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Decisão do colegiado de 27/12/2022

Participantes

• JOÃO PEDRO NASCIMENTO – PRESIDENTE
• FLÁVIA MARTINS SANT'ANNA PERLINGEIRO – DIRETORA (*)

• ALEXANDRE COSTA RANGEL – DIRETOR (*)
• OTTO EDUARDO FONSECA DE ALBUQUERQUE LOBO – DIRETOR (*)
• JOÃO CARLOS DE ANDRADE UZÊDA ACCIOLY – DIRETOR
(*)

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Participou por videoconferência.

PEDIDO DE INTERRUPÇÃO DO CURSO DO PRAZO DE CONVOCAÇÃO DE ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA DA GAFISA S.A. – PROC. 19957.015062/2022-69

Reg. nº 2772/22
Relator: SEP

Inicialmente, a CVM registrou a existência de decisão judicial proferida em 20.12.2022, pela Excelentíssima Juíza do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no âmbito do Processo n° 1001242-06.2022.8.26.0228 (“Decisão Liminar”), que interrompeu o curso do prazo de convocação para a Assembleia Geral Extraordinária (“AGE”) da Gafisa S.A. (“Companhia” ou “Gafisa”), convocada para o dia 02.01.2023. Considerando, entretanto, a independência entre as instâncias administrativa e judicial, e tendo em vista o caráter liminar da decisão, a CVM prosseguiu com a análise do pedido de interrupção em tela.

Trata-se de pedido de interrupção do curso do prazo de antecedência da convocação de AGE da Gafisa (“Pedido de Interrupção”), convocada diretamente pelo acionista Esh Theta Fundo de Investimento Multimercado ("ESH" ou "Fundo”) para o dia 02.01.2023, encaminhado à CVM por G.L.P.S. (“Requerente”), na qualidade de acionista e administrador da Companhia, nos termos do art. 124, §5°, II, da Lei n° 6.404/1976 (“LSA”).

Em breve histórico do caso, a Superintendência de Relações com Empresas – SEP relatou os pontos abaixo, nos termos do Parecer Técnico nº 156/2022-CVM/SEP/GEA-3 (“Parecer Técnico”).

Em 30.11.2022, o Fundo enviou à Companhia pedido de convocação de AGE ("Pedido de Convocação"), a fim de que fossem deliberados os seguintes assuntos:

“a. Aprovação da propositura de ação de responsabilidade contra os administradores e membros do Conselho Fiscal da Companhia, bem como demais responsáveis solidários, pelos prejuízos causados à Companhia em decorrência de atos ilícitos e operações irregulares (...) entre 2019 e 2022, nos termos do artigo 159 da Lei das S.A.;

b. Destituição dos membros do Conselho de administração e do Conselho fiscal, em virtude da quebra dos deveres fiduciários;

c. Eleição de administradores (diretores e membros do conselho de administração) e conselheiros fiscais, em substituição aos atuais integrantes dos órgãos sociais da Companhia, na forma do artigo 159, § 2° [da] Lei das S.A; [e]

d. Cancelamento e/ou não homologação do aumento de capital social objeto da divulgação realizada pela administração da Companhia em 25.11.2022, com fundamento nos artigos 117, 121 e 170, da Lei das S.A.”

Em 08.12.2022, o Conselho de Administração da Gafisa decidiu por aquiescer ao Pedido de Convocação, tendo a Companhia informado tal decisão ao mercado por meio de Fato Relevante na mesma data, sem, entretanto, convocar a assembleia ou mesmo informar quando o conclave seria realizado.

Em 12.12.2022, a ESH convocou diretamente (“Convocação ESH”), por meio de publicação de edital em jornais, e com base no art. 123, parágrafo único, alínea c, da LSA, AGE para o dia 02.01.2023, nos termos propostos no Pedido de Convocação (“AGE ESH”).

Em 15.12.2022, a Companhia enviou correspondência ao Fundo, com cópia para a CVM, informando que atenderia ao Pedido de Convocação, publicando até o dia 16.12.2022, edital de convocação em atendimento à solicitação do Fundo.

No mesmo dia 15.12.2022, o Requerente encaminhou o Pedido de Interrupção solicitando à CVM que:

“(i) interrompa o curso do prazo de convocação da assembleia objeto da Convocação ESH, na forma do art. 124, §5º, inciso II, da Lei das S.A. e do no artigo 68, §1° da Resolução CVM nº 81;

(ii) na sequência, reconheça a irregularidade da Convocação ESH, na forma do artigo 68, §2° da Resolução CVM n° 81, tendo em vista a manifesta ilegalidade (e ilegitimidade) do procedimento de convocação realizado pelo Fundo Solicitante;

(iii) concomitantemente ao item (ii) acima, reconheça a regularidade da Convocação Companhia, a qual atende tanto ao Pedido de Convocação apresentado pelo Fundo Solicitante quanto aos requisitos legais de forma e conteúdo impostos à Companhia.”

Em 16.12.2022, a Companhia, publicou edital convocando para o dia 09.01.2023 a AGE solicitada pelo ESH, nos termos propostos no Pedido de Convocação (“AGE Gafisa”).

Em 21.12.2022, a Gafisa encaminhou petição, requerendo que a CVM suspendesse a análise do Pedido de Interrupção, tendo em vista a satisfação dos efeitos por ele desejados a partir da concessão da Decisão Liminar pelo Poder Judiciário, datada de 20.12.2022.

As manifestações do Requerente, do Fundo e da Companhia foram destacadas nos itens 15 a 19 do Parecer Técnico. Resumidamente, o Requerente e a Companhia questionaram a legalidade da convocação da AGE, por parte do ESH, utilizando a prerrogativa prevista no art. 123, parágrafo único, c, da Lei das S.A.

Em sua argumentação, a Companhia distinguiu semanticamente os termos “atender” e “convocar”, indicando que, ao aprovar o Pedido de Convocação nos termos divulgados no Fato Relevante de 08.12.2022, teria atendido à solicitação do ESH, e que a Lei das S.A. é silente quanto ao prazo para que a efetiva convocação de AGE ocorra.

Em manifestação consubstanciada no Parecer Técnico nº 156/2022-CVM/SEP/GEA-3, a SEP ressaltou inicialmente que a presente análise se limitou ao pedido apresentado pelo Requerente, de interrupção do curso do prazo de antecedência de convocação da assembleia convocada pela ESH para o dia 02.01.2023, nos termos do art. 124, §5º, II, da LSA.

Em que pesem os argumentos da Companhia, na visão da SEP, dentro do contexto do art. 123 da LSA, não haveria espaço para interpretar que a Lei não prevê um prazo máximo para a convocação de assembleia geral a pedido de acionistas. Ao contrário, de acordo com a SEP, considerando que o art. 123 da LSA “diz respeito à competência da convocação de assembleias gerais, a simples aquiescência a um pedido de convocação não é atendimento a esse pedido”.

Assim, a SEP entendeu que “se há um pedido de convocação, o atendimento a esse pedido se dá pela convocação propriamente dita. Caso contrário, legitima-se que o acionista que formulou o pedido convoque a AGE”, nos termos do inciso “c” do parágrafo único do art. 123 da LSA.

Nesse contexto, a SEP observou que, não atendido pela Companhia o prazo de 8 dias previsto pela LSA, o Fundo solicitante convocou, no dia 12.12.2022, AGE para o dia 02.01.2023. Quanto a essa convocação, a área técnica destacou que: (i) o Fundo possui, conforme Formulário de Referência (“FRE”) de 16.12.2022, participação de 5,34% no capital social da Companhia, em atendimento ao inciso c, do parágrafo único do art. 123 da LSA, e ao art. 2º da Resolução CVM 70/2022; e (ii) a assembleia foi convocada com 21 dias de antecedência, em atendimento ao inciso II, §1º, do art. 124 da LSA. Ademais, na visão da área técnica, os itens constantes da ordem do dia não violam dispositivos legais ou regulamentares, inclusive “foram aprovados pela Administração da Companhia, conforme disposto no Fato Relevante do dia 08.12.2022 e são exatamente os mesmos da AGE convocada pela Companhia para o dia 09.01.2023 (AGE Gafisa)”.

Dessa forma, frente à situação apresentada, a SEP entendeu não ser possível afirmar que houve ilegalidade na convocação da AGE ESH por parte do Fundo.

Adicionalmente, a SEP ressaltou duas questões consideradas relevantes para o completo entendimento do caso concreto. Primeiramente, a área técnica pontuou que, após a publicação do edital da AGE ESH pelo Fundo Solicitante, o Requerente, ciente de tal convocação, protocolizou no dia 15.12.2022 o Pedido de Interrupção, e subsequentemente, a Companhia convocou outra AGE, com a mesma ordem do dia da AGE ESH, para o dia 09.01.2023, informando que a convocação se deu em atendimento à solicitação da ESH.

Conforme destacado pela área técnica, tal diferença de datas poderia ter um efeito no resultado das deliberações a serem tomadas na AGE, considerando o item (iv) da ordem do dia das AGE, que trata do “Cancelamento e/ou não homologação do aumento de capital social objeto da divulgação realizada pela administração da Companhia em 25.11.2022, com fundamento nos artigos 117, 121 e 170, da Lei das S.A.”.

