Decisão do colegiado de 26/02/2019
Participantes
· MARCELO BARBOSA – PRESIDENTE
· CARLOS ALBERTO REBELLO SOBRINHO – DIRETOR
· GUSTAVO MACHADO GONZALEZ – DIRETOR
· HENRIQUE BALDUINO MACHADO MOREIRA – DIRETOR
RECURSO EM PROCESSO DE MECANISMO DE RESSARCIMENTO DE PREJUÍZOS – FÁBIO MAHSEREDJIAN / SANTANDER CCVM S.A. - PROC. SEI 19957.002872/2017-98
Reg. nº 1139/18Relator: SMI/GME (Pedido de vista DHM)
Trata-se de recurso interposto por Fábio Mahseredjian (“Recorrente”) contra decisão da BM&FBOVESPA Supervisão de Mercados (“BSM”) que indeferiu seu pedido de ressarcimento no âmbito do Mecanismo de Ressarcimento de Prejuízos (“MRP”), movido em face de Santander CCVM S.A. (“Reclamada” ou “Corretora”).
Em sua reclamação, o Recorrente relatou que, em 2013, abriu conta no Banco Santander S.A. (“Banco Santander”) e na Reclamada por sugestão de Rodrigo Silva e Santos e Janir Silva e Santos, com proposta de investimento no mercado financeiro. Segundo o Recorrente, no mesmo ano, foi informado de que um novo sócio se juntaria aos anteriores, o Sr. Janir Aloisio dos Santos, criando a 3S Consultoria em Investimentos Ltda. (“3S”), que se encarregaria dos seus negócios. Nesse contexto, destacou que, entre 2013 e 2015 teria sido orientado a investir R$ 3.483.000,00 (três milhões, quatrocentos e oitenta e três mil reais) em doze CBDs DI no Banco Santander, que seriam utilizados como garantia para suas operações em bolsa, tendo alegado, ainda, que não recebia extrato de conta corrente da Corretora, Aviso de Negociação de Ativos ‒ ANA, notas de corretagem e não tinha acesso eletrônico à sua conta na Reclamada.
Nos termos da reclamação, no final de 2015, a 3S teria enviado e-mail a um grupo de investidores, cientificando que, por erro, havia sido retirado valor significativo das respectivas contas bancárias, tendo o Recorrente confirmado posteriormente a restituição em sua conta corrente. Da mesma forma, o Recorrente destacou que, em janeiro de 2016, recebeu novo contato da 3S informando que seus investimentos estariam absolutamente comprometidos, razão pela qual teria decidido encerrar sua conta, o que somente teria sido viabilizado após a venda de dez CDBs utilizados como margem e o encerramento das suas operações de rolagem de opções. Diante do exposto, requereu o ressarcimento de R$ 2.005.874,37 (dois milhões, cinco mil oitocentos e setenta e quatro reais e trinta e sete centavos) correspondente ao débito constante da última nota de corretagem, recebida em 11.02.16.
Em sua defesa, a Reclamada destacou que nunca teve qualquer tipo de relação de emprego, representação ou parceria comercial com a 3S ou qualquer de seus sócios. Alegou que o próprio Recorrente teria reconhecido que havia uma relação entre ele e a 3S, na qualidade de sua gestora de investimentos, tendo, inclusive, indicado em sua ficha cadastral o Sr. Rodrigo Silva e Santos para ser seu representante ou pessoa autorizada a emitir ordens em seu nome. Ademais, afirmou que o próprio Recorrente tinha total conhecimento das operações realizadas em seu nome, já que recebia mensalmente extratos bancários em que constavam suas operações em bolsa e as notas de corretagem. Por fim, ressaltou que foram realizados diversos acessos ao homebroker do Recorrente entre 2013 e 2016 e apresentou gravações telefônicas entre a 3S e a Corretora e entre a Corretora e o Recorrente. Dentre elas, destaca-se o contato realizado em 29.09.14, ocasião em que a Reclamada informou ao Recorrente que as operações realizadas em seu nome não se enquadravam no seu perfil de investidor.
A Superintendência Jurídica da BSM ‒ SJUR, com base no Relatório de Auditoria, observou que o resultado líquido das operações do Recorrente, no período considerado pelo MRP, corresponderia ao prejuízo de R$ 1.110.859,26 (um milhão, cento e dez mil, oitocentos e cinquenta e nove reais e vinte e seis centavos), decorrentes da intermediação de valores mobiliários por parte da Reclamada, sem ordem prévia, uma vez que não foram apresentadas as gravações telefônicas das referidas ordens. Nesse sentido, a SJUR opinou pela procedência parcial da reclamação, sendo o ressarcimento limitado pelo teto de R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais), conforme disposto no art. 3º do Regulamento do MRP. Por seu turno, o Diretor de Autorregulação - DAR, acompanhou a manifestação da SJUR.
À vista disso, a Reclamada interpôs recurso ao Conselho de Supervisão da BSM. O Conselheiro-Relator, acompanhado pelos demais Conselheiros, concluiu pelo provimento do recurso e reforma da decisão do DAR. Segundo o Relator, no caso em análise, a presunção de inexistência de ordens prévias às operações questionadas seria afastada diante das evidências de que as referidas operações teriam sido realizadas mediante prévio consentimento do Recorrente, que teria firmado contrato com a 3S para a administração dos recursos mantidos em sua conta corrente junto à Reclamada. Para reforçar essa tese, o Conselheiro-Relator citou a movimentação em conta corrente bancária de valores relevantes decorrentes de operações em bolsa, bem como gravação telefônica apresentada pela Corretora.
A Superintendência de Relações com o Mercado e Intermediários – SMI, em manifestação consubstanciada no Memorando nº 116/2018-CVM/SMI/GME, identificou que a controvérsia residiria na verificação da ocorrência de autorização para as ordens, a despeito de não existirem gravações nesse sentido. No mérito, a área técnica concordou com o Pleno do Conselho de Supervisão da BSM, uma vez que as evidências indicariam que a 3S realizava a administração dos recursos do Recorrente de maneira consensual. Dentre tais indícios, a SMI destacou: (i) o relacionamento longo, de quase quatro anos, entre Recorrente e Reclamada; (ii) a emissão de mais de setenta notas de corretagem no período; (iii) a existência de registro especificado das operações no extrato bancário do Recorrente, visto que a corretora era vinculada a banco comercial; (iv) a existência de gravação, fornecida pela Reclamada, em que o Recorrente expressa sua concordância em relação às operações com opções; (v) o pagamento mensal do Recorrente pelos serviços prestados pela 3S, mediante depósito bancário; e (vi) o acesso de sessenta e uma vezes à conta do Recorrente, na plataforma homebroker, por meio de login e senha.
Face ao exposto, a área técnica sugeriu o não provimento do recurso, por entender que não teria sido configurada ação ou omissão da Reclamada passível de ressarcimento nos termos do art. 77 da Instrução CVM n° 461/07. Iniciada a discussão pelo Colegiado, em reunião ocorrida em 25.09.18, o Diretor Henrique Machado solicitou vista do processo.
Ao examinar o caso, o Diretor Henrique Machado, apesar de concordar com as conclusões da SMI, apresentou voto para registrar suas considerações sobre o tema. Segundo o Diretor, é pressuposto do bom funcionamento do mercado de bolsa que toda operação seja precedida de ordem prévia, por meio da qual o cliente manifesta ao intermediário sua vontade inequívoca de negociar determinado ativo em seu nome, nas condições que especificar. Para tanto, fez referência aos arts. 12 e 14 da Instrução CVM n° 505/11, que dispõem sobre a necessidade de o intermediário registrar as ordens transmitidas pelos clientes, inclusive por intermédio de prepostos.
Na mesma linha, o Diretor ressaltou a importância do registro prévio das ordens para a proteção dos investidores e manutenção da integridade do mercado. Na sua visão, não se trata de mera burocracia ou custo de observância infundado, mas representa importante instrumento de inibição de infrações graves, sendo também fundamental para a instrumentalização do pedido de reparação de danos pelos investidores.
Indo adiante, Henrique Machado afirmou que o procedimento destinado ao controle de atividades dos intermediários e seus prepostos, consolidado pela Instrução CVM n° 505/11, estabelece entre os participantes do mercado a válida expectativa de que o intermediário manterá registros das ordens realizadas por ele e por seus prepostos. Assim, não só pela própria natureza da relação jurídica entre as partes, mas também pela expressa disposição regulamentar, caberia aos intermediários o ônus da produção da prova nas reclamações ao MRP fundadas no art. 77, inc. I, da Instrução CVM n° 461/07, ou seja, na hipótese de inexecução ou infiel execução de ordens.
Isto posto, o Diretor ressaltou que, no âmbito do MRP, a não apresentação dos registros ou gravações de ordens atrairia a presunção relativa de que as operações não foram autorizadas pelo investidor ou seu preposto, cabendo, portanto, o ressarcimento. Não obstante, registrou que tal entendimento não impede que o intermediário apresente subsídios com o intuito de afastar tal presunção - tais como outras gravações telefônicas, documentos e testemunhos - como ocorreu no caso em análise.
Por fim, fez referência ao voto do relator do processo no Pleno do Conselho de Supervisão da BSM, no sentido de que o simples conhecimento das operações em nome do Recorrente não seria, por si só, fundamento para afastar a responsabilidade da Reclamada. Acrescentou, na mesma direção, outras circunstâncias que, no seu entendimento, tampouco descaracterizam a presunção relativa em casos dessa natureza, como por exemplo o tempo de relação comercial do cliente com o intermediário, o número de notas de corretagem emitidas e ainda o prazo utilizado para apresentação do pedido de ressarcimento pelo MRP.
Em relação ao caso concreto, embora ausentes os registros das ordens, o Diretor concluiu que a Reclamada demonstrou a ciência e a anuência do Recorrente, razão pela qual acompanhou as conclusões da SMI e opinou pelo indeferimento do pedido.
O Colegiado, por unanimidade, acompanhando a manifestação da área técnica, decidiu pelo não provimento do recurso.
- Anexos
- Consulte a Ata da Reunião em que esta decisão foi proferida: