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Decisão do colegiado de 19/11/2019

Participantes

· MARCELO BARBOSA – PRESIDENTE
· CARLOS ALBERTO REBELLO SOBRINHO – DIRETOR
· HENRIQUE BALDUINO MACHADO MOREIRA – DIRETOR
· GUSTAVO MACHADO GONZALEZ – DIRETOR*
· FLÁVIA MARTINS SANT’ANNA PERLINGEIRO – DIRETORA

* Por estar em São Paulo, participou por videoconferência.

PEDIDO DE DISPENSA DE REQUISITO NORMATIVO – JOURNEY CAPITAL ADMINISTRAÇÃO DE RECURSOS - PROC. SEI 19957.010097/2019-14

Reg. nº 1615/19
Relator: SIN/GIFI

Trata-se de pedido de dispensa do cumprimento dos arts. 27 (e 37, III), 102 e 103 da Instrução CVM 555/2014 (“Instrução CVM 555”), por parte da Journey Capital Administração de Recursos (“Gestora” ou “Consulente”), para viabilizar a estruturação e a constituição de fundo de investimento com propósito específico, denominado Journey Capital Frontier RDVT FI IE RF LP (“Fundo”).

De acordo com o pleito, a Concessionária Rodovias do Tietê S/A (“Emissora” ou “Companhia”), emissora das debêntures com código de negociação RDVT11 (“Debêntures”), vem passando por dificuldades operacionais. Nesse contexto, a Gestora afirmou que a principal dificuldade encontrada pelos debenturistas e pela Emissora para chegarem a um acordo quanto à reestruturação das Debêntures residiria nas características desse endividamento, tendo apontado: (i) que as Debêntures representam a única dívida financeira da Companhia; (ii) o quórum previsto de 100% dos presentes em Assembleia Geral de Debenturistas para alteração de certas características da emissão; e (iii) a dispersão da base de credores e a dificuldade na coordenação de interesses. Segundo a Gestora, essas circunstâncias imporiam um processo de negociação pouco efetivo na prática, situação que não seria mitigada pela atuação do agente fiduciário da emissão, no caso a Pentágono DTVM S.A., que também teria limitações práticas para qualquer tomada de decisão.

Dessa forma, com o objetivo de ampliar “as chances de uma rápida resolução da questão e ma[jorar] a probabilidade de preservação de valor aos debenturistas”, a Gestora propôs a constituição de um “veículo único, onde os atuais debenturistas possam aportar suas debêntures e que represente um número relevante de cotistas”. Este veículo seria constituído como um fundo de renda fixa, aberto e com prazo determinado de duração (18 meses), regulado pela Instrução CVM 555, destinado apenas aos atuais debenturistas de RDVT11 e investidores profissionais. Associada a esse prazo de duração, haveria a previsão de condições de resgate com prazo de carência inicial de 180 dias, somada à possibilidade de resgates, após isso: (a) com cotização em 360 dias após a data da solicitação do resgate; ou (b) com cotização em 60 dias após a data da solicitação do resgate, neste caso sujeita a uma taxa de saída de 10% sobre o valor resgatado, a ser revertida ao Fundo. O pagamento desse resgate, segundo previsto no Regulamento, poderia ser efetuado em moeda corrente nacional ou em ativos (no caso, as próprias debêntures RDVT11), o que é vedado pelo art. 37, III, da Instrução CVM 555.

A expectativa da Consulente seria a de que, com um volume expressivo das Debêntures detidas pelo Fundo, ela possa assumir a interlocução da negociação para restruturação das Debêntures diretamente, incluindo nessa estratégia a composição com outros credores. Ponderou, ainda, que a adesão parcial dos debenturistas existentes não invalidaria a estrutura, visto que existiria a possibilidade de composição com outros debenturistas, como os fundos de pensão Ceres e Serpro, “ambos detentores de quantidades relevantes das debêntures”.

Argumentou a Gestora que, como muitos debenturistas são investidores em geral, seria importante para a viabilização do produto que o investimento no Fundo pudesse ser feito diretamente por meio da "troca de debêntures por cotas do fundo", ou seja, a integralização de cotas com ativos financeiros, o que a princípio seria vedado a fundos destinados a investidores em geral, segundo disposto no art. 27 da Instrução CVM 555, e que a precificação das Debêntures seguiria os preços de referência da ANBIMA, tanto para a determinação do valor de cota calculado quando da aplicação, quanto também para a marcação periódica dos ativos na carteira do Fundo.

Como racional para defender a concessão da dispensa, a Gestora alegou que a operação pretendida "não traz riscos adicionais ao debenturista além daqueles em que esse já está incorrendo como investidor de um ativo em situação de default técnico”. A distribuição das cotas do Fundo seria feita por meio das próprias instituições que hoje detêm a custódia das Debêntures em nome das pessoas físicas (corretoras, distribuidoras e bancos ou plataformas de investimento) e, para o caso de investidores profissionais, pela própria Gestora, segundo a previsão nesse sentido estabelecida pelo art. 30 da Instrução CVM 558. A Gestora ainda adiantou que, mais especificamente em relação à estrutura de remuneração na distribuição das cotas do Fundo, eventuais rebates pagos a agentes autônomos de investimento serão efetuados apenas com base na taxa de performance efetivamente recebida e apenas quando da dissolução do Fundo.

