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Decisão do colegiado de 28/03/2023

Participantes

• JOÃO PEDRO BARROSO DO NASCIMENTO – PRESIDENTE (*)
• FLÁVIA MARTINS SANT'ANNA PERLINGEIRO – DIRETORA
• ALEXANDRE COSTA RANGEL – DIRETOR
• OTTO EDUARDO FONSECA DE ALBUQUERQUE LOBO – DIRETOR
• JOÃO CARLOS DE ANDRADE UZÊDA ACCIOLY – DIRETOR
(**)

(*) Por estar na CVM de Brasília, participou por videoconferência.
(**) Participou por videoconferência.

RECURSO CONTRA DECISÃO DA SRE – OPA POR AUMENTO DE PARTICIPAÇÃO NA COMPANHIA DE ELETRICIDADE DO ESTADO DA BAHIA – COELBA – PROC. 19957.008764/2021-13

Reg. nº 2617/22
Relator: DFP

Trata-se de recurso interposto por Argucia Income Fundo de Investimento em Ações, Argucia Quark Fundo de Investimento Multimercado, Sparta Fundo de Investimento em Ações – BDR Nível I, Argucia Endowment Fundo de Investimento Multimercado, Dust Fundo de Investimento em Ações – BDR Nível I e Electra Fundo de Investimento em Ações (em conjunto, “Recorrentes” ou “Fundos”), acionistas minoritários da Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia – Coelba (“Coelba” ou “Companhia”), contra entendimento da Superintendência de Registro de Valores Mobiliários – SRE manifestado no âmbito de consulta formulada pelos Fundos sobre eventual obrigação de realização, pela Neoenergia S.A. (“Neoenergia”), de oferta pública de aquisição de ações (“OPA”) por aumento de participação na Companhia, nos termos do § 6º, do art. 4º, da Lei nº 6.404/1976 (“LSA”) e do art. 26 da então vigente Instrução CVM (“ICVM”) nº 361/2002.

A questão em análise está relacionada à aquisição, pela Neoenergia, da participação societária minoritária detida pela Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (“Previ”) na Coelba, controlada da Neoenergia (“Aquisição Coelba”), no contexto de operação que envolveu também a aquisição, pela Neoenergia, das participações minoritárias detidas pela Previ em outras duas controladas, quais sejam, Companhia Energética do Rio Grande do Norte (“Cosern”) e Afluente Transmissão de Energia Elétrica (“Afluente T” e, em conjunto com Coelba e Cosern, “Controladas”), celebrada em 16.09.2021 (“Operação”), conforme Comunicado ao Mercado divulgado pela Neoenergia na mesma data.

Além da referida consulta dos Fundos, a questão jurídica subjacente ao presente processo foi analisada no âmbito do Processo nº 19957.004760/2021-58, originado de consulta apresentada pela Neoenergia antes da formalização da Operação, com objeto parcialmente coincidente com o deste processo (“Consulta Neoenergia”), cujo escopo não se limitava a discutir a obrigatoriedade da OPA por aumento de participação em relação à Coelba, mas também em relação a Cosern e Afluente T.

Em resposta às referidas consultas, nos termos do Parecer Técnico nº 11/2022/CVM/SRE/GER-1 (“Decisão SRE”), a SRE manifestou o entendimento de que a Operação não ensejaria a necessidade de realização de OPA por aumento de participação.

Em sua consulta, a Neoenergia defendeu que a Operação não caracterizaria gatilho para disparar a obrigação de lançamento de OPA por aumento de participação nas Controladas pela Neoenergia, porque, em síntese, no seu entendimento: (i) a Previ era uma pessoa vinculada à Neoenergia e, consequentemente, as ações das Controladas que eram de sua titularidade deviam ser consideradas como fora de circulação; e (ii) a aquisição tinha sido contratada no âmbito do Acordo de Acionistas, que foi celebrado em 2017 (“Acordo de Acionistas”), quando a Previ ainda figurava no bloco de controle da Neoenergia e, indiretamente, das Controladas.

Nesse ponto, a consulta destacou que o Acordo de Acionistas disciplinou a nova distribuição da estrutura acionária da Neoenergia, cujo controle passou a ser exercido individualmente pela Iberdrola Energia S.A. (“Iberdrola”), conferindo certos direitos de governança e de liquidez para a Previ e o BB Banco de Investimentos S.A. (“BB-BI”), que haviam exercido o controle compartilhado da Neoenergia juntamente com a Iberdrola e outros no âmbito de acordo de acionistas celebrado em 05.10.2005.

Na visão da Neoenergia, o caráter da Previ de “pessoa vinculada” decorria, em resumo, dos seguintes elementos: (i) Relação de coligação: a Previ e a Neoenergia eram coligadas, tendo em vista que a Previ detinha participação acionária de aproximadamente 30,3% no capital social da Neoenergia, indicando um alinhamento de interesses advindo não só da maior possibilidade de ingerência da Previ nos negócios da Neoenergia e, indiretamente, das Controladas, como do aumento de sua exposição econômica à Neoenergia; (ii) Relação contratual: a Previ era parte do Acordo de Acionistas, o que demonstrava que ela influenciava a tomada de decisões importantes no âmbito da Neoenergia e das Controladas, tanto por meio do direito de veto em matérias relevantes, quanto pela indicação de membros de suas respectivas administrações; e (iii) Relação de fato: os elementos fáticos, que demonstravam um alinhamento de interesses entre Neoenergia e Previ, englobavam a participação histórica da Previ no bloco de controle da Neoenergia até 2017, a participação coordenada nas assembleias das Controladas e a não participação da Previ nas eleições em separado aos conselhos de administração da Coelba e da Cosern, reservada aos preferencialistas.

Segundo sustentou a Neoenergia, a aquisição tinha sido contratada de forma definitiva com a celebração do Acordo de Acionistas, em 07.06.2017, quando a Previ era co-controladora da Neoenergia e das Controladas. Assim, o momento da contratação dessa obrigação, ainda que não coincidisse com o momento de transferência de titularidade das ações, seria verdadeira “aquisição” para fins do art. 26 da ICVM n° 361/2002. A respeito, com base em parecer jurídico, aduziu que, do ponto de vista do direito civil, seria inegável a existência do contrato de compra e venda e da sua obrigatoriedade, ainda que sua eficácia tenha permanecido condicionada e a efetiva transferência das participações detidas pela Previ tenha sido diferida para momento futuro. Dessa forma, concluiu que o momento da efetiva transferência das participações minoritárias da Previ nas Controladas e do pagamento do preço correspondente pela Neoenergia não deveria ser considerado para fins de lançamento de OPA por aumento de participação, uma vez que representava, a seu ver, mera decorrência de uma situação jurídica previamente constituída.

Na consulta dos Fundos, foi destacado o entendimento dos Recorrentes de que, a partir da celebração do Acordo de Acionistas, houve a saída da Previ do bloco de controle da Neoenergia, o que levaria à “inclusão das ações de titularidade da Previ no cômputo das ações em circulação de Neoenergia e das Subsidiárias com todas as implicações legais desta alteração”. Ademais, sustentaram que a Previ não poderia ser considerada “pessoa vinculada” ao acionista controlador, para fins do art. 3º, III, da ICVM n° 361/2002, uma vez que inexistiria, no caso concreto, comunhão de interesses entre Previ e Iberdrola, e, consequentemente, subsunção ao que prevê o § 2º daquele dispositivo.

A respeito, os Fundos apontaram que: (i) o Acordo de Acionistas é expresso no sentido de que a Previ não era controladora; (ii) a Previ tinha apenas direito de veto em determinadas matérias relevantes e de indicar participação minoritária nos órgãos de governança; (iii) todos os envolvidos reconheceram e comunicaram ao mercado que o controle direto da Coelba era exercido por Neoenergia e o controle indireto era exclusivamente exercido por Iberdrola; (iv) a Previ não atuava nas assembleias gerais da Coelba de forma conjunta e coordenada com Neoenergia e Iberdrola; (v) a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL reconheceu que o controle indireto da Coelba era exercido individualmente por Iberdrola; e (vi) o percentual indicado no formulário de referência da Coelba como free float incluía as ações detidas pela Previ.

Para corroborar a inexistência de vinculação, os Fundos mencionaram as decisões proferidas nos Processos CVM nº 19957.006377/2020-53 e nº 19957.005060/2019-66 (“Caso Rede Energia”), no sentido de que o acionista não poderia ser considerado “pessoa vinculada” ao controlador pelo fato de: (i) ser signatário de acordo de acionistas no qual lhe era assegurado o direito de veto em dadas matérias e o de indicar representante no conselho de administração; (ii) ter participação acionária relevante, porém minoritária; e (iii) ter o direito de alienar sua participação ao controlador.

Ademais, os Fundos frisaram que, nos termos do Acordo de Acionistas, as participações da Previ na Neoenergia e na Coelba estavam aptas à venda no mercado, sem qualquer tipo de restrição à liquidez. Na visão dos Fundos, mesmo a obrigação de compra e venda da participação da Previ na Coelba pela Neoenergia, conforme previsto na Cláusula 15.5 do Acordo de Acionistas, não afastaria a liquidez em relação às ações de emissão da Companhia, uma vez que a “Previ estava livre para adquirir e vender suas ações até o momento de exercício do referido call, como de fato a Previ fez ao subscrever ações nos aumentos de capital realizados [desde] a celebração do referido acordo”.

Diante do exposto, os Fundos defenderam que as ações de titularidade da Previ na Coelba não se enquadrariam na definição de “ações vinculadas”, devendo integrar o conceito de ações em circulação para fins da ICVM n° 361/2002. Por fim, ressaltaram que o total de ações de emissão da Coelba de titularidade da Previ adquiridas pela Neoenergia representava mais de 1/3 (um terço) do free float de ambas as espécies de ações de emissão da Companhia, considerando a aplicabilidade da “Fórmula L(1/3)": L(1/3)= 1/3 (AC00 + AAC – ARC + AOPS) – AQ, já adotada pela CVM em casos semelhantes, o que faria disparar o gatilho para a realização da OPA por aumento de participação.

Em sua análise, a SRE considerou que, à época da Operação, a Previ não poderia ser considerada pessoa vinculada à Neoenergia, para fins da ICVM n° 361/2002, porque, em síntese: (i) a relação de coligação existente entre a Previ e a Neoenergia não era suficiente para caracterizar vínculo com a Iberdrola, acionista controladora da Neoenergia; (ii) a relação contratual existente nos termos do Acordo de Acionistas não configurava compartilhamento de controle entre a Previ e a Iberdrola, uma vez que visava “proteger a[s] participações minoritárias da Previ e proteger desvirtuamentos da atuação da [Neoenergia], principalmente em outras áreas que não o setor elétrico” ; e (iii) a ausência de divergências ou desentendimentos entre os principais acionistas da Neoenergia na condução dos negócios sociais “não significa que a Previ esteja vinculada à Iberdrola, atuando em seu interesse, significa apenas que se tem observado uma convergência de entendimento entre as partes nos assuntos deliberados, sem que a Previ tenha que necessariamente vincular suas decisões de modo a acompanhar o direcionamento dos negócios dado pela Iberdrola”.

Por outro lado, a SRE concluiu, em linha com o entendimento da Neoenergia, que a aquisição de ações de emissão das Controladas, para fins da ICVM n° 361/2002, ocorrera quando da celebração do Acordo de Acionistas, em 07.06.2017, na medida em que sua Cláusula 15.5 estabelecia, em caráter irrevogável, a obrigação de a Iberdrola direcionar a Neoenergia a adquirir tais ações, “constando ainda da referida cláusula as formas de apuração do preço justo de tais ações, não havendo, contudo, a possibilidade de tais ações não serem alienadas pela Previ à Neoenergia ou de Iberdrola, por meio da Neoenergia, desistir de realizar tal aquisição”.

Assim, a Área técnica reputou que a aquisição tinha “ocorrido em momento em que a Previ compartilhava o controle da Neoenergia juntamente à Iberdrola e ao Banco do Brasil S.A.”, o que fazia com que “tais ações não devessem ser consideradas como ações em circulação, para fins de incidência de OPA por aumento de participação, quando da conclusão de tal compra e venda, ocorrida apenas em 2021”. A respeito, invocando o art. 3º, §§ 1º e 2º, alínea “b”, e o art. 29, §4º, pontuou, ainda, que “há dispositivos da Instrução CVM 361 que corroboram a tese de que a contratação de determinadas operações já seria suficiente para produzir efeitos em determinadas situações”. Dessa forma, para a SRE restou afastada a obrigatoriedade de lançamento da OPA por aumento de participação em decorrência da Operação.

