CVM agora é GOV.BR/CVM

 
Você está aqui:

Decisão do colegiado de 12/01/2021

Participantes

• MARCELO BARBOSA – PRESIDENTE
• GUSTAVO MACHADO GONZALEZ – DIRETOR
• FLÁVIA MARTINS SANT’ANNA PERLINGEIRO – DIRETORA
• ALEXANDRE COSTA RANGEL – DIRETOR

Reunião realizada eletronicamente, por videoconferência.

PEDIDO DE DISPENSA DE REQUISITO NORMATIVO – G2D INVESTMENTS, LTD. – PROC SEI 19957.006243/2020-32

Reg. nº 2029/21
Relator: SEP

Trata-se de pedido apresentado por G2D Investments, Ltd. ("G2D" ou "Companhia") solicitando dispensa de requisito previsto no artigo 1º, inciso I, alínea “a”, do Anexo 32-I da Instrução CVM nº 480/2009 (“Instrução CVM 480”), em relação a suas receitas, para fins de classificação da Companhia como emissor estrangeiro, no âmbito da análise do registro inicial de companhia estrangeira, categoria A, realizada em razão do pedido de registro de oferta pública primária de BDR Patrocinado Nível III.

Ao analisar o pedido de dispensa nos termos do Relatório nº 2/2021-CVM/SEP/GEA-1, a Superintendência de Relações com Empresas – SEP destacou inicialmente que, de acordo com o art. 1º, inciso I, do Anexo 32-I da Instrução CVM 480, os certificados de depósito de valores mobiliários – BDR podem ter como lastro ações emitidas por emissores estrangeiros que sejam registrados e estejam sujeitos à supervisão da entidade reguladora do mercado de capitais de seu principal mercado de negociação e que observem, ainda, um dos seguintes critérios: (a) tenham ativos e receitas no Brasil que correspondam a menos de 50% (cinquenta por cento) daqueles constantes das demonstrações financeiras individuais, separadas ou consolidadas, prevalecendo a que melhor representar a essência econômica dos negócios para fins dessa classificação; ou (b) cujo principal mercado de negociação atenda aos requisitos previstos no § 7º deste artigo.

A esse respeito, a área técnica observou que, na declaração da condição de emissor estrangeiro, de que trata o art. 2º, Inciso XVII, do Anexo 3 da Instrução CVM 480, apresentada em conjunto com o pedido de registro inicial, em 09.09.2020, a Companhia afirmou possuir "ativos e receitas no Brasil que correspondem a menos de 50% (cinquenta por cento) daqueles constantes das suas demonstrações financeiras carve-out referentes ao período de sete meses findo em 31 de julho de 2020, sendo estas as que melhor representam a essência econômica dos negócios da Companhia para fins dessa classificação, conforme exigido nos termos do Artigo 1º, inciso I, alínea “a” do Anexo 32-I da Instrução CVM 480".

No entanto, nos termos de sua análise inicial do assunto, consubstanciada no Memorando nº 73/2020-CVM/SEP/GEA-1, a SEP havia identificado, naquela ocasião, que ao se desconsiderar o caixa da G2D em dólar, a maioria dos ativos da Companhia encontrava-se localizada no Brasil.

Na sequência, a SEP verificou que, em decorrência disso, após ter sido informada por meio do Ofício-Conjunto n.º 185/2020- CVM/SRE/SEP, a Companhia efetuou novos aportes em suas investidas no exterior, conforme demonstrado na nota explicativa nº 10 (eventos subsequentes), integrante das demonstrações financeiras de 30.09.2020, de modo que, na data do pedido da G2D de retomada da análise (11.12.2020) - que havia sido interrompida a pedido da Companhia -, os ativos da Companhia foram apresentados de forma aderente ao requerido pela norma. Já em relação a suas receitas, a fim de demonstrar sua origem, a G2D buscou informações junto às próprias empresas investidas, considerando que as demonstrações financeiras da Companhia não são consolidadas. Assim, de acordo com a área técnica, a memória de cálculo foi preparada com base em informações recebidas das empresas do portfólio da Companhia, as quais não são verificáveis por não integrarem as demonstrações financeiras do emissor.

Sendo assim, consoante descrito em sua primeira análise, a SEP concluiu que, pela leitura do artigo 1º, inciso I, do Anexo 32-I da Instrução CVM nº 480/2009, depreende-se que as receitas às quais a norma se refere são aquelas encontradas nas próprias demonstrações financeiras do emissor. E nesse sentido, seria possível constatar, com base nas demonstrações financeiras de 30.09.2020, elaboradas especialmente para fins de registro, que a G2D ainda não auferiu receitas desde a sua constituição (27.07.2020), tendo sido reconhecida, na data base de 30.09.2020, uma perda não realizada de R$ 16.324.000,00, relativa à variação do valor justo de suas investidas ao longo daquele período.

Nesse contexto, de acordo com a SEP, ainda que se utilize as demonstrações financeiras carve out, de 30.09.2020, consideradas pelo emissor como "as que melhor representam a essência econômica dos negócios da Companhia", verifica-se que a G2D auferiu, nos 9 (nove) primeiros meses de 2020, uma receita total (na forma de ganhos não realizados) de R$ 40.341.000,00, proveniente, em sua maior parte, da mudança no valor justo da fintech brasileira Blu, conforme apresentado na nota explicativa nº 6, integrante dessas demonstrações financeiras, e nos comentários dos administradores presentes no item 10.1.h (alterações significativas em cada item das demonstrações financeiras) do Formulário de Referência, fato este que também se repetiu nas demonstrações de 2019.

Por essas razões, à luz da atual redação da norma, no que tange às receitas da G2D, a SEP entendeu que a Companhia não se enquadra no requisito previsto no art. 1º, inciso I, letra "a", do Anexo 32-I da Instrução CVM 480.

Em contraponto a este entendimento, a G2D encaminhou um Parecer Técnico-Contábil, elaborado pelo professor Eduardo Flores, em que se argumenta principalmente que o critério de verificação de receitas no exterior exigido pelo artigo 1º, inciso I, alínea “a” do Anexo 32-I da Instrução CVM 480 não deveria ser aplicável a organizações cujos modelos de negócios são administrar participações societárias e/ou entidades para investimentos. Nesse sentido, o referido Parecer afirmou essencialmente que: (i) as entidades de investimentos não consolidam suas investidas mesmo quando exercem controle sobre esses investimentos, e (ii) o critério de receita não se adequa às entidades de investimentos à medida que essas empresas reconhecem em rubricas de resultados, quer seja na forma de receitas, quer seja na forma de despesas, ajustes a valor justo de investimentos, os quais não necessariamente sempre produzirão receitas, e isto poderia inviabilizar o registro, como emissor estrangeiro, de entidade de investimentos, não pela respectiva entidade não ter a majoritária parte das suas atividades no exterior, mas pelo critério de receitas não conseguir capturar que: (a) as entidades de investimentos não possuem receitas orgânicas da venda de produtos ou prestações de serviços; (b) as investidas e controladas das entidades de investimentos não são consolidadas em suas demonstrações contábeis conforme expediente normativo do CPC 36; e (c) os ajustes a valor justo reconhecidos nos resultados das entidades de investimentos podem gerar receitas ou despesas no resultado de empresas deste tipo, cenário não previsto no Anexo 32-I da Instrução CVM 480.

Nessa esteira, diante de alegada inadequação para a demonstração da essência econômica da Companhia e para sua caracterização como emissor estrangeiro, a Companhia solicitou dispensa do requisito previsto no artigo 1º, inciso I, alínea “a” do Anexo 32-I da Instrução CVM nº 480/2009, qual seja, possuir receitas no Brasil que correspondam a menos de 50% (cinquenta por cento) daquelas constantes das demonstrações financeiras individuais, separadas ou consolidadas, prevalecendo a que melhor representar a essência econômica dos negócios da Companhia para fins dessa classificação.

