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Decisão do colegiado de 05/01/2021

Participantes

• GUSTAVO MACHADO GONZALEZ – PRESIDENTE EM EXERCÍCIO
• FLÁVIA MARTINS SANT’ANNA PERLINGEIRO – DIRETORA
• ALEXANDRE COSTA RANGEL – DIRETOR

Reunião realizada eletronicamente, por videoconferência.

CONSULTA SOBRE A INSTRUÇÃO CVM Nº 332/00 – CONCEITO DE COMPANHIA ABERTA OU ASSEMELHADA – XP INVESTIMENTOS CCTVM S.A. E OUTRO – PROC SEI 19957.007302/2020-90

Reg. nº 2027/20
Relator: SRE

Trata-se de consulta apresentada por XP Investimentos CCTVM S.A. ("XP Investimentos") e por VBI Real Estate Gestão de Carteiras Ltda. ("VBI" e, em conjunto com XP Investimentos, "Consulentes") com o intuito de esclarecer o conceito de "companhia aberta ou assemelhada", previsto na Instrução CVM nº 332/00 ("Instrução CVM 332"), para fins de programa de certificado de depósito de valores mobiliários – Brazilian Depositary Receipts Nível III que os Consulentes pretendem estruturar ("Consulta").

Os Consulentes afirmaram, acerca do programa de BDR a ser estruturado, que a VBI iria constituir uma "investment company" nos Estados Unidos, denominada VBI US RE Holdco ("Emissora"), a qual iria patrocinar programa de BDR Nível III, nos termos do art. 3º, III, da Instrução CVM 332, com consequente (i) registro da oferta pública dos BDRs no Brasil, nos termos da Instrução CVM nº 400/00 e (ii) registro da VBI US RE Holdco como emissora de valores mobiliários admitidos à negociação em mercados regulamentados de valores mobiliários no Brasil, nos termos da Instrução CVM nº 480/09. A Emissora seria constituída com objetivo de investir em: (i) ativos imobiliários; (ii) empresas imobiliárias (REITs) privadas ou listadas; (iii) ações preferenciais de empresas imobiliárias; (iv) títulos de dívida de empresas imobiliárias; e (v) participações em real estate companies.

Segundo os Consulentes, a figura da investment company nos EUA é regulada e comporta-se, do ponto de vista de governança, de forma muito semelhante às companhias abertas brasileiras. Neste sentido, destacou-se que a Emissora teria seu capital social dividido em ações ordinárias não resgatáveis e que seria garantido a seus titulares direito a voto e a rendimentos oriundos da sua atividade. Além disso, afirmou-se que "a Emissora [seria] registrada no estado de Delaware e sua constituição e oferta pública de suas ações [seriam] também registradas junto à Securities Exchange Comission – SEC (“SEC”), contando, adicionalmente, com a revisão prévia da Financial Industry Regulatory Authority – FINRA (“FINRA”)". Adicionalmente, os Consulentes informaram que as ações da Emissora seriam negociadas em mercado de bolsa de valores e custodiados em países cujos órgãos reguladores (i) tenham celebrado com a CVM acordo de cooperação sobre consulta, assistência técnica e assistência mútua para a troca de informações ou (ii) sejam signatários do memorando multilateral de entendimento da Organização Internacional das Comissões de Valores (IOSCO). Por fim, a Emissora contaria com os seguintes órgãos sociais: assembleia geral, conselho de administração e diretoria.

