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Decisão do colegiado de 24/01/2023

Participantes

• JOÃO PEDRO NASCIMENTO – PRESIDENTE
• FLÁVIA MARTINS SANT'ANNA PERLINGEIRO – DIRETORA
• ALEXANDRE COSTA RANGEL – DIRETOR
• OTTO EDUARDO FONSECA DE ALBUQUERQUE LOBO – DIRETOR
• JOÃO CARLOS DE ANDRADE UZÊDA ACCIOLY – DIRETOR

APRECIAÇÃO DE PROPOSTAS DE TERMO DE COMPROMISSO – PAS 19957.005572/2019-22

Reg. nº 2423/21
Relator: SGE (Pedido de vista DJA)

Trata-se de continuação da análise iniciada na reunião do Colegiado de 09.08.2022, acerca de propostas de termo de compromisso apresentadas por Henrique Constantino, na qualidade de acionista controlador e ex Vice-Presidente do Conselho de Administração da Gol Linhas Aéreas Inteligentes S.A. (“Gol” ou “Companhia”), e Paulo Sérgio Kakinoff, na qualidade de Presidente da Companhia (em conjunto, “Proponentes”), no âmbito de Processo Administrativo Sancionador (“PAS”) instaurado pela Superintendência de Processos Sancionadores - SPS, no qual não existem outros acusados.

A SPS propôs a responsabilização de (i) Henrique Constantino por supostamente ter atuado em desvio de poder, ao recomendar contratações e pagamentos em troca de vantagens indevidas, em violação, em tese, ao art. 154, §2º, ‘a’, da Lei nº 6.404/1976 (“LSA”); e (ii) Paulo Sérgio Kakinoff por supostamente não ter atuado com a diligência exigida para o cargo, quando das deliberações que deram seguimento às contratações e pagamentos recomendados por Henrique Constantino, sem que os cuidados de verificação de serviços efetivamente prestados ou proposta mais adequada para a Companhia fossem tomados, em infração, em tese, ao disposto no art. 153 da LSA.

Após serem citados e apresentarem defesa, os Proponentes apresentaram propostas para celebração de termo de compromisso, conforme a seguir:

(i) Henrique Constantino – pagar à Companhia, em parcela única, o valor de R$ 4.933.000,00 (quatro milhões e novecentos e trinta e três mil reais), correspondente ao valor dos contratos e repasses indicados na Acusação; e

(ii) Paulo Sérgio Kakinoff - pagar à CVM, em parcela única, o valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais).

Em razão do disposto no art. 83 da Resolução CVM nº 45/2021, a Procuradoria Federal Especializada junto à CVM – PFE/CVM apreciou, à luz do art. 11, §5º, incisos I e II, da Lei nº 6.385/1976, os aspectos legais das propostas apresentadas. Em síntese, a PFE/CVM (i) opinou pela inexistência de óbice jurídico à celebração de termo de compromisso com Paulo Sérgio Kakinoff, e (ii) sugeriu que o Comitê de Termo de Compromisso (“CTC”) negociasse com Henrique Constantino “para fins de correção da irregularidade (...) as condições mais adequadas à compensação dos danos difusos causados ao mercado”.

No que diz respeito à correção por meio do ressarcimento dos prejuízos causados, a PFE/CVM destacou que “a proposta do Senhor Henrique Constantino contempla os valores expressos no Relatório de Inquérito. (...) No entanto, os fatos narrados são aptos a abalar a confiança, tão necessária à eficácia do mercado de capitais, causando danos difusos ao setor. (...) Ressalta-se, que o valor desembolsado no âmbito do Acordo de Colaboração Premiada celebrado entre o controlador da Gol e o Ministério Público Federal são destinados à reparação de danos diversos daqueles apurados neste processo administrativo, razão pela qual não podem ser compensados.”.

O CTC, em 15.03.2022, tendo em vista: (i) o disposto no art. 83 c/c o art. 86, caput, da RCVM 45; e (ii) o fato de a Autarquia já ter celebrado termo de compromisso em situações que guardam certa similaridade com a presente, entendeu que seria possível discutir a viabilidade de um ajuste para o encerramento antecipado do caso em relação aos Proponentes.

Nesse sentido, e tendo em vista, notadamente, (i) o disposto no art. 86, caput, da RCVM 45; (ii) negociações realizadas pelo CTC em casos similares com celebração de termo de compromisso aprovada pelo Colegiado da CVM; e (iii) o histórico dos Proponentes, o CTC sugeriu o aprimoramento das propostas apresentadas, nos seguintes termos:

(i) Paulo Sérgio Kakinoff – pagar à CVM, em parcela única, o valor de R$ 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil reais); e

(ii) Henrique Constantino:

(a) ressarcimento integral à Companhia, em parcela única, do valor do prejuízo causado de R$ 4.914.857,50 (quatro milhões, novecentos e quatorze mil, oitocentos e cinquenta e sete reais e cinquenta centavos), atualizados pelo IPCA, desde as datas expressas na Tabela contida no parágrafo 106 do Relatório de Inquérito até a data do efetivo pagamento; e

(b) pagar à CVM o valor de R$ 4.914.857,50 (quatro milhões, novecentos e quatorze mil, oitocentos e cinquenta e sete reais e cinquenta centavos), atualizados pelo IPCA, na forma acima referida, até a data do efetivo pagamento, a título de danos difusos, à luz do disposto, em especial, no art. 4º da Lei nº 6.385/1976.

Tempestivamente, Paulo Sérgio Kakinoff manifestou sua concordância com os termos de ajuste propostos pelo CTC.

Em 18.03.2022, os representantes legais de Henrique Constantino solicitaram reunião com o CTC sob o argumento de “ausência de cômputo dos cerca de R$ 80 milhões, em valor histórico, já pagos pelo acusado ao Estado, bem como considerando se tratar da primeira negociação de termo de compromisso com a CVM envolvendo colaborador da Justiça, nos termos da Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013”. A reunião foi realizada no dia 29.03.2022, conforme destacado nos itens 63 e 64 do Parecer do CTC.

Na referida reunião com o CTC, os representantes legais de Henrique Constantino argumentaram essencialmente que o proponente, apesar de compreender que nada mais é devido ao Estado e à sociedade pelos fatos que envolvem a acusação, tendo em vista serem os mesmos que integram a transação realizada pelo Acordo de Colaboração, realizou proposta para encerramento do PAS mediante pagamento de quantia à Companhia supostamente lesada pelas condutas que lhe são atribuídas.

Em resposta, o CTC destacou que (i) mesmo o Estado sendo um só, as instâncias são independentes, e a pessoa que eventualmente incorra em possível desvio de conduta com repercussão em mais de uma esfera pode, em tese, ser investigada e punida em diversas instâncias, individualmente; e (ii) não há controvérsia no fato de que existem discussões, no plano filosófico ou conceitual, sobre eventual “balcão único” para negociação de ajustes na esfera do Estado como um todo, o que entretanto não existe no atual momento. Adicionalmente, o CTC observou que não houve, até aquela data, ajuste/acordo do qual a CVM tenha feito parte no caso concreto.

Em 12.04.2022, Henrique Constantino apresentou nova proposta ao CTC, no sentido de (i) arcar junto à Companhia com a quantia de R$ 4.914.857,50 (quatro milhões, novecentos e quatorze mil, oitocentos e cinquenta e sete reais e cinquenta centavos), corrigido pelo IPCA desde as datas expressas na Tabela contida no parágrafo 106 do Relatório de Inquérito até a data do efetivo pagamento; e (ii) “pagar à CVM 3 (três) vezes o importe de R$ 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil reais), totalizando à Autarquia a quantia de R$ 1.050.000,00 (um milhão e cinquenta mil reais), em parcela única”.

Em 10.05.2022, o CTC deliberou por:

(i) opinar junto ao Colegiado da CVM pela aceitação da proposta apresentada por Paulo Sérgio Kakinoff, de pagar à CVM o valor de R$ 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil reais), em parcela única; e

(ii) reiterar os termos da negociação deliberados em 15.03.2022, em relação à proposta de Henrique Constantino, pelos seus próprios e jurídicos fundamentos.

Em 25.05.2021, Henrique Constantino reiterou sua proposta de termo de compromisso encaminhada em 12.04.2022.

Ante o exposto, o CTC sugeriu ao Colegiado a (i) aceitação da proposta de termo de compromisso apresentada por Paulo Sérgio Kakinoff, por entender que tal proposta seria adequada e suficiente para desestimular práticas semelhantes, em atendimento à finalidade preventiva do instituto; e (ii) rejeição da proposta apresentada por Henrique Constantino, em razão do insucesso do processo de negociação.

O Diretor João Accioly, que havia solicitado vista na reunião do Colegiado de 09.08.2022, apresentou manifestação de voto pela aceitação de ambas as propostas, destacando seu entendimento de que a proposta de termo de compromisso apresentada por Henrique Constantino atende, para além dos requisitos formais, as exigências materiais para fins da concretização do interesse público objeto de decisão conciliatória.

Nesse sentido, o Diretor observou que, na ocasião da celebração de Acordo de Colaboração com o MPF/DF, “o Proponente realizou pagamentos ao Estado que, somados, constituíram montante superior a R$ 80 milhões, sendo parte deste valor destinada à direitos sociais difusos, conforme Acordo de Colaboração”. Assim, na visão do Diretor, “o interesse público é satisfeito pela proposta do Proponente, uma vez que este já cessou as atividades ilícitas, propôs indenização à Companhia e já promoveu a reparação de danos difusos”.

Segundo o Diretor João Accioly, a “independência das esferas não pode implicar completa desconsideração dos esforços de reparação de uma mesma pessoa, pelos mesmos fatos, que foram praticados em ofensa ao mesmo bem tutelado”. Nessa linha, o Diretor entendeu que a “tentativa por parte desta Autarquia em exigir o ressarcimento também de danos a direitos difusos como condição para a celebração de termo de compromisso acaba por violar o non bis in idem, ainda que com a devida ressalva de que não se trata de dupla punição pelo mesmo fato (dadas a natureza jurídica da contraprestação e a regra do termo de compromisso que afasta a natureza de pena).”.

Além disso, no entendimento do Diretor, a “noção do enriquecimento sem causa também se manifesta no caso”, pois “o interesse público, como titular dos direitos difusos a que se destinaram os mais de R$ 80 milhões já pagos pelo Proponente, não pode receber duas vezes, assim como não tem esse direito nenhum dos indivíduos cuja existência em sociedade justifica os próprios conceitos de interesse público e direitos difusos”.

Nesse contexto, “considerando que o Proponente já pagou quantia, no âmbito do Acordo de Colaboração, destinada ao ressarcimento de direitos difusos”, o Diretor entendeu “não haver o óbice relativo à necessidade de indenização, além daquela que seria devida à Companhia”. Ademais, considerando “que o Proponente dispôs-se a pagamento adicional, em significativa quantia de R$ 1.050.000,00, para fins de reparar danos causados a direitos difusos (adicionalmente ao já reparado anteriormente)”, o Diretor concluiu “que a proposta cobre satisfatoriamente a tutela de bens jurídicos de interesse coletivo por parte do Estado e deve ser aceita”.

A Diretora Flávia Perlingeiro, o Presidente João Pedro Nascimento e os Diretores Alexandre Rangel e Otto Lobo acompanharam integralmente as conclusões do CTC.

Adicionalmente, quanto à rejeição da proposta de termo de compromisso apresentada por Henrique Constantino, a Diretora Flávia Perlingeiro destacou que, segundo os próprios termos do Acordo de Colaboração Premiada celebrado com o MPF, juntado aos autos do PAS, 90% (noventa por cento) do valor pactuado seria destinado à reparação de danos individuais, causados à CEF e ao FI-FGTS, vítimas dos crimes então sob apuração, e apenas 10% (dez por cento) à reparação de danos sociais. Além disso, tais danos têm natureza distinta, por sua especificidade, daqueles que teriam sido causados, de forma difusa, ao mercado de valores mobiliários, pela alegada inobservância do dever de lealdade à Companhia pelo proponente, em violação ao art. 154 da LSA, cuja reparação, sob esse enfoque, se objetivava alcançar, de outra parte, com a tentativa de negociação havida, neste PAS, pelo proponente com o CTC.

A Diretora apontou também sua divergência quanto à interpretação dada no voto do Diretor João Accioly acerca da aplicação do princípio do ne bis in idem ao caso, inclusive por situar-se o termo de compromisso fora do contexto propriamente punitivo, havendo expresso afastamento de qualquer configuração de confissão quanto à matéria de fato e não reconhecimento de ilicitude da conduta analisada, bem como da abordagem feita quanto à vedação ao enriquecimento sem causa, que entendeu não aplicável, no caso, à luz do por ela destacado.

Ainda no entendimento da Diretora, em que pese a discussão existente sobre a pertinência de se estabelecer eventual “balcão único” para negociação de acordos na esfera do Estado como um todo, com vistas ao encerramento consensual de procedimentos de investigação ou sancionatórios em curso, fato é que tal mecanismo ainda não existe e que a legislação atual abarca, em grande medida, um sistema descentralizado. Nesse cenário, a seu ver, a forma adequada para garantir que, em casos como tais, fosse contemplada a reparação de danos difusos ao mercado de valores mobiliários seria a participação da CVM em eventual ajuste que viesse a ser celebrado pelo infrator com o MPF, a exemplo do que já ocorreu no passado, ainda que em contexto distinto, em que houve concomitância de termo de compromisso e de termo de ajustamento de conduta (TAC), como ilustram, por exemplo, a decisão do Colegiado de 03.02.2009, no âmbito do Processo CVM nº RJ2009/0428, e a decisão do Colegiado de 22.06.2010, no âmbito do Processo CVM nº RJ2010/0963.

Sendo assim, o Colegiado, por maioria, acompanhando o parecer do Comitê de Termo de Compromisso, deliberou (i) aceitar a proposta de termo de compromisso apresentada por Paulo Sérgio Kakinoff, e (ii) rejeitar a proposta de termo de compromisso apresentada por Henrique Constantino. Restou vencido o Diretor João Accioly, que votou também pela aceitação da proposta apresentada por Henrique Constantino.

Na sequência, quanto à proposta de Paulo Sérgio Kakinoff, o Colegiado, determinando que o pagamento será condição do termo de compromisso, fixou os seguintes prazos: (i) dez dias úteis para a assinatura do termo de compromisso, contados da comunicação da presente decisão ao proponente; e (ii) dez dias úteis para o cumprimento da obrigação pecuniária assumida, a contar da publicação do termo de compromisso no “Diário Eletrônico” da CVM, nos termos do art. 91 da Resolução CVM nº 45/2021.

A Superintendência Administrativo-Financeira – SAD foi designada responsável por atestar o cumprimento da obrigação pecuniária assumida. Por fim, o Colegiado determinou que, uma vez cumpridas as obrigações pactuadas, conforme atestado pela SAD, o processo seja definitivamente arquivado em relação a Paulo Sérgio Kakinoff.

Ao final, a Diretora Flávia Perlingeiro foi sorteada relatora do processo.

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