Em sua análise, a SEP afirmou que, apesar de os argumentos trazidos no pedido serem válidos, não há previsão de dispensa na norma para casos análogos ao que ora se apresenta, sendo uma possível alternativa para o caso concreto a apresentação das demonstrações financeiras de cada uma das empresas investidas, traduzidas para o vernáculo, como forma de tornar possível a comprovação da origem das receitas do emissor.

Além disso, considerando que o texto do artigo trata de "ativos" e "receitas" de forma ampla e genérica, a SEP recomendou que a Superintendência de Desenvolvimento de Mercado – SDM avaliasse a possibilidade de eventuais aprimoramentos pontuais em relação ao detalhamento desses critérios, para abarcar situações de emissores com estruturas societárias semelhantes à apresentada neste processo.

Nesse contexto, a SEP considerou adequado submeter a matéria à apreciação do Colegiado da CVM para deliberação acerca do pedido.

O Diretor Gustavo Gonzalez começou assinalando que o fato de uma norma não prever expressamente a possibilidade de a CVM dispensar o cumprimento de exigências nela contidas não constitui óbice à concessão de dispensas em um caso concreto. Quando a exigência não tem fundamento legal, mas normativo, pode o Colegiado, a quem compete editar as normas, afastá-las à luz das características do caso concreto.

O Diretor Gustavo Gonzalez destacou que, diferentemente do observado em outros casos recentemente analisados pelo Colegiado, as questões que motivam este processo não decorrem das mudanças introduzidas pela Resolução CVM nº 3. Nesse sentido, lembrou que outras sociedades de investimento estrangeiras já realizaram ofertas públicas no Brasil, que alcançaram, inclusive, os investidores de varejo.

Para Gonzalez, a decisão acerca da concessão da dispensa deve considerar as finalidades da regra que se pretende afastar e as características do caso concreto. Segundo o Diretor, o caso em tela não indica uma situação em que uma companhia genuinamente brasileira constitui uma holding no exterior para não ter de se sujeitar às regras contidas na Lei nº 6.404/1976, preocupação que motivou a atual definição normativa de emissor estrangeiro, mas sim uma verdadeira sociedade de investimentos estrangeira que busca rentabilidade em investimentos em diferentes mercados, inclusive o brasileiro.

Gonzalez entendeu, ainda, que a Recorrente logrou trazer fartas evidências demonstrando que os critérios definidores de emissor estrangeiro constantes da Instrução CVM nº 480/2009 são inadequados para sociedades de investimento, cujas demonstrações financeiras não consolidam as demonstrações das investidas, mas registram o valor dos investimentos a valor justo. Sobre esse ponto, reportou-se ao parecer técnico apresentado pela Recorrente.

Por fim, no tocante às possíveis arbitragens regulatórias, reportou-se à decisão do Colegiado no Proc. 19957.007302/2020-90, analisado na reunião de 05.01.2021, assinalando que, a despeito das semelhanças, existem importantes diferenças entre as sociedades de investimento e os fundos de investimento, inclusive os FIPs.

Diante do exposto, votou pela concessão da dispensa nos termos requeridos.

O Diretor Alexandre Rangel, acompanhando os fundamentos e conclusões do Diretor Gustavo Gonzalez, votou favoravelmente à dispensa solicitada pela Companhia.

Em complemento, Rangel frisou que (i) a finalidade do dispositivo objeto do pedido de dispensa consiste em evitar que entidades com atuação preponderante no Brasil se organizem no exterior e captem recursos no mercado nacional por meio de BDRs, furtando-se indevidamente à aplicação da legislação societária brasileira, sem coerência com a essência econômica das atividades empresárias desenvolvidas, situação que não se confunde com o caso concreto; (ii) a Companhia comprovou especificidades próprias, típicas de sociedade de investimento, inclusive de natureza contábil, as quais demonstram que os critérios previstos no art. 1°, inciso I, alínea “a”, do Anexo 32-1 da Instrução CVM n° 480/2009 não se adequam à Companhia; e (iii) no caso concreto, a referida inadequação é confirmada pelo fato de que, no quesito dos ativos, foi necessário um remanejamento – conduzido de forma transparente com o regulador – de caixa no Brasil e investimentos no exterior para atendimento formal do percentual previsto no dispositivo; e, no quesito das receitas, o percentual previsto na norma não foi atendido somente em virtude de um aporte realizado por terceiro em uma investida brasileira da Companhia, o que gerou uma atualização positiva do valor justo de tal investida no âmbito da Companhia.