Em sede recursal, os Fundos manifestaram concordância com os termos da Decisão SRE quanto à não caracterização da Previ como integrante do bloco de controle da Neoenergia ou pessoa vinculada ao acionista controlador da Neoenergia, mas divergiram da interpretação da área técnica no tocante ao momento em que se configurou a aquisição das ações de emissão da Coelba de titularidade da Previ para fins da ICVM n° 361/2002.

Em oposição às conclusões da SRE de que a aquisição das ações teria ocorrido em 2017, com a celebração do Acordo de Acionistas, os Recorrentes aduziram que o disposto na Cláusula 15.5 do acordo não se traduziria em pacto de compra e venda, tampouco teria o efeito de retirar a liquidez das ações de emissão da Coelba detidas pela Previ. Nesse sentido, argumentaram que: (i) a obrigação prevista na referida cláusula foi assumida por Iberdrola, e não por Neoenergia, que teria subscrito a avença na condição de mera interveniente anuente do acordo, para fins do art. 118 da LSA; e (ii) não teria sido estabelecida uma obrigação de compra, mas sim uma obrigação de a Iberdrola fazer com que a Neoenergia enviasse uma proposta para a aquisição das ações de emissão da Companhia detidas pela Previ, o que configuraria promessa de fato de terceiro, nos termos do art. 439 do Código Civil, negócio jurídico distinto e com consequências diversas.

Ao ver dos Recorrentes, ainda que se considerasse que o sujeito ativo da obrigação seria a Neoenergia, não estariam atendidos os requisitos para caracterizar a Cláusula 15.5 como um negócio jurídico de compra e venda, o qual pressupõe a existência de objeto ao menos determinável. Ressaltaram, nesse ponto, que a avença não teria estabelecido a quantidade de ações de emissão da Coelba que seriam adquiridas pela Neoenergia, cuja determinação teria ocorrido apenas no momento da realização da Operação, em 16.09.2021, não podendo retroagir à data da celebração do Acordo de Acionistas (07.06.2017).

Além disso, os Recorrentes aduziram que inexistia qualquer restrição para que a Previ realizasse a venda, a mercado, de até a totalidade das ações de emissão da Coelba, pois a obrigação de alienação tinha aplicação futura e apenas surgiria após o termo estipulado. A referida cláusula teria como propósito estabelecer apenas uma garantia adicional de liquidez em benefício da Previ, mas não implicava na retirada da liquidez dessas ações.

Por fim, os Recorrentes frisaram que a quantidade de ações detidas pela Previ na Coelba que foi objeto da Aquisição Coelba superava a quantidade de ações detidas na data da celebração do Acordo de Acionistas. A diferença, correspondente a 1.303.607 ações ordinárias e 390.710 ações preferenciais classe A, teria sido adquirida “ou em mercado ou em três momentos distintos, todos em operações de aumento de capital e realizados após a celebração do Acordo de Acionistas”, quando a Previ já não integrava o bloco de controle da Neoenergia, razão pela qual deveria integrar o total de ações em circulação. Sob essa perspectiva, alegaram que, ainda que se admitisse o entendimento da SRE no sentido de que a aquisição teria ocorrido na data do Acordo de Acionistas, as ações adquiridas pela Previ posteriormente à celebração do acordo seriam suficientes, por si só, para disparar a obrigatoriedade de OPA por aumento de participação.

Instada a se manifestar, a Neoenergia, preliminarmente, contestou a legitimidade dos Fundos para a interposição do recurso, alegando ser a única legitimada para tanto, pois a Decisão SRE fora proferida no âmbito da Consulta Neoenergia, da qual os Recorrentes não eram partes. Ademais, alegou que, mesmo que fosse reconhecida a legitimidade dos Recorrentes em relação à Coelba, ela não poderia “se estender à Afluente T e à Cosern, posto que a Consulta Argucia não tinha por objeto tais Controladas”.

No mérito, Neoenergia a reiterou os argumentos expostos na Consulta Neoenergia e refutou as razões do recurso, destacando, em linhas gerais, que:
(i) o objeto da compra e venda era determinado, ou, ao menos, determinável, pois abrangia “a parcela do capital social da Controlada da qual a Previ era titular na época de celebração do Acordo de Acionistas”, que, no caso da Coelba, abrangia ações representativas de 2,29% do capital social da Companhia;
(ii) o aumento na quantidade total de ações de emissão da Coelba de titularidade da Previ no período compreendido entre a celebração do Acordo de Acionistas e a efetiva transferência das participações societárias minoritárias foi decorrente exclusivamente dos aumentos de capital social realizados pela Coelba no período e não tendo afetado o percentual de participação da Previ no capital social da Coelba;
(iii) a Previ não estava livre para negociar ações de emissão da Coelba em bolsa, tanto para operações de venda quanto de compra;
(iv) o valor devido à Previ foi registrado como passivo nas demonstrações financeiras da Neoenergia desde 2017;
(v) a Previ não realizou nenhuma compra ou venda no mercado entre 2017 e 2021; e
(vi) sob a ótica regulatória, o conceito de “aquisição” para fins do art. 26 da ICVM n° 361/2002 deve levar em conta a finalidade da norma de proteção da liquidez, assim nele não devem estar contidas apenas as transferências, ao acionista controlador, da titularidade de ações em circulação, mas também de obrigações contratuais que garantam o direito de obter a titularidade dessas ações.

O recurso dos Fundos e a manifestação da Neoenergia sobre o recurso foram destacados nos itens 15 e 16 do Ofício Interno nº 33/2022/CVM/SRE/GER-1.

Ao analisar o recurso, nos termos do Ofício Interno nº 33/2022/CVM/SRE/GER-1, a SRE manteve sua manifestação inicial, acrescentando seu entendimento de que:
(i) não obstante o Processo em tela tratar apenas da Aquisição Coelba, a decisão a ser tomada pelo Colegiado deverá ser “replicada para as demais subsidiárias pois, nos termos do Parecer 11 [Decisão SRE], os motivos para incidência ou não de OPA são idênticos para as três Companhias [Controladas]”;
(ii) os Recorrentes têm legitimidade recursal, uma vez que a Decisão SRE foi proferida no âmbito de consulta por eles apresentada;
(iii) apesar de não constar explicitamente na Cláusula 15.5 a quantidade de ações vinculadas àquela transação, “tal quantidade seria determinável ao se verificar a quantidade de ações detidas pela Previ nas Companhias [Controladas] quando da celebração do Acordo de Acionistas”;
(iv) o comportamento adotado pelas partes demonstra que houve o cumprimento da obrigação constante da Cláusula 15.5, que vedava a negociação a mercado das ações detidas pela Previ nas Controladas, uma vez que “[h]ouve apenas o acréscimo na quantidade de ações detidas pela Previ na Coelba em decorrência de seu exercício de direito de preferência em aumentos de capital daquela companhia, sem que se alterasse o percentual de ações que ela detinha em relação ao capital social da Coelba até a conclusão da transação e sem que fossem retiradas ações em circulação do mercado”. Desse modo, pelo princípio da boa-fé objetiva, teria havido “uma contratação vinculante de uma compra e venda de ações”; e
(v) o fato de a obrigação ter sido assumida por Iberdrola não implicava na ilegitimidade da Neoenergia, “pois a Neoenergia figurou como interveniente-anuente do Acordo de Acionistas, portanto ciente de suas obrigações, inclusive a obrigação de adquirir as participações minoritárias da Previ. Ademais, por ser controlada pela Iberdrola S.A., parece ser bem factível que sua controladora, na direção dos negócios de sua controlada, faça com que esta última cumpra com a cláusula em questão”.

Em seu voto, a Diretora Relatora Flávia Perlingeiro afastou as preliminares suscitadas, tendo destacado que:
(i) considerando que a Decisão SRE acabou por tratar também das questões objeto da consulta formulada pelos Fundos, estavam esses, na qualidade de consulentes e acionistas minoritários da Companhia, legitimados a impugná-la;
(ii) a Aquisição Coelba foi realizada em conjunto com a aquisição das ações de emissão da Cosern e da Afluente T, no contexto da Operação, estando, assim, relacionada às mesmas circunstâncias fáticas. Nesse sentido, ainda que o escopo do recurso e mesmo deste processo seja restrito à situação da Coelba, o posicionamento do Colegiado acerca da matéria poderá ensejar a revisão do entendimento da SRE, no âmbito do exercício do poder de autotutela conferido à Administração Pública consagrado no art. 53 da Lei nº 9.784/1999; e
(iii) não seria cabível a alegação da Neoenergia quanto à suposta inexistência de omissão, obscuridade, contradição ou erro material ou de fato na decisão recorrida. Isso porque o art. 10 da Resolução CVM nº 46/2021 refere-se ao pedido de reconsideração de decisão proferida pelo Colegiado em sede recursal e, portanto, tem a sua aplicação após o julgamento do recurso propriamente dito, nas hipóteses taxativamente estabelecidas naquele dispositivo. Desse modo, na fase processual em que este processo se encontra, não há que se falar em pedido de reconsideração.

Em relação ao mérito, a Relatora observou que a principal controvérsia a ser enfrentada neste processo consiste em saber se a participação societária minoritária detida pela Previ na Coelba, adquirida pela Neoenergia no âmbito da Operação, estaria enquadrada no conceito de “ações em circulação” para fins da incidência da OPA por aumento de participação, nos termos do § 6º, do art. 4º, da LSA e do art. 26 da então vigente ICVM n° 361/2002.

Nesse sentido, observou ter restado incontroverso nos autos que o controle da Neoenergia, que antes era exercido de forma compartilhada entre Iberdrola, Previ e BB-BI, passou a ser exercido individualmente pela Iberdrola, conforme disposto no Acordo de Acionistas. Portanto, não haveria qualquer polêmica sobre a saída da Previ do bloco de controle da Neoenergia (e suas Controladas) a partir da entrada em vigor do referido acordo, ocorrida em 24.08.2017.

Assim, a discussão gira em torno, mais especificamente, de duas questões centrais: (i) se haveria uma relação de vinculação entre a Previ e a Neoenergia, acionista controladora da Coelba; e (ii) o momento em que teria sido contratada a aquisição de ações para fins da ICVM nº 361/2002, se na realização da Operação (16.09.2021) ou na celebração do Acordo de Acionistas (07.06.2017).

Em outras palavras, no caso concreto, diante da existência de um controlador definido na Neoenergia e suas Controladas, as únicas hipóteses de as ações detidas pela Previ na Companhia não serem classificadas como em circulação seriam (i) no caso de a Previ ser considerada pessoa vinculada ao controlador, ou (ii) no caso de a Aquisição Coelba ter se configurado em momento anterior à saída da Previ do bloco de controle da Neoenergia e, indiretamente, da Companhia.

Ao analisar eventual relação de vinculação da Previ com o acionista controlador da Companhia, a Relatora destacou que, em linhas gerais, o reconhecimento da vinculação está relacionado à existência de uma atuação coordenada e de uma comunhão de interesses entre os acionistas. Ademais, observou que, na ausência de uma definição mais prescritiva, a jurisprudência da CVM identificou algumas situações que podem caracterizar tal alinhamento, quais sejam: (i) relação de coligação; (ii) relações contratuais (notadamente por meio de acordo de acionistas); e (iii) demais relações de fato que sejam indicativas de vinculação.

Na mesma linha, a Relatora indicou precedentes em que o aspecto da coligação foi analisado pela CVM, à luz da antiga redação do art. 243 da LSA, que concluiu que a classificação como coligada consubstanciava o cumprimento de uma regra objetiva da lei societária, razão pela qual não seria, de per se, indicativo de vinculação. Ao transpor tal entendimento para o caso concreto, e considerando a atual redação do art. 243 da LSA, a Relatora manifestou que a caracterização de vínculo entre o acionista minoritário e o controlador para fins de incidência da OPA por aumento de participação pressupõe mais do que uma mera relação de coligação, devendo-se analisar se há uma relação de subordinação e dependência.

Nesse sentido, em linha com o entendimento manifestado pela SRE, a Relatora entendeu que a relação de coligação existente entre a Neoenergia e a Previ não seria suficiente para caracterizar vínculo entre elas para fins da ICVM nº 361/2002.

No que diz respeito à relação contratual estabelecida entre a Previ e a Iberdrola, por meio do Acordo de Acionistas da Neoenergia, a Relatora ressaltou que o acordo não contava em seu teor com cláusulas que pudessem amparar um compartilhamento do controle da Neoenergia. Ao contrário, o ajuste, celebrado justamente para substituir o Acordo Original, que regulava a relação entre os integrantes do bloco de controle, deixa claro ter havido, em razão da transferência de controle para a Iberdrola, uma mudança nas bases do relacionamento entre os signatários, tendo sido estabelecidos “novos princípios e regras (...) garantindo direitos protetivos e de liquidez” aos acionistas minoritários Previ e BB-BI.

A Relatora também refutou o argumento da Neoenergia de que os elementos fáticos demonstrariam um alinhamento de interesses entre Neoenergia e Previ. Na visão da Relatora, ainda que a participação da Previ no bloco de controle da Neoenergia já viesse de longa data, fato é que, como resultado do processo de reestruturação societária da Neoenergia, houve a alteração da sua estrutura acionária por meio da celebração do Acordo de Acionistas, em 2017, com a saída da Previ do bloco de controle.

Além disso, em linha com a SRE, a Relatora destacou que a ausência de divergências ou desentendimentos entre os então principais acionistas da Neoenergia na condução dos negócios sociais, por si só, “não significa que a Previ esteja vinculada à Iberdrola, atuando em seu interesse, significa apenas que se tem observado uma convergência de entendimento entre as partes nos assuntos deliberados, sem que a Previ tenha que necessariamente vincular suas decisões de modo a acompanhar o direcionamento dos negócios dado pela Iberdrola”.

Diante do exposto, a Relatora concordou com o entendimento da SRE de que a Previ não pode ser considerada como pessoa vinculada à Neoenergia para fins da ICVM n° 361/2002.

Com relação ao momento da aquisição para fins da OPA por aumento de participação, a Relatora observou que a questão envolve a divergência interpretativa quanto à natureza do negócio jurídico contido na Cláusula 15.5 do Acordo de Acionistas e seus efeitos para fins da ICVM nº 361/2002. Na visão da Relatora, tal questão, para além de relevante, é complexa, e, haveria, em tese, bons elementos para defender ambas as interpretações aventadas. Nesse contexto, a Relatora sopesou os argumentos deduzidos com relação à interpretação da estipulação contratual, de modo a examinar o que se poderia, mais razoavelmente, inferir quanto à efetiva intenção das partes signatárias do Acordo de Acionistas.

No que tange à titularidade da relação obrigacional disciplinada na Cláusula 15.5, a Relatora assinalou que, consoante a ampla maioria da doutrina, a companhia não tem legitimidade para figurar como parte, em sentido substancial, em acordo de acionistas, por não ter a titularidade direta dos direitos e deveres com relação às prestações contratuais, as quais se lhe tornam oponíveis por meio do arquivamento do acordo, nos termos do art. 118, caput, da LSA. Conforme destacou, mesmo a corrente minoritária, que admite a possibilidade de a companhia ser credora obrigacional na preferência ou opção de aquisição de ações em acordos de bloqueio, o faz com certos temperamentos, considerando a sociedade como parte apenas excepcionalmente, quando esta puder exercer o direito contratual de forma direta e autônoma.

No caso concreto, na visão da Relatora, o titular do vínculo obrigacional constante da Cláusula 15.5 era a Iberdrola, que, nos termos da própria disposição contratual, assumira, em nome próprio, a obrigação de fazer com que a Neoenergia apresentasse “proposta firme” de compra das participações minoritárias detidas pela Previ no termo estipulado. Assim, a Neoenergia não teria assumido, de forma direta e autônoma, a obrigação de fazer a proposta, i.e., não lhe teria sido outorgado o direito de aquisição de forma autônoma. Para a Relatora, tampouco se pode daí concluir que a Neoenergia teria anuído em assumir diretamente a obrigação de dar cumprimento aos termos de tal disposição contratual, tornando-se com isso, desde então, necessariamente vinculada ao quanto nela prevista.