Além da dispensa de cumprimento dos artigos 27 e 37, III, da Instrução CVM 555, a Gestora ressaltou a necessidade de dispensa das regras constantes dos art. 102 e 103 da Instrução CVM 555, que tratam dos limites por emissor e por modalidade de ativo financeiro impostos aos fundos em geral, considerando que o Fundo, por seu particular propósito, deterá basicamente um único ativo, as debêntures RDVT11. Segundo a Consulente, a preocupação regulatória visada por aquele dispositivo – isto é,“a proteção da concentração do risco em um único ativo” – não incidiria neste caso em particular, uma vez que o investidor já conta com essa exposição.

Em sua análise, consubstanciada no Memorando nº 37/2019-CVM/SIN (“Memorando”), a Superintendência de Investidores Institucionais - SIN observou, de início, que foram solicitados ajustes para o teor da minuta do Regulamento do Fundo apresentada, que consistiram na: (i) exclusão da previsão de cotização da aplicação na razão de 1 cota por 1 debênture, já que ela seria viável apenas na colocação inicial, mas não nas subsequentes, quando o valor das cotas se descolaria do valor das Debêntures; e (ii) melhor explicitação do prazo de carência inicial de 180 dias no Regulamento. Além disso, foram solicitados esclarecimentos sobre o papel que seria exercido pelos citados investidores profissionais previstos para o público alvo. Segundo a área técnica, tais esclarecimentos foram devidamente prestados e o regulamento do Fundo foi ajustado, conforme proposto pela SIN.

O Memorando destacou que, desde a consulta, tornou-se público o ajuizamento do pedido de recuperação judicial pela Emissora, corroborando a alegação de difícil situação financeira da Companhia e evidenciando a urgência na estruturação do Fundo, que pode acabar por perder seu objeto a depender do desenrolar dos fatos associados a esse emissor. Também ressaltou a recente discussão no âmbito normativo da CVM relacionada aos fundos de investimento em infraestrutura em geral ("FI-Infra"), o que resultou na edição da Instrução CVM nº 606/19, alteradora da Instrução CVM 555. Entre outras alterações, referida instrução autorizou a dispensa de cumprimento dos limites de diversificação por tipo de ativo financeiro previstas no art.103 da Instrução CVM 555 para os fundos de infraestrutura, assim como a majoração do limite de concentração por emissor para 20%.

Ainda segundo a área técnica, pela própria estrutura do fundo e o público alvo previsto, nenhum investidor poderá se sujeitar a riscos maiores do que já está exposto na prática. Além disso, o fato de o regulamento do Fundo prever a possibilidade de investidores profissionais não desmerece essa conclusão, pois para esses investidores a preocupação da regulação de fato é menor, o que é evidenciado pela própria dispensa regulatória a eles aplicável, conforme leitura do artigo 129, V, da Instrução CVM 555.

Em relação à dispensa pretendida para a vedação, prevista nos artigos 27 e 37, III, da Instrução CVM 555, de aplicações e resgates em ativos financeiros, a SIN aduziu que as circunstâncias de atuação e propósito de investimento muito específicas do Fundo justificariam também a concessão dessa dispensa, apesar de eventuais custos de transação sucessivos e desnecessários que, de certo, inviabilizariam a própria colocação do produto no mercado, uma vez que: (i) em relação à complexidade da operação e à sua operacionalização, a questão poderia ser administrada por uma informação adequada no Regulamento que detalhasse amiúde como essa operação se realizaria, o que poderia ser viabilizado neste caso, uma vez que a operação de integralização ou resgate do Fundo seria realizada com apenas um ativo de características já conhecidas; e (ii) no que se refere a possível transferência de riqueza, o uso de uma fonte terceira, pública e independente (no caso, a ANBIMA), como referência de preço parece também mitigar discussões nesse sentido, visto que possibilitará ao investidor a comparação com aquela referência e a isonomia de tratamento necessária para as aplicações e resgates.

Além disso, a área técnica afirmou que a estruturação do fundo como aberto (ainda que sujeito a uma carência inicial de 180 dias) parece oferecer uma alternativa de saída e liquidez para o investidor que dificilmente seria encontrada no mercado.

O Diretor Carlos Rebello, em seu voto, no que foi acompanhado pelo Diretor Henrique Machado, ponderou que algumas circunstâncias envolvendo a proposta aventada pela Gestora mereciam esclarecimentos adicionais por parte da área técnica previamente ao deferimento das dispensas requeridas, tais como (i) a sua experiência na solução de questões da espécie; (ii) breve descrição das disputas havidas entre a companhia emissora e os debenturistas acerca da renegociação da dívida; (iii) existência de reclamações de investidores recebidas pela autarquia; (iv) eventuais conflitos de interesse da Gestora na estruturação de fundo de renda fixa nos moldes propostos; (v) a manifestação do agente fiduciário nomeado sobre a aderência da estrutura proposta; (vi) o ganho de liquidez(1) vislumbrado pela área técnica; e (vii) a avaliação de eventuais riscos que a nova estrutura poderia agregar ao público destinatário.

Por maioria, acompanhando as conclusões da área técnica e com base nas particularidades do caso concreto, o Colegiado decidiu pelo deferimento do pedido apresentado, concedendo, assim, a dispensa do cumprimento dos artigos 27, 37, inciso III, 102 e 103 da Instrução CVM 555/14.

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(1) Informações encaminhadas pela B3 apontam para a existência de 17.903 investidores pessoa física detentores das debêntures, em um total de 17.983 (posição – B3 em 14/11/2019). Ademais, foram realizados no mercado 35.560 negócios com as debêntures de emissão da Concessionária Rodovias do Tietê S/A, entre janeiro/19 e 24/10, com volume negociado de R$ 14.652.996,17. A debênture foi negociada em 74 dias dos 206 dias úteis do período.

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