Isto posto, os Consulentes esclareceram que a Consulta decorre das recentes alterações regulatórias que flexibilizaram o investimento em BDR, bem como das alterações normativas promovidas desde a decisão do Colegiado da CVM no Processo CVM nº RJ2006/1378, de 15.08.2006. Na opinião dos Consulentes, a estrutura por eles apresentada enquadrar-se-ia na Instrução CVM 332, uma vez que a VBI US RE Holdco, observadas as preocupações já externadas pela CVM, seria um veículo equivalente às companhias abertas brasileiras do "ponto de vista regulatório, de governança e registral”, e afirmaram que "para todos os fins práticos a VBI US RE Holdco seria equivalente a uma companhia aberta brasileira, com o objeto social de holding company, voltada para o investimento em ativos do mercado imobiliário norte americano e com governança semelhante àquela observada nas companhias abertas pátrias". Adicionalmente, os Consulentes destacaram seu entendimento no sentido de que a decisão do Colegiado da CVM no Processo CVM nº RJ2006/1378 não seria aplicável ao presente caso, pois: (i) estaria desatualizada em relação ao atual ambiente institucional, macro e microeconômico brasileiro; (ii) apresentou certas contradições entre os seus fundamentos e a decisão final; e (iii) teria uma visão limitada em relação ao segmento investment company, pois não contemplava operações como as do caso em tela.

Por fim, considerando a estrutura apresentada, XP Investimentos e VBI indagaram se: (i) a VBI US RE Holdco poderia ser considerada uma companhia aberta ou assemelhada para fins da Instrução CVM 332, não se aplicando, dessa forma, os efeitos da decisão do Colegiado da CVM no Processo CVM nº RJ2006/1378; e (ii) em caso negativo, se haveria a possibilidade de dispensa da regra constante na Instrução CVM 332.

A Superintendência de Registro de Valores Mobiliários – SRE, em análise no Memorando nº 149/2020-CVM/SRE/GER-2 ("Memorando SRE"), destacou, preliminarmente, que o caso analisado no Processo CVM nº RJ2006/1378 possuía estrutura distinta da apresentada nesta Consulta. Naquele caso, em que pese o ofertante também se tratar de sociedade por ações, tendo por objeto social o investimento de "recursos visando a diversificação de riscos e assegurando a seus investidores os benefícios resultantes da administração de seus ativos", o lastro dos BDRs seriam quotas de subfundos por ele administrados, "registradas para negociação na Bolsa de Valores de Luxemburgo e distribuídas ao público através de ofertas públicas ou privadas" – e não ações emitidas por aquele ofertante.

No caso concreto, a Emissora seria uma investment company, constituída sob a regulação de Delaware (EUA) ao amparo do Investment Company Act of 1940, com o capital social dividido em ações ordinárias. A estrutura proposta prevê, ainda, o registro tanto da Emissora como da oferta pública de suas ações junto à SEC, com as ações a serem admitidas à negociação em mercado não informado, mas sediado em país com o qual a CVM tem acordo de cooperação ou seja signatário de memorando multilateral de entendimentos da IOSCO.

Assim, ao analisar a Consulta, a área técnica partiu da premissa de que, à luz da regulação brasileira, não caberiam questionamentos acerca da equiparação de uma entidade estrangeira emissora de ações a companhia aberta, para fins de emissão de BDRs lastreados em tais ações. Na visão da SRE, o requisito do art. 2º da Instrução CVM 332 estaria formalmente atendido. Adicionalmente, quanto aos demais requisitos do referido artigo, a área técnica afirmou que "as características da estrutura da oferta pretendida, conforme declaradas na Consulta, de fato se [prestariam] a atender àquelas disposições".

Em relação à eventual existência de arbitragem regulatória no estabelecimento de programas de BDR lastreados em ações da VBI US RE Holdco, a área técnica destacou que (i) a Emissora teria como objetivo investir em ativos imobiliários, empresas imobiliárias (REITs) privadas ou listadas, ações preferenciais de empresas imobiliárias, títulos de dívida de empresas imobiliárias e participações em real estate companies (partnerships, JVs, Corporations, etc) e que (ii) estaria sob o arcabouço regulatório do Investment Company Act e do Investment Advisers Act. A esse respeito, a SRE afirmou que, no Brasil, por razões tributárias, prevalece no mercado local a constituição de veículos de investimento que atuam à semelhança das investment companies, não na forma societária, mas sim por meio de fundos de investimento. Isto posto, a SRE acrescentou que ambas as jurisdições preveem não somente a regulação do veículo de investimento como também submetem a entidade responsável pela gestão e administração de tais veículos a regulação específica.