Nesse sentido, a SEP apontou que, em 25.11.2022, a Companhia divulgou Aviso aos Acionistas informando da aprovação, pelo Conselho de Administração, de um aumento de capital no valor de até R$ 150.000.005,66, o que poderia, na hipótese de não exercício do direito de preferência, acarretar uma diluição de 40,19%. E, de acordo com o cronograma apresentado, e a critério da Administração, a homologação do aumento de capital poderia se dar a partir do dia 05.01.2023. Assim, a área técnica indicou que, entre as datas previstas para a AGE ESH (marcada para 02.01.2023) e a AGE Gafisa (marcada para 09.02.2023), há a possibilidade de uma alteração significativa no capital social da Companhia, que poderia alterar o resultado das deliberações a serem tomadas na AGE.

Diante dessas circunstâncias, a SEP entendeu que a Companhia deveria considerar adiar a homologação do aumento de capital até a efetiva deliberação da matéria em Assembleia Geral Extraordinária. Assim, a assembleia poderia decidir sem que o aumento de capital tenha produzido seus efeitos e diluído a participação de acionistas.

A segunda questão de relevância apontada pela SEP seria a não disponibilização, pela Companhia, no Sistema Empresas.Net, das informações fornecidas pelo Fundo para a realização da AGE de 02.01.2023, procedimento obrigatório nos termos do art. 7º. da Resolução CVM 81/2022.

A esse respeito, a Companhia afirmou que, no seu entendimento, a AGE ESH foi convocada de forma ilegal, e, em consequência disso, não haveria documentação alguma a ser enviada em preparação a este conclave.

Sobre essas questões, a SEP ressaltou a existência de dois processos administrativos instaurados pela área técnica para análise, respectivamente, da: (i) referida operação de aumento de capital; e (ii) reclamação protocolizada pelo Fundo, quanto ao não atendimento, dentro do prazo previsto na LSA, do Pedido de Convocação.

Ante o exposto, a SEP concluiu que o pedido de interrupção do curso do prazo de antecedência da convocação da AGE ESH, com fulcro no art. 124, §5°, II, da Lei n° 6.404/1976, deveria ser indeferido pela CVM.

O Diretor João Accioly apresentou manifestação de voto acompanhando integralmente o Parecer Técnico da SEP, tendo apresentado considerações sobre pontos trazidos pelo Requerente.

Em síntese, na visão do Diretor Accioly, embora o verbo “atender” seja polissêmico, “uma interpretação sistemática e mais atinente à teleologia do que a lei estabelece indica que o prazo de oito dias é para que a convocação seja efetivamente feita pelo conselho de administração”. Desse modo, sistematicamente, “deve-se ler que há oito dias para o conselho convocar a assembleia a pedido de acionistas, e a partir do nono dia os solicitantes passam a ser legitimados para convocá-la diretamente”.

Em outras palavras, João Accioly entendeu ser “mais correto e simples o mecanismo pelo qual atraso na convocação determina competência extraordinária no dia seguinte ao prazo que o conselho tem para exercer sua competência ordinária, do que o mecanismo pelo qual, em alguns casos, o conselho tem um prazo para convocar e noutros para dizer se vai convocar, um dia, não se sabe qual, mas que deverá estar sujeito a limites de “razoabilidade”, na prática permitindo que o conselho de administração esvazie o direito de convocação do minoritário qualificado”.

O Diretor João Accioly também se manifestou quanto à alegação da Gafisa sobre a existência de casos em que houve pedido de convocação de AGE por minoritários, na forma do art. 123, com convocações efetivadas após o prazo de 8 dias. A esse respeito, o Diretor destacou ser “regular a convocação feita após o prazo pelo legitimado ordinário, quando o legitimado extraordinário ainda não exerceu sua competência extraordinária. Assim, o fato de os conselhos de administração terem levado mais que oito dias para convocarem as assembleias nos casos apresentados em nada significa que incorreram em alguma ilegalidade (ao menos não por esse motivo isolado), apenas que aquelas companhias estiveram sujeitas, por alguns dias, a terem as assembleias convocadas por quem lhes apresentou os pedidos de convocação”. Segundo o Diretor, “a competência é concorrente, de modo que a convocação pelo conselho com mais de oito dias em nada a invalida”.

Sobre a alegada inconveniência da data de 2 de janeiro - primeiro dia útil do ano -, o Diretor João Accioly ressaltou que a “lei é silente quanto a isto”, sendo observado no caso “exercício regular da competência estabelecida em lei, em que o legitimado para convocar assembleia tem discricionariedade para fazê-lo com observância dos limites legais”. Ademais, o Diretor ponderou que “[q]uestionar a conveniência da data, fora manifesto abuso, seria adentrar o mérito da decisão, o que não é nem deveria ser competência desta CVM. Se a companhia desejasse convocar a AGE para outra data (...) que o tivesse feito dentro dos oito dias do recebimento do pedido do Esh Theta, quando este não estaria ainda legitimado para convocar diretamente a assembleia".

