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Decisão do colegiado de 03/03/2020

Participantes

· MARCELO BARBOSA – PRESIDENTE
· HENRIQUE BALDUINO MACHADO MOREIRA – DIRETOR
· GUSTAVO MACHADO GONZALEZ – DIRETOR
· FLÁVIA MARTINS SANT’ANNA PERLINGEIRO – DIRETORA

RECURSO CONTRA INTERPRETAÇÃO DADA PELA SEP AO ART. 4º, §4º, DA INSTRUÇÃO CVM Nº 607/2019 – BC GESTÃO DE RECURSOS LTDA. E OUTROS – PROC. SEI 19957.010563/2018-72

Reg. nº 1666/19
Relator: PTE

Trata-se de recurso interposto por BC Gestão de Recursos Ltda., Normandia Investimentos Ltda. (“Normandia”), Oceana Investimentos Administradora de Carteira de Valores Mobiliários Ltda. (“Oceana”) e Opportunity Asset Administradora de Recursos de Terceiros Ltda. (“Opportunity” e, em conjunto com os demais, “Recorrentes”) contra decisão da Superintendência de Relações com Empresas – SEP, que concluiu ser inadmissível recurso apresentado contra seu entendimento de não lavrar termo de acusação no presente caso, conforme o art. 4º, §4º, da Instrução CVM nº 607/2019 (“Instrução 607”). Os Recorrentes questionaram, ainda, a possibilidade de a Superintendência de Relações com Investidores Institucionais – SIN participar da instrução do processo em análise (“Processo”).

O Processo teve origem em diversas reclamações protocoladas na CVM após a publicação de fato relevante da Smiles Fidelidade S/A (“Smiles” ou “Companhia”), informando ao mercado que a Gol Linhas Aéreas Inteligentes S.A. (“Gol”), sua acionista controladora, (i) não tinha a intenção de renovar o contrato operacional e o contrato de prestação de serviços de backoffice, celebrados entre Gol, Gol Linhas Aéreas S.A. (“GLA”) e Smiles, para além da atual data de validade de 2032; (ii) iniciara procedimentos visando a uma reorganização societária envolvendo a Smiles (“Reorganização”); e (iii) solicitara a convocação de assembleia geral extraordinária da Smiles para incluir, no Estatuto Social da Companhia, previsão para a constituição de um comitê especial independente, em consonância com o Parecer de Orientação CVM nº 35/2008 (“Comitê Independente”), para negociar os termos da Reorganização - que não chegou a ser concluída, conforme informado pela Gol por meio de fato relevante divulgado em 19.06.2019.

Em sua reclamação inicial, a Oceana, em conjunto com a Studio Investimentos Administradora de Recursos Ltda., Indie Capital Investimentos Ltda., Normandia, Atmos Capital Gestão de Recursos Ltda. (“Atmos”) e Opportunity, alegaram, em síntese, que a Gol estaria “manipulando o mercado utilizando-se de ardis para baixar a cotação das ações de emissão da Smiles”, por meio de divulgação prematura de sua intenção e com súbita mudança de posicionamento em relação ao plano de negócios da Smiles, com a finalidade de obter relação de troca mais favorável na Reorganização. Tais práticas, na visão dos reclamantes, caracterizariam manipulação de preços, nos termos do item II, alínea “b”, da Instrução CVM nº 8/1979. Além disso, alegaram exercício abusivo de poder de controle por parte da Gol, tendo em vista (i) suposta tentativa de esvaziar o comitê de partes relacionadas da Smiles por meio da criação do Comitê Independente, e (ii) a utilização de uma estrutura de ações preferenciais resgatáveis na Reorganização.

A SEP, após diversas interações com a Smiles e a Gol, e à luz das reclamações protocoladas na CVM, emitiu o Relatório nº 57/2019-CVM/SEP/GEA-4 (“Relatório 57”), em que concluiu pela desnecessidade de diligências adicionais, ao menos até o surgimento de fatos novos. Na sequência, os Recorrentes, juntamente com a Atmos e a Tarpon Gestora de Recursos S.A., apresentaram pedido de reconsideração da decisão da SEP e, alternativamente, o recebimento da petição “na forma de Recurso para o Colegiado, nos termos da Deliberação nº 463/03”. Também foram apresentadas novas alegações de que um diretor da Gol estaria “pressiona[n]do de forma ostensiva os analistas de corretoras e bancos de investimento (sell side) que acompanham a Smiles”, com o intuito de influenciar seus relatórios sobre a Companhia e diminuir as expectativas que o mercado tinha quanto à Smiles.

A SEP, por sua vez, por meio do Relatório nº 85/2019-CVM/SEP/GEA-4 (“Decisão”), indeferiu o pedido de reconsideração e entendeu que não caberia recurso ao Colegiado contra a decisão da área técnica de não instaurar processo administrativo sancionador no caso concreto, uma vez que, no seu entendimento, o Relatório 57 fora devidamente fundamentado, não estando em desacordo com posicionamento prevalecente no Colegiado. Nesse sentido, a SEP concluiu que o recurso apresentado não seria admissível, nos termos do art. 4º, § 4º, da Instrução 607. Além disso, tendo em vista as alegações de suposta pressão indevida por parte de administrador da Gol sobre analistas que acompanhavam a Smiles, a SEP sugeriu que fosse avaliada a conveniência e oportunidade de a SIN, área responsável pela supervisão dos analistas de valores mobiliários, realizar diligências para avaliar a conduta suscitada.

Diante disso, os Recorrentes apresentaram recurso contra a Decisão da SEP, alegando, em síntese, a ilegalidade da interpretação dada pela SEP ao art. 4º, §4º, da Instrução 607 e a falta de competência da SIN para conduzir as diligências do Processo, bem como reiteraram os fatos que, na sua visão, mereceriam ser objeto de atuação sancionadora da CVM. Nesse sentido, os Recorrentes requereram que o Colegiado: (i) afirmasse sua competência para, nos termos do art. 4º, §4º, da Instrução CVM nº 607/2019, exercer juízo de conhecimento do presente recurso; e (ii) determinasse à SEP que: (a) aprofunde as investigações sobre os supostos abusos cometidos pela Gol; (b) indague os analistas da Smiles sobre a suposta tentativa de influência, por parte de diretor da Gol, no conteúdo dos relatórios da Smiles; e (c) “obrigue a Smiles a divulgar, nos termos do Parecer de Orientação CVM nº 35/2008, todos os documentos que embasaram a decisão dos administradores da Gol e da Smiles de não prosseguir com a incorporação pretendida, determinando, ainda, que qualquer decisão da Gol e da Smiles no âmbito de tal incorporação não tenha o seu mérito protegido pela business judgment rule, em função de evidente conflito de interesses”.

Ao receber o recurso, a SEP elaborou o Relatório nº 118/2019-CVM/SEP/GEA-4, tendo ressaltado que, embora no seu entendimento a Decisão não merecesse reparos, caberia, nos termos do art. 4º, § 8º, da Instrução 607, manifestação pelo Colegiado sobre o juízo de admissibilidade do recurso previsto no art. 4º, § 4º, da mesma norma, tendo em vista o ineditismo da questão. Adicionalmente, a SEP registrou ter instaurado processo administrativo para analisar pontos que não haviam sido abordados nas primeiras reclamações protocoladas na CVM, como exemplo, “a questão envolvendo a divulgação dos documentos produzidos pelo Comitê previsto no Parecer de Orientação CVM nº 35/08”.

O Presidente Marcelo Barbosa, relator do Processo, teceu, inicialmente, considerações sobre o regime de segregação das instâncias acusatória e julgadora da CVM, por entender que o desenho institucional adotado pela Autarquia estabelece premissas relevantes para delimitar a atuação do Colegiado em casos como esse.

Nesse contexto, Marcelo Barbosa destacou que, durante a vigência da Deliberação 538/08 (“Deliberação 538”), salvo algumas exceções, o entendimento prevalecente no Colegiado era por não conhecer recursos interpostos contra esse tipo de decisão, à luz do argumento de que eles não estariam abarcados pela Deliberação CVM nº 463/03 (“Deliberação 463”). Conforme observou, “a exceção mais comum a este posicionamento eram os casos em que as decisões tomadas pelas áreas técnicas estavam em desconformidade com o entendimento prevalecente no Colegiado da CVM. Ainda assim, nessas ocasiões, o Colegiado entendia que não seria apropriado solicitar a instauração do processo sancionador, considerando mais adequado limitar-se a requerer um novo exame do caso pela área técnica, em prol da segregação de funções acusatória e julgadora.”.

De acordo com o Relator, a Instrução 607 manteve o caráter de excepcionalidade das hipóteses revisionais de decisões das áreas técnicas contrárias à instauração de processo administrativo sancionador, mas, diferentemente do regime anterior, passou a prever um tratamento expresso aos recursos que visam reformular essas decisões, reconhecendo como aplicáveis nesses casos somente os prazos e procedimentos previstos na Deliberação 463. Assim, nos termos do art. 4º, §4º, da referida instrução, tais recursos são cabíveis apenas se a decisão carecer de “fundamentação ou caso esteja em desacordo com posicionamento prevalecente no Colegiado”, consagrando a prática da CVM e do Colegiado já adotada sob a égide da Deliberação 538.