Nesse sentido, de acordo com a área técnica, afastar-se-ia uma preocupação levantada no âmbito do Processo CVM nº RJ2006/1378, na medida em que, no presente caso, a atividade da Emissora seria conduzida por administrador sujeito à regulação daquele mercado, de forma similar ao que ocorre na regulação brasileira em relação aos fundos de investimento. Além disso, ressaltou que a VBI é registrada como administrador de carteira, ao amparo da Instrução CVM nº 558/15, na categoria "Gestor de Recursos", desde 18.06.2010 e ainda, conforme apresentou a Consulta, seria registrada junto à SEC nos termos do Investment Advisers Act.

Ante o exposto, a SRE concluiu "ser possível a caracterização da VBI US RE Holdco enquanto assemelhada à companhia aberta para fins do art. 2º da Instrução CVM 332". No entanto, considerou ser oportuna e necessária a avaliação do Colegiado sobre a questão, tendo em vista as relevantes similitudes entre a forma de atuação da Emissora quando comparada à indústria local de fundos de investimento.

O Colegiado começou sua análise destacando que, nos termos da Instrução CVM 332, podem emitir BDRs companhias abertas ou assemelhadas. Assim, quando o tipo societário do emissor estrangeiro não tem correspondência perfeita com o da companhia aberta brasileira – seja porque não há, no país em que foi constituído, um tipo exato, seja porque, naquele país, há mais de um tipo societário assemelhado a uma companhia aberta brasileira – cabe verificar se o tipo societário do caso concreto se assemelha a uma companhia aberta brasileira.

Prosseguiu o Colegiado destacando que o requisito de semelhança não se traduz em uma perfeita equiparação entre os tipos societários previstos aqui e no exterior – até porque mesmo nas sociedades anônimas existem diferenças relevantes entre o direito pátrio e o de outros países. Embora muitas dessas diferenças possam criar espaços para arbitragens, o Colegiado destacou que, a princípio, deve ser prestigiada a liberdade dos particulares para escolherem, dentre as estruturas disponíveis, aquela que julgarem mais convenientes, observadas as regras vigentes.

O Colegiado pontuou, então, que o exame de casos como o sob análise deve consistir em verificar se o emissor estrangeiro preenche os requisitos essenciais de uma companhia aberta brasileira, notadamente: (i) personalidade jurídica, (ii) responsabilidade limitada dos acionistas, (iii) ações admitidas a negociação em bolsa ou mercado organizado, (iv) administração delegada, que possua como instância máxima (ou única) um órgão colegiado, e (v) direito dos acionistas de voto e a dividendos. Orientou que, nos casos futuros, os requerentes demonstrem como satisfazem a esses requisitos.

Especificamente no tocante às investment companies constituídas com fulcro no Investment Act estadunidense, o Colegiado destacou que se trata de um conceito que abarca figuras bastante diferentes. Assim, o fato de uma companhia ser constituída como uma investment company não é, por si e exclusivamente, suficiente nem determinante para fins de analisar se a companhia estrangeira é ou não assemelhada a uma companhia aberta brasileira para fins do art. 2º da Instrução CVM 332.

No caso em tela, à luz das características descritas no Memorando SRE, o Colegiado entendeu que a VBI preenche os requisitos referidos acima, sendo, portanto, assemelhada a uma companhia aberta brasileira para fins do disposto na Instrução CVM 332. Assim, o Colegiado, por unanimidade, entendeu que o emissor de lastro de BDRs pode estar organizado nos termos da Consulta.

O Colegiado por fim ressaltou que embora a Resolução CVM nº 3, de 11.08.2020, tenha sido recentemente adotada, os diversos casos surgidos desde então que discutem as ofertas e os emissores de BDR, e as considerações sobre assimetrias regulatórias feitas pelas áreas técnicas em suas respectivas manifestações, acostadas nos autos deste processo, reforçam a necessidade de revisão da Instrução CVM 332 no âmbito do projeto normativo sobre os BDR, o qual já está previsto na agenda regulatória de 2021.

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