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Decisão do colegiado de 05/11/2019

Participantes

·   MARCELO BARBOSA – PRESIDENTE
·   CARLOS ALBERTO REBELLO SOBRINHO – DIRETOR
·   HENRIQUE BALDUINO MACHADO MOREIRA – DIRETOR
·   GUSTAVO MACHADO GONZALEZ – DIRETOR
·   FLÁVIA MARTINS SANT’ANNA PERLINGEIRO – DIRETORA

RECURSO CONTRA DECISÃO DA SIN - CANCELAMENTO DE OFÍCIO DE REGISTRO DE AGÊNCIA DE CLASSIFICAÇÃO DE RISCO DE CRÉDITO – ARGUS CLASSIFICADORA DE RISCO DE CRÉDITOS LTDA. – PROC. SEI 19957.004658/2019-38

Reg. nº 1464/19
Relator: SIN

Trata-se de recurso da Argus Classificadora de Risco de Créditos Ltda. (“Argus”, “Agência” ou “Recorrente”), mais conhecida por seu nome comercial – LF Rating contra a decisão da Superintendência de Investidores Institucionais – SIN de cancelamento de ofício de seu registro como agência classificadora de risco de crédito, nos termos do art. 7º, III, da Instrução CVM nº 521/12 (“ICVM 521”), comunicada através do Ofício nº 55/2019/CVM/SIN/GIES (“Ofício de Cancelamento”), em razão do entendimento da área técnica de que a entidade não mais atenderia aos requisitos e condições mínimas para o exercício da atividade de classificação de risco, conforme as conclusões presentes no Relatório nº 2/2019-CVM/SIN/GIES (“Relatório”).

Em seu recurso, protocolado em 20.05.19 e aditado em 08.07.19, a Recorrente insurge-se contra a decisão contida no Ofício de Cancelamento, uma vez que, em seu entendimento, não se verificariam, no momento da decisão, os requisitos objetivos que autorizariam seu descredenciamento como agência classificadora de risco de crédito, procedimento que deveria ser pautado em“requisitos objetivos sanáveis para o futuro, e não em descumprimentos subjetivos possivelmente identificados no passado”, sustentando, em síntese, que (i) sua atual estrutura de compliance atenderia a todos os requisitos da ICVM 521, seja pela correta qualificação de seu corpo técnico, seja pelo aprimoramento dos sistemas de controles internos que vem sendo realizados ao longo dos últimos anos; (ii) a definição de uma estrutura de remuneração fixa encerraria qualquer discussão sobre a possível falta de segregação entre a estrutura comercial da Agência e a atividade de classificação de risco de crédito; e (iii) a Agência possuiria recursos humanos e tecnológicos condizentes com seu porte e área de atuação, capazes de garantir a segurança e confidencialidade das informações além de conferir toda a infraestrutura necessária para a emissão de relatórios de rating e acompanhamento dos emissores.

A SIN analisou o recurso e, através do Memorando nº 8/2019-CVM/SIN/GIES (“Memorando nº 8/2019”), concluiu pelo seu indeferimento, uma vez que (i) a Argus não apresentou, e tampouco apresenta, área adequada de compliance, já que (i.a) ficou até março de 2018 com uma pessoa sem capacitação adequada na função; (i.b) passou um ano com um compliance terceirizado e formalmente sem responsável pela área, tendo em vista a ausência de registro da ata de nomeação; e (i.c) somente em março de 2019 indicou um administrador para tratar da questão, porém ainda sem a qualificação necessária; (ii) a estrutura comercial da Argus permanece sob o comando de sócios que também são analistas de crédito e participam do processo de classificação de risco. A despeito da nomeação de uma gerente comercial, a convicção da área técnica foi a de que ela não tem autonomia para praticar a política comercial da Agência, até porque se subordina aos sócios desta - todos envolvidos em classificação de risco, além (iii) da inadequada estrutura física e tecnológica. Tudo isso, aliado às irregularidades identificadas nos relatórios de classificação de risco, contribuiram para a convicção da área técnica de que a Agência não apresenta a capacidade mínima para atuar.

