caso contrário, estar-se-ia diante de uma situação em que a área poderia decidir pela irregularidade de determinado ato sem possibilidade de recurso. Para o Diretor Gustavo Gonzalez, trata-se de hipótese distinta daquela que se verifica nos casos que buscam reformar a decisão da área técnica de, ao constatar determinada irregularidade, emitir ofício de alerta ao invés de instaurar processo sancionador, quando a atuação do Colegiado deve se restringir à avaliação da regularidade ou não dos atos analisados pela área técnica em linha com a decisão do PROC. RJ2010/16884, j. em 17.12.2013.
Por tal motivo, Diretor Gustavo Gonzalez votou pelo conhecimento do recurso e, no mérito, pelo seu não provimento, valendo-se para tanto das razões trazidas pelo Diretor Relator em seu voto em sua proposta de resposta à consulta. O Diretor Carlos Rebello e o Presidente Marcelo Barbosa acompanharam o voto do Diretor Gustavo Gonzalez.
O Colegiado, por maioria, deliberou pelo conhecimento do recurso apresentado e, acompanhando as razões expostas pelo Relator, deliberou pelo não provimento.
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Anexos
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Consulte a Ata da Reunião em que esta decisão foi proferida: