CVM agora é GOV.BR/CVM

 
Você está aqui:

Decisão do colegiado de 22/04/2019

Participantes

· MARCELO BARBOSA – PRESIDENTE
· CARLOS ALBERTO REBELLO SOBRINHO – DIRETOR
· HENRIQUE BALDUINO MACHADO MOREIRA – DIRETOR*
· GUSTAVO MACHADO GONZALEZ – DIRETOR**
· FLÁVIA MARTINS SANT’ANNA PERLINGEIRO – DIRETORA

* Por estar em Brasília, participou por videoconferência.
** Por estar em São Paulo, participou por videoconferência.

CONSULTA AO COLEGIADO SOBRE A CARACTERIZAÇÃO DE CONTRATOS DE VENDA DE FRAÇÕES DE TEMPO EM EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO ESTRUTURADO SOB O MODELO DE MULTIPROPRIEDADE (TIME SHARING) COMO CONTRATOS DE INVESTIMENTO COLETIVO, SE ALIADOS A POOL DE LOCAÇÃO VOLUNTÁRIO E OFERTADOS PUBLICAMENTE – PROC. SEI 19957.009524/2017-41

Reg. nº 0832/17
Relator: DGG

Trata-se de consulta formulada pela SRE acerca da caracterização de contratos de venda de frações de tempo em empreendimento imobiliário estruturado sob o modelo de multipropriedade (ou time sharing) como contratos de investimento coletivo, nos termos do inciso IX do artigo 2° da Lei n° 6.385/1976, quando aliados a pool de locação voluntário e ofertados publicamente.

A questão foi originalmente suscitada em reclamação apresentada à CVM acerca da possível subsunção dos arranjos contratuais objeto da oferta de cotas do empreendimento Olímpia Park Resort, realizada pela SPE Olimpia Q27 Empreendimentos Imobiliários S.A., ao conceito de contrato de investimento coletivo – o que deu origem ao Processo CVM nº SP2014/291 (“Processo”).

Em sua análise no âmbito do Processo, a Gerência de Registros - GER-3 sustentou, em resumo, que, no sistema de “Time Sharing", não existe um “Pool hoteleiro” obrigatório e não há investimento com o objetivo de se obter rendimento financeiro e, portanto, não se trataria de um contrato de investimento coletivo ou de qualquer outro valor mobiliário previsto no art. 2° da Lei n° 6.385/76.

Consultada através do Memorando nº 5/2017-CVM/SRE, a Procuradoria Federal Especializada junto à CVM – PFE/CVM, nos termos do Parecer n. 00053/2017/GJU-2/PFE¬CVM/PGF/AGU, afirmou ser “inafastável a caracterização como valor mobiliário do modelo de venda de participação no Olímpia Park Resort, já que puderam ver verificados, naquele caso concreto, os elementos que consubstanciam a identificação de valor mobiliário nos termos do inciso IX do art. 2º da Lei nº 6.385/76.”.

Sobre a opcionalidade de adesão ao pool hoteleiro, prevista nos documentos da Oferta, afirmou-se que "a natureza jurídica do instituto não pode ser atrelada a fatores extrínsecos (adesão ou não ao “pool”), mas às suas características intrinsecamente consideradas que, como visto, apontam para existência de contrato de investimento coletivo.".

Nesse contexto, a SRE formulou, através do Memorando nº 12/2017-CVM/SRE, a presente consulta, indagando a interpretação do Colegiado da CVM a respeito da eventual caracterização de contratos de multipropriedade imobiliária ou Time Sharing enquanto valores mobiliários.

Em seu voto, o Diretor Relator Gustavo Gonzalez inicialmente apresentou algumas considerações sobre o conceito de multipropriedade imobiliária, que consiste em espécie condominial resultante do fracionamento de imóvel no aspecto temporal. Em seguida, analisou as circunstâncias em que a combinação de investimentos imobiliários com certos tipos de arranjos faz surgir um contrato de investimento coletivo, atraindo a jurisdição da CVM. Em sua análise, o Diretor Relator destacou a necessidade de se examinar a substância econômica da transação e concluiu que “(...) a simples aquisição de um imóvel para investimento – ou seja, com a expectativa de obtenção de renda ou lucro, e não para o uso pelo proprietário – não cria um contrato de investimento coletivo. Esse surge quando investidores aportam recursos (aqui entendido em sentido amplo) em um empreendimento coletivo, na expectativa de que esse gere lucros decorrentes, sobretudo, dos esforços de terceiros.”.