A Diretora Flávia Perlingeiro acompanhou as conclusões da SEP pelos fundamentos apontados no Parecer Técnico 156/2022-CVM/SEP/GEA-3. Acompanhou também as pertinentes colocações do Diretor João Accioly no que tange aos fundamentos para o não provimento do pedido de interrupção pela CVM. Em relação aos administradores da Companhia, a Diretora ponderou que, além da questão da falha informacional já sob exame da SEP, como apontado no item 54 do Parecer Técnico, cabe a apuração de possível quebra de deveres fiduciários por administrador que requereu a interrupção do prazo de antecedência para a realização de AGE regularmente convocada pelo acionista minoritário, bem como eventuais abusos e quebra de deveres fiduciários caso seja concretizada a homologação do aumento de capital em tela anteriormente à AGE, à luz do quarto item da respectiva ordem do dia, observando também que já há procedimento de análise, em curso, pela SEP, quanto ao referido aumento de capital, consoante refletido no item 49 do Parecer Técnico.

Ademais, a Diretora Flávia Perlingeiro destacou que a participação em assembleias é um dos instrumentos de que dispõem os acionistas para fiscalização da gestão dos negócios sociais, que é direito essencial, nos termos do art. 109, III, da Lei das S.A., e daí a relevância do regime de publicidade das informações que devem ser prestadas aos acionistas. Ao determinar, em seu art. 135, § 3º, ser obrigatória a disponibilização de todos os documentos relativos às matérias objeto da ordem do dia da AGE, a lei societária busca assegurar aos acionistas a necessária informação para que possam melhor exercer o seu direito de voto e de fiscalização, tendo observado ser entendimento pacífico de que tal disposição se aplica a todas as AGEs e não apenas à reforma de estatuto.

Ressaltou, ainda, a Diretora que a convocação de AGE nos termos do art. 123, “c”, da Lei das S.A., sem a correspondente publicidade da documentação atinente às matérias da ordem do dia acaba por fazer letra morta a proteção legal assegurada aos minoritários, o que também poderá ocorrer, no caso, com eventual homologação do referido aumento de capital previamente à deliberação assemblear sobre o cancelamento da operação.

O Diretor Otto Lobo acompanhou o parecer da SEP, bem como as manifestações do Diretor João Accioly e da Diretora Flávia Perlingeiro, no sentido de indeferir o pedido de interrupção do curso do prazo de antecedência da convocação dessa AGE, com fulcro no art. 124, §5°, II, da Lei n° 6.404/76.

Além disso, ressaltou a importância de a Companhia observar as obrigações informacionais a ela impostas, conforme disposto na Resolução CVM nº 81/2022, de forma a garantir a perfeita informação aos acionistas minoritários sobre os assuntos a serem deliberados em assembleia, sobretudo em decisões de alta relevância - como as constantes na ordem do dia da AGE prevista para o dia 02.01.2023, são elas:
a. Aprovação da propositura de ação de responsabilidade contra os administradores e membros do Conselho Fiscal da Companhia, bem como demais responsáveis solidários, pelos prejuízos causados à Companhia em decorrência de atos ilícitos e operações irregulares entre 2019 e 2022, nos termos do artigo 159 da Lei das S.A.;
b. Destituição dos membros do Conselho de administração e do Conselho Fiscal, em virtude da quebra dos deveres fiduciários;
c. Eleição de administradores (diretores e membros do conselho de administração) e conselheiros fiscais, em substituição aos atuais integrantes dos órgãos sociais da Companhia, na forma do artigo 159, § 2° da Lei das S.A; e
d. Cancelamento e/ou não homologação do aumento de capital social objeto da divulgação realizada pela administração da Companhia em 25.11.2022, com fundamento nos artigos 117, 121 e 170, da Lei das S.A.

Por tais motivos, o Diretor Otto Lobo concordou com a recomendação apresentada pela SEP, no sentido de que a Companhia considere adiar a homologação do aumento de capital até a efetiva deliberação da matéria em Assembleia Geral Extraordinária.

O Diretor Alexandre Rangel acompanhou o Parecer Técnico da SEP e as manifestações de voto do Diretor João Accioly e da Diretora Flávia Perlingeiro. O Presidente João Pedro Nascimento acompanhou o Parecer Técnico da SEP e a manifestação de voto do Diretor João Accioly.

Sendo assim, o Colegiado, por unanimidade, acompanhando o Parecer Técnico da SEP e a manifestação de voto do Diretor João Accioly, deliberou pelo indeferimento do pedido de interrupção do curso do prazo de convocação da AGE da Gafisa S.A., convocada para 02.01.2023.

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