CVM agora é GOV.BR/CVM

 
Você está aqui:

Decisão do colegiado de 24/08/2021

Participantes

• MARCELO BARBOSA – PRESIDENTE
• FLÁVIA MARTINS SANT’ANNA PERLINGEIRO – DIRETORA
• ALEXANDRE COSTA RANGEL – DIRETOR
• FRANCISCO JOSÉ BASTOS SANTOS – DIRETOR SUBSTITUTO (**)

(**) De acordo com a Portaria ME n° 276/2020 e a Portaria CVM/PTE/Nº 115/2021, participou somente da discussão do Proc. SEI 19957.005732/2021-58 (Reg. 2286/21).

Reunião realizada eletronicamente, por videoconferência.

RECURSO CONTRA DECISÃO DA SIN/SSE – REFAZIMENTO E REAPRESENTAÇÃO DE DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS DE FUNDO – PLANNER TRUSTEE DTVM LTDA. – PROC. SEI 19957.004079/2017-23

Reg. nº 2285/21
Relator: SSE/GSEC-1

Trata-se de recurso interposto por Planner Trustee DTVM Ltda. (“Planner”, "Recorrente" ou "Administradora"), na qualidade de Administradora do Infra Real Estate FII ("Fundo"), contra decisão da Superintendência de Supervisão de Investidores Institucionais – SIN, constante do Ofício nº 31/2021/CVM/SIN/DLIP (“Ofício nº 31”), que determinou o refazimento e a reapresentação das demonstrações financeiras anuais completas datas-base 30/06/2014; 30/06/2015; 30/06/2016; 30/06/2017, 30/06/2018; 30/06/2019 e 30/06/2020 do Fundo, e o refazimento e a reapresentação dos informes periódicos divulgados no curso dos referidos exercícios sociais.

Após comunicação encaminhada pelo Ministério Público do Estado de Tocantins, a SIN observou que, em 11/09/2013, o Fundo adquiriu ações ordinárias da Rio Jacutinga Participações S.A. ("Rio Jacutinga") por R$ 18.000.000,00 (dezoito milhões), sendo que: (i) na data-base 30/06/2014, o seu patrimônio líquido já somava R$ 98.482.000,00 (noventa e oito milhões quatrocentos e oitenta e dois mil reais), predominantemente impactado pela marcação a valor justo do ativo em referência; e (ii) no Informe Mensal de 10/2013 (alguns dias após a aquisição do ativo) o patrimônio líquido do Fundo já somava R$ 98.846.000,00 (noventa e oito milhões quatrocentos e oitenta e seis mil reais). De acordo com informações prestadas pela Administradora, o objetivo da aquisição da Rio Jacutinga - que possui como único ativo um terreno - era a construção de um empreendimento imobiliário voltado ao setor logístico. Assim, após realizada análise, a área técnica entendeu que havia incorreções quanto à contabilização de imóvel (terreno) de propriedade da Rio Jacutinga, com riscos de que o patrimônio líquido do Fundo estivesse sobreavaliado.

Em síntese, a SIN verificou que a Planner contabilizou o investimento na Rio Jacutinga no ativo circulante como sendo “títulos e valores mobiliários”, subconta “ações de companhias fechadas”, afirmando mensurar o ativo a valor justo com base no potencial de incorporação (construção) do imóvel desde o seu registro inicial até a data-base 30/06/2019. Ademais, a Administradora abriu a rubrica em questão por meio de notas explicativas, apresentando informações sobre o valor justo da gleba nua e o valor da incorporação, os quais, somados, conduzem ao valor justo total do ativo. Como exemplo, a SIN destacou que tais valores na data-base 30/06/2019 eram de R$ 67.618.000,00 (sessenta e sete milhões seiscentos e dezoito mil reais) e R$ 19.982.000,00 (dezenove milhões novecentos e oitenta e dois mil reais), respectivamente, totalizando R$ 87.600.000,00 (oitenta e sete milhões seiscentos mil reais), estando a rubrica contabilizada no ativo circulante até o momento da análise da área técnica.

Em sua análise, a SIN destacou que nesses tipos de FII, conforme normas contábeis dispostas na Instrução CVM nº 516/2011, o ativo imobiliário deve ser classificado como propriedade para investimento (ativo não circulante), se o modelo de negócio for a obtenção de renda e/ou apreciação de capital, devendo ser mensurado, via de regra, a valor justo. Ademais, a SIN concordou com a conclusão da Superintendência de Normas Contábeis e de Auditoria – SNC de que, considerando a essência da transação e do ativo adquirido no caso concreto, trata-se de aquisição de um ativo e não de um negócio, de forma que se deveria buscar o adequado tratamento contábil para imóveis, à luz dos artigos 6º ao 10º da Instrução CVM nº 516/2011, “devendo o ativo (terreno) ser apresentado nas demonstrações financeiras do FII Infra”. Na mesma linha, a área técnica observou que, no laudo de avaliação do ativo data-base agosto/2013, a metodologia empregada para apuração do Valor Presente Líquido - VPL consistiu na projeção de fluxo de caixa de contratos de aluguéis estimados dos galpões logísticos, denotando que o propósito do ativo adquirido seria baseado na renda de locação.