Nesse cenário, o Relator discordou do entendimento da SEP de que caberia à própria área técnica - que decidiu não lavrar o termo de acusação - julgar a procedência do recurso contra essa decisão. Isso porque, segundo o Relator, embora o dispositivo não faça referência expressa ao Colegiado como destinatário do recurso, não faria sentido que a própria área prolatora da decisão fosse a responsável pela análise e decisão quanto ao pedido que questiona seus fundamentos. Ademais, na visão do Presidente Marcelo Barbosa, uma leitura sistemática do art. 4º da Instrução 607, conjugado com a Deliberação 463, corroboraria tal interpretação.

Desse modo, Marcelo Barbosa indicou que, “uma vez formulado o recurso, a área técnica poderá, se entender conveniente e oportuno, reconsiderar sua decisão de não lavrar o termo de acusação, o que importará em perda de objeto. No entanto, caso mantenha sua decisão, a área técnica não poderá deixar de levar o recurso ao Colegiado, a quem caberá analisá-lo – independentemente de qualquer juízo de admissibilidade por parte da área técnica”. Para o Presidente, embora a área técnica possa se manifestar sobre a admissibilidade desses recursos, não lhe cabe negar o seu seguimento quando assim entender, sob pena de privar o interessado da possibilidade de apreciação em segundo grau pelo Colegiado da CVM.

Além disso, o Relator registrou que o Colegiado, em sede de apreciação do referido recurso, não tem a prerrogativa de substituir a área técnica na formulação do termo de acusação, pois está limitado a solicitar “eventual complementação da fundamentação ou revisão das circunstâncias de fato de acordo com o posicionamento prevalecente no Colegiado ou com nova orientação sobre a matéria por ele emitida” (art. 4º, §6º, da Instrução 607).

Passando ao exame do caso concreto, o Presidente Marcelo Barbosa concluiu que os argumentos trazidos pelos Recorrentes não teriam relação com as hipóteses que autorizam a formulação de recurso contra a decisão da área técnica por não lavrar termo de acusação. Conforme observou o Relator, o recurso se fundamenta na visão dos Recorrentes de que a configuração do abuso de poder de controle e da manipulação de mercado seria casuística e demandaria uma análise dos fatos no caso concreto, pelo Colegiado, para que este pudesse reformular a decisão da SEP. Em resumo, o que os Recorrentes contestam seria a valoração dada pela área técnica às provas trazidas aos autos que, para eles, seria “um conjunto robusto de indícios”, enquanto que, na visão da SEP, até o momento, elas não seriam suficientes para a abertura de um processo administrativo sancionador.

Não obstante, para o Relator, o disposto no art. 4º, §4º, da Instrução 607 não teria tal alcance, dado que a análise dessas questões implicaria avaliar se os indícios constantes nos autos são suficientes para caracterizar justa causa, o que resultaria em um prejulgamento do Colegiado quanto à verossimilhança das alegações dos Recorrentes, ao passo que, “é justamente este tipo de juízo que o modelo institucional adotado pela CVM depois de 2002 e, atualmente, consagrado pela Instrução CVM nº 607/2019, procura evitar”. Por essas razões, o Presidente Marcelo Barbosa entendeu que não caberia ao Colegiado avaliar, no âmbito deste recurso, a suficiência de provas indiciárias para a lavratura de um termo de acusação.

Quanto às alegações relacionadas à suposta violação ao Parecer de Orientação CVM nº 35/2008, o Relator entendeu que também não mereceriam prosperar, posto que ainda estão sendo apuradas pela SEP, no âmbito de outro processo, não havendo, portanto, sequer hipótese para atuação do Colegiado neste momento.

Por fim, o Relator manifestou o entendimento de que a SIN é a área técnica competente para apurar eventual influência de administrador da Gol na atuação de analistas que acompanham a Smiles, sem prejuízo de, caso verificados indícios neste sentido, a SEP continuar suas apurações para avaliar a conduta do referido administrador e da Gol, na qualidade de acionista controladora da Smiles, se aplicável.

O Colegiado, por unanimidade, acompanhou o voto do Relator e decidiu pelo não cabimento do recurso por não atender ao disposto no art. 4º, §4º, da Instrução 607.

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