A Diretora Flávia Perlingeiro destacou que, em que pese a possibilidade de registro de sociedade de investimento estrangeira como emissor estrangeiro de BDRs não consubstanciar novidade trazida pela Resolução CVM n° 3/2020, uma das alterações introduzidas pela referida norma foi a alteração da regra contida no art. 1°, inciso I, alínea “a”, do Anexo 32-1 da Instrução CVM n° 480/2009, justamente para incluir referência a “receitas”, dispositivo que, anteriormente, fazia menção apenas a “ativos”.

Em acréscimo, pontuou que o referido dispositivo se aplica a todos os tipos de emissores estrangeiros, embora não tenha sido moldado, tampouco excepcionado, para a situação específica de sociedade de investimento que não consolida seus investimentos adotando a mensuração a valor justo, razão pela qual são pertinentes as ponderações relativas à dispensa.

Não obstante, diante do fato de que a sociedade de investimentos emissora dos BDRs, por sua vez, também investe em outra sociedade de investimentos e em fundo de investimento estrangeiros, a Diretora Flávia indagou à área técnica se há nos autos informações e documentos suficientes a demonstrar que, considerado o conjunto de investidas finais, há a preponderância de ativos e receitas no exterior, à luz do critério erigido na norma (i.e. ativos e receitas no Brasil que correspondam menos de 50% dos constantes nas demonstrações financeiras).

Diante da indagação, a SEP esclareceu que não conta com a abertura de dados com relação aos ativos finais investidos pelos referidos veículos de investimento estrangeiros, tampouco com relação às receitas auferidas pelas investidas finais, razão pela qual apresentou a possível alternativa para análise do caso concreto, referida no item 21 do Relatório n° 2/2021-CVM/SEP/GEA-1, no sentido de analisar as demonstrações financeiras de cada uma das empresas investidas.

Nos debates, foi também discutida a necessidade de revisão e aprimoramento das disposições pertinentes da Instrução CVM n° 332/2000 e da Instrução n° 480/2009, o que inclusive já consta da agenda regulatória da CVM para 2021, ao que foi pedida prioridade aos trabalhos a serem conduzidos pela SDM, de forma a que as dúvidas suscitadas neste processo, e outros temas correlatos, sejam objeto de discussão e tratamento regulatório na brevidade possível. O Presidente Marcelo Barbosa e a Diretora Flávia Perlingeiro manifestaram preocupação com assimetria regulatória a ser discutida no âmbito do processo de revisão normativa.

De todo modo, tendo em vista os objetivos da norma hoje em vigor, a razoabilidade dos argumentos apresentados no Parecer Técnico-Contábil e as ponderações decorrentes do debate tido na reunião, o Presidente Marcelo Barbosa e a Diretora Flávia Perlingeiro concordaram com a concessão da dispensa requerida, porém condicionada à apresentação pela Companhia das demonstrações financeiras individuais auditadas das investidas e outros documentos que permitam à Área Técnica concluir pela referida preponderância de ativos e receitas no exterior, considerado o conjunto das investidas finais.

Assim, o Colegiado, por unanimidade, aprovou a concessão da dispensa requerida, sendo que, por maioria, em razão do voto de qualidade do Presidente, a condicionou ao cumprimento da verificação pela SEP da demonstração acima referida, vencidos, neste aspecto, os Diretores Gustavo Gonzalez e Alexandre Rangel.

Voltar ao topo