Além disso, a SIN identificou inconsistências na mensuração do valor justo do ativo quanto ao que determina o Pronunciamento Técnico CPC 46 (“CPC 46”), relacionadas às premissas utilizadas no laudo de avaliação, indicando que não teriam sido baseadas em participantes do mercado. Assim, com base nos arts. 5º a 8º da Instrução CVM nº 516/2011, a área técnica entendeu que havia incertezas relevantes sobre o fluxo de caixa do “imóvel para renda em construção” até o término da obra e início da operação, inviabilizando, via de regra, a mensuração do ativo a valor justo de maneira confiável até que o projeto estivesse concluído. Portanto, por meio do Ofício nº 31 foi determinado que: (i) o ativo Rio Jacutinga fosse registrado no ativo não circulante, subconta propriedade para investimento, sendo necessária a reclassificação da rubrica; e (ii) o terreno deveria ser mantido pelo valor de custo de aquisição para o Fundo.

Em sede de recurso, inicialmente, a Administradora concordou que o ativo deveria ter sido classificado como ativo não circulante, subclasse investimento, por se tratar de propriedade de investimento, tendo informado que adotaria as medidas de adequação. Não obstante, a Recorrente discordou do entendimento da área técnica de que havia incertezas relevantes sobre o fluxo de caixa do “imóvel para renda em construção”, o que inviabilizaria a mensuração do ativo a valor justo de maneira confiável até que o projeto estivesse concluído.

Sobre esse ponto, a Recorrente argumentou essencialmente que: (i) de acordo com os dispositivos supramencionados, a mensuração a valor justo não seria mera opção, mas obrigação. Ademais, na sua visão, mesmo se tivesse optado por registrar o investimento pelo seu valor de custo, ainda existiria a obrigação por parte do Fundo de divulgar o valor justo em nota explicativa, de acordo com o Pronunciamento Técnico CPC 28 (“CPC 28”). Desse modo, não haveria correlação entre a necessidade de existir contrato de built to suit com mensuração a valor justo, conforme ressalva constante do Ofício nº 31; (ii) a operação foi fundamentada em um “negócio”, de modo que, o fato de a obra não ter sido iniciada em razão de condições de mercado, não implicaria a conclusão imediata de não se tratar de um negócio; (iii) o laudo de avaliação produzido (agosto/2013) é confiável e reflete o critério de "highest and best use", estando a mensuração correta à luz do CPC 28 e do CPC 46; e (iv) seria necessário retratar seus ativos a valor justo, a fim de evitar diluição injustificada em caso de novos aportes ou mesmo de cotas tomando por base uma precificação equivocada dos ativos que compõe a sua carteira.

Por fim, a Recorrente sustentou que: (i) a reclassificação contábil (do ativo circulante para o não circulante) poderia ser feita com inclusão em nota explicativa específica nos termos do item 49 do Pronunciamento Técnico CPC 23; e (ii) a determinação de refazimento deveria ter sido feita para um período curto, com limitação temporal que não poderia ultrapassar os três últimos exercícios da data da decisão da área técnica.

Ao analisar o recurso por meio do Ofício Interno nº 17/2021/CVM/SSE/GSEC-1, a Superintendência de Supervisão de Securitização – SSE destacou inicialmente que os Fundos de Investimento Imobiliário devem aplicar as normas contábeis previstas na Instrução CVM nº 516/2011 e, não havendo previsão na referida Instrução, devem ser aplicados os procedimentos contábeis previstos nos CPCs aprovados pela CVM.

Em relação ao caso, a SSE ressaltou que o ativo em análise se refere à propriedade para investimento em construção, observando-se que, passados sete anos após a aquisição, a construção não se iniciou. Assim, considerando o disposto nos arts. 7º e 8º da Instrução CVM nº 516/2011, e o modelo de negócio adotado para o imóvel no laudo de avaliação de agosto/2013 (obtenção de renda com a construção de galpões logísticos para aluguel), a SSE entendeu que “deveria ter sido observado as diretrizes do PT CPC 46 para a mensuração do valor justo de ativo não financeiro, que no caso requer a aplicação do conceito highest and best use, na perspectiva de um participante de mercado”. Nesse sentido, a área técnica fez referência às premissas indicadas nos itens 9, 27 e 31 do CPC 46.