Em reunião de 09.07.2019 o Colegiado deu início à discussão da matéria e, tendo em vista os efeitos da medida proposta, solicitou à área técnica a realização de diligências adicionais. Nesse contexto, a SIN instaurou procedimento de inspeção na Agência, com o objetivo de avaliar in loco a estrutura, inclusive aquela relacionada aos aspectos tecnológicos e às atividades de compliance, que consistiu em visitas à sede da Agência, realizadas entre 12.07.2019 e 26.08.2019, e a análise de documentos, papéis de trabalho, rotinas das atividades e funções atribuídas às pessoas-chave na agência.

Em relatório de inspeção (Relatório de Fiscalização 1), a área técnica reafirmou as avaliações registradas no Memorando n.º 8/2019, destacando (i) a insuficiência da área de compliance na Agência, e a constatação de que ela “viria tratando a estrutura de compliance como uma simples formalidade para cumprir uma norma”; (ii) a persistência das falhas identificadas na segregação entre a área comercial e a de classificação de risco, como uma evidência adicional da ausência de adoção de medidas que buscassem assegurar o cumprimento dos requisitos normativos aplicáveis à atividade; (iii) vulnerabilidades em quase todos os pontos investigados no que se refere à infraestrutura tecnológica, dentre as quais destacam-se a inexistência de firewall, antivírus em todos os computadores, backup (somente por versionamento), trilha de auditoria, regime de contingência, em especial para o website, e a falta de acesso do oficial de compliance a todos os computadores de forma compatível com suas atribuições e responsabilidades. Além disso, todos estes pontos encontravam-se incorreta ou inconsistentemente abordados nos manuais internos, induzindo investidores, clientes e contrapartes da Agência a erro de avaliação a respeito de sua real estrutura mantida para a prestação do serviço. Ante o exposto, a área técnica, através do Memorando nº 22/2019-CVM/SIN/GIES (“Memorando nº 22/2019”) manteve o entendimento pelo descredenciamento da Recorrente como Agência de Classificação de Risco.

Antes do julgamento do Recurso pelo Colegiado da CVM, a Argus protocolou nova manifestação na qual afirmou ser “irrazoável e desproporcional”, com violação dos seus direitos de ampla defesa e contraditório, o descredenciamento sem “indicação objetiva dos requisitos que não são observados e abertura de prazo razoável para a manifestação”, citando os “efeitos irreparáveis e irreversíveis do cancelamento”. Neste sentido argumentou que (i) não obstante a realização de inspeção específica solicitada pelo Colegiado, a SIN teria seguido sem identificar, de forma objetiva, os requisitos básicos do art. 3º ICVM 521 que estariam sendo descumpridos e que pudessem justificar o descredenciamento; (ii) o cancelamento do registro inviabilizaria o saneamento de eventuais irregularidades em evidente afronta aos princípios constitucionais de contraditório, ampla defesa e liberdade do exercício profissional; (iii) todos os pontos objetivamente indicados pela SIN foram corrigidos e outros não o foram por falta de indicação objetiva da SIN a respeito de sua necessidade e ausência de ofício orientador, norma ou dispositivo objetivo da ICVM 521; (iv) outras agências receberam fiscalizações educativas de adequação à ICVM 521, resultando na emissão de ofícios de alerta, entretanto a Recorrente não teria recebido o mesmo tratamento e, quando a atual inspeção foi finalizada, não houve estabelecimento de qualquer prazo ou medida educativa para adequação de procedimentos, sendo imediatamente retomada a discussão de cancelamento de registro; e (iv) por fim, menciona também que a mera existência do procedimento de cancelamento de registro, com julgamento pelo Colegiado, implica em bis in idem, haja vista os 3 processos sancionadores em curso na Autarquia relacionados à atuação da Agência.

Nessa mesma oportunidade, a Recorrente apresentou requerimentos no sentido da suspensão do feito até o julgamento dos processos sancionadores e, subsidiariamente, que o processo fosse retirado de pauta para que o Colegiado pudesse analisar as novas manifestações e solicitar eventuais diligências adicionais, antes de formar convicção sobre o assunto. Por fim, solicitaram que os sócios e assessores legais da Argus pudessem realizar sustentação oral durante a reunião do Colegiado, na apreciação do pedido, e que fosse conferido sigilo às decisões relacionadas ao presente processo até o esgotamento de todas as esferas administrativas e judiciais de recurso, inclusive com a abstenção de apresentação de qualquer decisão no informativo das reuniões do Colegiado.