Para o Diretor Gustavo Gonzalez, “o ponto-chave para avaliar se as ofertas de unidades imobiliárias são ofertas de contratos de investimento coletivo não é a forma como a propriedade se estrutura, mas os arranjos contratuais que a cercam, bem como a forma como o produto, visto de forma integrada, é ofertado. Imprescindível, portanto, ir além das formas jurídicas e verificar se o que se oferece aos investidores é, de fato, um investimento em um empreendimento comum na expectativa de rentabilidade advinda preponderantemente do esforço de terceiros.”.

Nessa perspectiva, o Diretor Relator registrou ser o pool de locação um dos típicos arranjos que atrai o regime dos valores mobiliários para negócios envolvendo investimentos em imóveis, visto que criam direito de remuneração e estabelecem uma comunhão horizontal de interesses de investidores, cujo sucesso depende, sobretudo, do administrador do pool.

Por outro lado, segundo o Relator, “não se pode genericamente concluir que qualquer combinação da venda de unidade imobiliária com a criação de um pool de locação caracteriza um contrato de investimento coletivo.” A seu ver, quando a aquisição do imóvel ou da fração temporal é colocada em pool obrigatório de locação, então resta caracterizada a oferta de contrato de investimento coletivo. Reconheceu, contudo, que há situações em que tal correlação entre os contratos é mitigada, de modo que uma solução rígida impediria a análise da realidade econômica da transação. Para o Relator, o presente caso se trataria justamente de uma dessas situações, visto que não haveria um pool de locação obrigatório, mas a possibilidade de instituição, no futuro, de um pool de locação voluntário.

Na sequência, o Diretor Relator registrou sua divergência com o entendimento defendido pela SRE no sentido de que restaria descaracterizado, no caso concreto, o contrato de investimento coletivo em razão unicamente do fato de que os lucros esperados não adviriam exclusivamente do esforço de terceiros, mas dependeriam também da colocação, pelo multiproprietário, de sua fração no pool. Para Gonzalez, desde que os esforços de terceiros fossem predominantes, a participação pouco expressiva do investidor não teria o condão de descaracterizar o contrato de investimento coletivo. No caso concreto, o Diretor Relator considerou que “os esforços dos multiproprietários parecem marginais quando comparados aos dos terceiros que administram o pool de locação”.

De outra parte, o Relator destacou sua divergência com o entendimento da PFE-CVM, que defendia que o simples fato de o incorporador divulgar a instituição de um pool de locação voluntário aos potenciais investidores resultaria na caracterização da oferta de unidades imobiliárias como uma oferta de contratos de investimento coletivo. Para o Relator, seria necessário analisar a essência econômica da transação para se chegar à conclusão definitiva.

Configurada, na visão do Relator, a existência de um investimento no arranjo contratual em exame no caso concreto, Gonzalez passou a analisar se o referido investimento geraria alguma forma de direito de participação, parceria ou remuneração para que restasse caracterizado o contrato de investimento coletivo. Nesse contexto, e tendo em vista que a venda das frações não era indissociável da adesão ao pool de locação, o Relator considerou ser relevante o exame de outros elementos, notadamente a motivação dos investidores em adquirir os imóveis e a ênfase dada pelo vendedor na promoção do investimento.

Assim, haja vista que (i) à luz da documentação constante dos autos do Processo, não seria possível concluir que os investidores, ao adquirir as frações temporais, estavam em realidade buscando adquirir direitos de participação, de parceria ou de remuneração; (ii) do mesmo modo, o material publicitário constante dos autos parecia promover, sobretudo, a aquisição das cotas dos empreendimentos como uma forma mais acessível de adquirir um imóvel de lazer; e (iii) o empreendedor buscou adequar o material publicitário às orientações recebidas da área técnica, o que a princípio parecia indicar que sua pretensão, de fato, era a venda de imóveis de lazer em um empreendimento de natureza verdadeiramente imobiliária, o Diretor Gustavo Gonzalez concordou com a análise da SRE de que a venda das frações de tempo, no caso do Processo, não deveria estar sujeita ao regime da Lei nº 6.385/1976.

Por unanimidade, o Colegiado acompanhou as conclusões do Relator sobre as situações em que contratos de venda de frações de tempo em empreendimento imobiliário estruturado sob o modelo de multipropriedade, quando aliados a pool de locação voluntário e ofertados publicamente, podem caracterizar contratos de investimento coletivo, e entendeu que, diante das circunstâncias do caso concreto, a venda de frações de tempo objeto do Processo não poderia ser caracterizada como oferta de valor mobiliário, nos termos da Lei nº 6.385/1976.

Voltar ao topo