Ademais, a SSE ressaltou que a análise dos laudos de avaliação encaminhados pela Recorrente demonstra evidências de desvio na apuração do valor justo do ativo Rio Jacutinga, em desconformidade com os requisitos constantes do CPC 46, resumidas abaixo:

(i) apresentação como ativo financeiro (classificado como título para negociação) de um imóvel cujo modelo de negócio declarado é o desenvolvimento de um empreendimento imobiliário para renda (galpões logísticos);

(ii) mensuração desses ativos financeiros a "valor justo" tendo como base o potencial de construção do imóvel;

(iii) utilização de premissas e bases de avaliação que não trazem evidências do alinhamento ao conceito de valor justo estabelecido pela norma contábil; e

(iv) em abril de 2020, o Administrador adotou como base de avaliação o valor justo da gleba nua, alterando a prática até agora declarada do highest and best use pelo potencial de incorporação do imóvel ("o ativo que estava avaliado e marcado em R$ 87.600 mil (valor do projeto), foi alterado para R$ 67.280 mil (valor da terra nua), valor este estabelecido no laudo de avaliação base junho/2019" - conforme nota explicativa 4(ii) das demonstrações financeiras de 30/06/20). Ou seja, nas Demonstrações Financeiras de 30/06/2020 a Planner alterou a política contábil de mensuração do ativo, deixando de considerar seu potencial de construção e passando a marcar apenas a terra nua a “valor justo”.

Nesse contexto, a SSE entendeu que “há incertezas significativas sobre se o modelo de negócio pretendido é o highest and best use do ativo na perspectiva de participantes de mercado, devendo-se considerar ainda que, aparentemente, não foram sequer iniciadas as obras. Além disso, segundo adequadamente pontuado pela SNC, é clara a falta de consistência na aplicação dos procedimentos e práticas contábeis, ficando a impressão de que os mesmos possam ser adotados conforme a conveniência da Administradora”.

Desse modo, no entendimento da área técnica, não haveria, no caso concreto, condições suficientes e necessárias para a apuração do valor justo (conforme requer a norma contábil) de forma confiável, de maneira que o valor de custo deve ser utilizado até que haja condições suficientes para a mensuração do valor justo com confiabilidade ou a construção seja completada, o que ocorrer antes, conforme previsto nos itens 48 e 53 do CPC 28 e no art. 8º da Instrução CVM nº 516/2011.

Em seu relato durante a reunião de Colegiado, a área técnica destacou que o Administrador do Fundo alterou, nas demonstrações contábeis de 30/06/2020, a prática contábil até agora declarada de highest and best use pelo potencial de incorporação do imóvel, conforme descrito nas notas explicativas a essas demonstrações: "o ativo que estava avaliado e marcado em R$ 87.600 mil (valor do projeto), foi alterado para R$ 67.280 mil (valor da terra nua), valor este estabelecido no laudo de avaliação base junho/2019".

Em que pese a menção nas notas explicativas quanto à existência de laudo de avaliação de junho/2019, a área técnica confirmou que requereu à Planner o envio do mencionado laudo, o que não foi atendido.

Considerando, ainda, a informação das demonstrações financeiras de 30/06/2019 do Fundo, de que o valor do laudo de junho/2019 “não divergiu significativamente do valor mensurado pela empresa especializada anterior [laudo data-base novembro/2018], a Administradora optou por manter o mesmo valor”, a SSE concluiu que a técnica de avaliação continuou se baseando no valor justo do imóvel incluindo seu potencial de construção e que, assim como no laudo de junho/2018, o novo laudo apresenta um valor justo para a gleba nua baseado em estudo de viabilidade, em desacordo com o CPC 46.

Assim, no entendimento da área técnica, o valor justo da gleba nua apresentado nas últimas demonstrações contábeis do Fundo permanece sem amparo em uma mensuração confiável, para fins de atendimento ao disposto no art. 8 da Instrução CVM nº 516/2011.

Diante do exposto, a SSE opinou pela manutenção do entendimento de que o ativo Rio Jacutinga deve ser reclassificado para o ativo não circulante, como propriedade para investimento, com mensuração a valor de custo, até que haja condições suficientes para a mensuração do valor justo com confiabilidade ou a construção seja completada.

Quanto ao refazimento, a SSE, acompanhando a sugestão da SNC, e considerando a utilidade da informação, concluiu pela reforma de sua decisão, para determinar que a Planner refaça e reapresente a última demonstração financeira divulgada, na data-base de 30/06/2020, ajustando retrospectivamente o saldo de abertura do início do último exercício apresentado de forma comparativa, em linha com o que requer o Pronunciamento Técnico CPC 23, reapresentando, ainda, todos os informes mensais, trimestrais e anuais desde 30/06/2020 até a presente data.

O Colegiado, por unanimidade, acompanhando a manifestação da área técnica, deliberou pelo não provimento do recurso.

Voltar ao topo