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Decisão do colegiado de 17/03/2020

Participantes

· MARCELO BARBOSA – PRESIDENTE
· HENRIQUE BALDUINO MACHADO MOREIRA – DIRETOR*
· GUSTAVO MACHADO GONZALEZ – DIRETOR**
· FLÁVIA MARTINS SANT’ANNA PERLINGEIRO – DIRETORA

* Por estar em Brasília, participou por videoconferência.
** Por estar em São Paulo, participou por videoconferência.

RECURSO CONTRA DECISÃO DA SEP – INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE INTERVENÇÃO COMO "AMICUS CURIAE" – ARGUCIA CAPITAL GESTÃO DE RECURSOS LTDA. – PROC. SEI 19957.005983/2019-18

Reg. nº 1675/20
Relator: SEP

A SEP relatou o assunto nos termos do art. 13-A da Deliberação CVM nº 558/08.

Trata-se de recurso interposto por Argucia Income Fundo de Investimento em Ações, Argucia Endowment Fundo de Investimento Multimercado, Sparta Fundo de Investimento em Ações e Galileu Fundo de Investimento Multimercado (“Recorrentes”), fundos geridos por Argucia Capital Gestão de Recursos Ltda. (“Argucia”), contra decisão da Superintendência de Relações com Empresas – SEP, que indeferiu a participação da Argucia no Processo Administrativo Sancionador CVM nº 19957.005983/2019-18 (“Processo”), na qualidade de amicus curiae. O Processo resultou de apurações realizadas no âmbito de processo instaurado para analisar reclamação apresentada pelos Recorrentes sobre possíveis irregularidades em aumentos de capital da Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia – Coelba (“Companhia”).

Neste incidente processual, os Recorrentes alegam, em síntese, que seria possível a intervenção do amicus curiae em processo administrativo sancionador da CVM e sustentam a legitimidade da Argucia para figurar no Processo nesta condição, argumentando que: (i) detém participação relevante e representatividade no free float da Companhia; (ii) o Processo trataria de questão pouco explorada pelo Colegiado da CVM (a “responsabilidade do administrador ao terceirizar a produção do laudo de avaliação que serve de subsídio para o aumento de capital”); e (iii) o Processo demandaria “conhecimento técnico específico e sofisticado sobre finanças, especialmente sobre aspectos como valuation, custo de capital e métricas de avaliação e estimativa de riscos”, que poderia ser provido pela Argucia.

A SEP, com base no Parecer n. 00228/2019/GJU - 4/PFECVM/ PGF/AGU, exarado pela Procuradoria Federal Especializada junto à CVM – PFE/CVM, entendeu que o pleito não deveria ser acolhido, o que ensejou o recurso objeto desta discussão. Na sequência, a área técnica encaminhou o assunto para apreciação do Colegiado, reiterando seu entendimento por meio do Memorando nº 2/2020-CVM/SEP/GEA-3.

O Presidente Marcelo Barbosa, sorteado relator para exame do incidente processual, destacou que é preciso considerar os limites do instituto do amicus curiae, assim como sua utilidade para a CVM na solução do caso concreto, mas ressalvou em seu voto que não pretendeu exaurir o debate sobre a admissibilidade da intervenção de terceiros nos processos administrativos sancionadores da CVM, o que demandaria maior reflexão, sobretudo no plano regulamentar.

Nesse contexto, Marcelo Barbosa discordou da possibilidade do amicus curiae em processos sancionadores que tramitam na CVM, com base no art. 15 do Código de Processo Civil, conforme argumentado pelos Recorrentes, uma vez que a ausência de previsão sobre o instituto não seria uma lacuna, como deveria ser o caso para que a aplicação subsidiária e supletiva das normas do Código de Processo Civil fosse autorizada. Em seu entendimento, o fato de a Lei nº 13.506/2018 e a Instrução CVM nº 607/2019 nada dizerem a respeito da figura do amicus curiae não significa que haja lacuna a respeito da possibilidade de tal forma de intervenção de terceiros no processo administrativo sancionador sob responsabilidade da CVM. Conforme destacou, isso refletiria, na verdade, uma escolha deliberada, ao menos por parte da Autarquia.

A esse respeito, Marcelo Barbosa fez referência ao trecho do Relatório de Audiência Pública SDM nº 02/2018, elaborado durante as discussões que precederam a edição da Instrução CVM nº 607/2019, o qual registrou que “a CVM não considerou oportuna a previsão da figura do ‘amicus curiae’ no rito do processo administrativo sancionador mas entende que o Relator, durante a instrução do processo, poderá solicitar ou permitir manifestações de interessados em decisão fundamentada, sujeita a recurso”. Na mesma linha, na visão do Relator, tal entendimento não levaria à conclusão de que terceiros não poderiam participar de processo administrativo sancionador, tendo em vista o disposto no art. 42 da Instrução CVM nº 607/2019.