Ao analisar o expediente, a SIN destacou que o presente processo não se trata de um processo administrativo sancionador, mas sim de um cancelamento de ofício, nos termos do previsto no art. 7º da ICVM 521, notadamente o inciso III e, diferentemente de uma punição de perda do registro em processo sancionador, o cancelamento previsto na regulação busca preservar a possibilidade de a SIN descredenciar um participante que não atende mais os requisitos para atuar no mercado, sem prejuízo de que a área analise um novo pedido de credenciamento quando o participante reunir novamente as condições para continuar a sua atuação. Nesse sentido, as deficiências detectadas e reportadas nos referidos Memorandos comprovam que a manutenção do registro fica prejudicada, em especial no tocante ao atendimento aos incisos IV e V do artigo 3º da ICVM 521, bem como do parágrafo 2º do mesmo artigo, de modo que o conjunto dessas deficiências levaram a área técnica a defender a ausência de requisitos para a manutenção do registro de que trata o art. 3º, e ainda com mais ênfase a deficiência da estrutura de compliance da Agência.

Ao final, sobre os pedidos formulados pela Agência, a SIN observou que (i) não há que se falar em bis in idem, pelas razões expostas no parágrafo acima, (ii) todas as devidas diligências já foram concluídas, tendo a Argus inclusive se manifestado sobre o relatório de inspeção, oportunidade essa exercida por diversas vezes; (ii) como não se trata de processo sancionador, a deliberação pelo Colegiado do recurso não corresponde a uma sessão de julgamento e, assim, não é permitido o rito de sustentação oral; (iii) o requerimento de sigilo até o esgotamento de todos os recursos, inclusive judiciais, não encontra amparo na legislação em vigor e não deve prosperar, até porque subtrairia sem fundamento legal a adequada informação e transparência sobre o caso ao mercado. E, ainda, mesmo após o transcurso do longo prazo verificado para uma eventual adaptação da Agência (ao menos desde a decisão de cancelamento tomada em abril de 2019), a área técnica concluiu que a situação geral de sua estrutura não se aprimorou, ficando ainda mais evidente com a realização da fiscalização in loco que a Argus não possuía ao tempo do cancelamento, tampouco atualmente, a estrutura mínima exigida pela regulamentação para atuar na atividade.

Por unanimidade, acompanhando as conclusões da área técnica, o Colegiado decidiu pelo não provimento do recurso.

Em sua decisão, destacou que o procedimento de inspeção conduzido pela SIN foi relevante para o caso concreto na medida em que permitiu a constatação, com base em conjunto robusto de elementos, de que a Agência não reúne os requisitos e condições mínimas para o exercício da atividade de classificação de risco, nos termos da regulamentação aplicável.

O Colegiado ressaltou, ainda, que, no processo que culminou nesta decisão de cancelamento de registro, foram observados os princípios da ampla defesa e do contraditório. Nesse sentido, apontou que: (i) no curso da inspeção, a SIN conferiu a Argus diversas oportunidades para prestar esclarecimentos sobre as falhas identificadas, inclusive para se manifestar sobre o conteúdo do relatório final de fiscalização; e (ii) em complemento às interações com a área técnica, desde a decisão da SIN que comunicou o cancelamento de registro a Argus em abril de 2019, os representantes da Agência foram recebidos pelos membros do Colegiado no âmbito de audiências particulares, ocasiões em que também puderam apresentar seus esclarecimentos sobre os fatos.

Quanto a este aspecto, o Colegiado esclareceu que a sustentação oral requerida pela Agência não é admitida na apreciação de recursos contra decisões proferidas pelas superintendências, os quais, nos termos da Deliberação CVM nº 463, são decididos em sessão interna, independentemente de prévia designação de data. Apesar disso, o Colegiado reiterou que a ausência de referida sustentação não traria prejuízo à defesa da Agência, que teve inúmeras oportunidades de se manifestar, seja formalmente nos autos do processo, seja nas reuniões realizadas com a área técnica e com os membros do Colegiado.

Em vista dessas circunstâncias, o Colegiado observou, por fim, que, não obstante o rito adotado tenha conferido a Argus prazo e condições razoáveis para que se adequasse à regulação aplicável, não foram adotadas as medidas necessárias a autorizar a manutenção do seu registro.

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