Além disso, afirmou que, ainda que fosse possível admitir a figura do amicus curiae em processos sancionadores que tramitam na CVM, por força do art. 15 do Código de Processo Civil, a Argucia não atenderia aos requisitos necessários para atuar nesta condição, haja vista que, “a hipótese de admissão do amicus curiae deve ser tratada de forma excepcional, como já ocorre em processos judiciais. E, no caso de um processo administrativo sancionador, conduzido por uma autarquia federal especializada, a possibilidade de utilização do argumento da especificidade do tema se reduz.”. Além disso, Marcelo Barbosa ressaltou que os Recorrentes não se encontram em posição de neutralidade, posto que foram os responsáveis pela instauração da reclamação que resultou neste Processo e alegam terem sido lesados pelos atos que estão sob apuração.

Por fim, Marcelo Barbosa reiterou que, após análise aprofundada dos autos para formar sua convicção em relação ao mérito do Processo, o relator, na qualidade de destinatário da prova, poderá solicitar, por meio de diligências adicionais, manifestação acerca de pontos específicos que possam ser esclarecidos por terceiros. No entanto, nada disso legitimaria os Recorrentes a protocolarem nos autos manifestações fora do curso normal do processo pois, embora tenham contribuído para o seu início, não são parte no feito.

Ante o exposto, o Relator votou pelo indeferimento do recurso apresentado e o encaminhamento do Processo à Coordenação de Controle de Processos Administrativos – CCP, para que desentranhe dos autos todas as manifestações protocoladas pelos Recorrentes a partir da data da lavratura do termo de acusação, sem prejuízo de que o relator venha a solicitar manifestação dos Recorrentes posteriormente.

O Diretor Henrique Machado acompanhou a decisão do Relator quanto à improcedência do pedido de amicus curiae no caso em apreço, em razão das circunstâncias específicas do caso concreto, bem pontuadas no voto condutor. Nada obstante, entendeu ser oportuno reforçar seu entendimento pessoal de que a ausência de expressa previsão legislativa ou regulatória não afastam a possibilidade jurídica nem representam um juízo quanto à inadmissibilidade do amicus curiae. Ao contrário, considerando a compatibilidade desse instituto com a disciplina dos processos administrativos da CVM, o amicus curiae deve ser admitido por força do arts. 15 e 138, do Código de Processo Civil, c/c art. 9°, incisos III e IV, da Lei n° 9.784, de 29 de janeiro de 1999, quando preenchidos os seus requisitos.

Também em seu entendimento, a ausência de expressa previsão na redação da Instrução CVM n° 607/2019, assim como no respectivo relatório de audiência pública, refletiram o baixo grau de maturidade da discussão no âmbito desta comissão, por oportunidade da edição daquela norma, o que deve ser superado a partir da análise de casos concretos, como o ora em exame.

Noutro ponto, em linha com seu posicionamento em processos de sua relatoria, votou contra o desentranhamento imediato das manifestações dos Recorrentes. Em seu entendimento, o Relator, durante a instrução do processo, poderá permitir manifestações de interessados em decisão fundamentada, sujeita a recurso.

A Diretora Flávia Perlingeiro, por sua vez, acompanhou o voto do Presidente Marcelo Barbosa tanto com relação ao indeferimento do recurso, quanto no que tange à determinação de desentranhamento das manifestações protocoladas pelos Recorrentes a partir da lavratura do termo de acusação. No que tange ao silêncio por parte do legislador, na Lei n° 13.506/2017 e na Lei n° 9.784/1999, acerca da possibilidade de intervenção de amicus curiae, a Diretora ressalvou seu entendimento de que esse não representaria óbice a eventual alteração normativa pela Autarquia para passar a prever tal instituto no âmbito de processos administrativos sancionadores perante a CVM.

Por fim, o Diretor Gustavo Gonzalez pontuou que as informações fornecidas por terceiros – como, por exemplo, acionistas, administradores, fiscais e auditores – são, historicamente, de extrema importância para as apurações conduzidas pela CVM. Registrou, ainda, que o amicus curiae é apenas uma das formas pelas quais terceiros podem participar de um processo, destacando que a Lei nº 9.784/1999, que trata do processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, traz diversos dispositivos acerca da participação de interessados nos processos.

De outro lado, reconheceu que a participação de terceiros interessados nos processos administrativos sancionadores, em todas as suas variáveis, é matéria complexa e que ainda não foi devidamente aprofundada na CVM. Esse aspecto, na visão de Gonzalez, justifica a opção tomada quando da edição da Instrução CVM nº 607/2019 de não regular tais institutos e recomenda que os pedidos continuem, por ora, a ser tratados casuisticamente.

Feitas essas observações de cunho geral, e considerando as características do caso concreto, o Diretor Gustavo Gonzalez concordou com as conclusões do Presidente quanto ao indeferimento do amicus curiae e ao desestranhamento das manifestações dos Recorrentes posteriores à instauração do processo sancionador.

Diante disso, o Colegiado, acompanhando o voto do Presidente Marcelo Barbosa, decidiu, por unanimidade, pelo não provimento do recurso e, por maioria, pelo desentranhamento dos documentos apresentados pelos Recorrentes ao longo do Processo.

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