A propósito, a Relatora pontuou que a manifestação de ciência contida na Cláusula 19.7 do acordo não tem, em sua visão, o condão de tornar a Neoenergia “parte” da avença, mas sim de lhe tornar oponíveis os termos e condições do pacto, relativamente às matérias disciplinadas no art. 118 da LSA, de forma direta.

A Relatora também discordou do argumento da Neoenergia de que não poderia ser qualificada como terceiro “uma vez que Iberdrola seria, ao tempo da prática do ato, controladora exclusiva de Neoenergia”. Nesse ponto, a Relatora destacou que, nos termos da Cláusula 15.5 do Acordo de Acionistas, a obrigação de fazer da Iberdrola se tornaria exigível após o prazo de 360 (trezentos e sessenta) dias da liquidação do IPO, posteriormente postergado para o dia 20.02.2021, estando, desse modo, sujeita a evento futuro e incerto. Ademais, observou que, apesar de vinculadas ao Acordo de Acionistas, as ações de emissão da Neoenergia detidas pela Iberdrola eram passíveis de negociação, nos termos da Cláusula 12 do acordo. Assim, não havia qualquer garantia de que, no prazo estipulado, a Iberdrola permaneceria como controladora da Neoenergia e, consequentemente, teria o poder de compelir a Neoenergia a enviar à Previ proposta para aquisição das participações societárias minoritárias.

De toda sorte, a Relatora observou que a assembleia geral da Neoenergia sequer tinha competência para deliberar sobre a aquisição de ativos, matéria estatutariamente atribuída ao conselho de administração. Nesse cenário, segundo a Relatora, em que pese, na prática, tenha o controlador meios de fazer valer a sua vontade no âmbito dos órgãos de administração, como a substituição dos conselheiros por ele indicados, não se pode ignorar que o cumprimento da obrigação por parte da Iberdrola dependia, em realidade, de um elemento extrínseco, não sendo possível ter visibilidade, antes do decurso do referido prazo convencionado na Cláusula 15.5, sobre a execução específica da prestação assumida na eventualidade de seu inadimplemento.

Passando à análise acerca do objeto do negócio jurídico refletido na Cláusula 15.5 do acordo, a Relatora ressaltou que a referida disposição contratual é silente quanto ao número de ações de emissão das Controladas que seriam transacionadas, e prevê apenas que o objeto da aquisição seriam as “participações societárias minoritárias”, termo cujo significado não foi definido no acordo, dando margem a interpretações díspares. Ademais, considerou que o Acordo de Acionistas não tinha disposição específica vedando o incremento de participação pela Previ, tampouco a redução de sua participação, no período que transcorreria entre a celebração do acordo e os tais 360 dias da liquidação do IPO. Na mesma direção, a Relatora observou que inexistia menção no acordo quanto ao percentual de participação acionária da Previ na Coelba (ou nas Controladas).

Nesse contexto, no entendimento da Relatora, seria mais plausível extrair, do que dispõe o conjunto das disposições, a leitura de que o objeto da relação obrigacional se refere à totalidade das ações de emissão das Controladas que a Previ viesse a deter no momento da concretização da compra e venda.

Segundo a Relatora, uma interpretação integrativa e sistemática do acordo parece indicar que, se as partes realmente quisessem ter proibido que a Previ aumentasse o seu percentual de participação na Companhia, o teriam feito expressamente, o que não ocorreu, sendo certo que as limitações ao interesse privado devem, em regra, ser interpretadas restritivamente. De forma semelhante, observou que tampouco constava do acordo qualquer disposição no sentido de restringir a venda das ações detidas pela Previ na Coelba antes do transcurso do termo fixado na Cláusula 15.5, a indicar, no entendimento da Relatora, que o negócio jurídico ali consubstanciado visava proporcionar uma alternativa adicional para que a Previ liquidasse sua participação nas Controladas naquele horizonte de tempo, mas sem prejuízo de uma a saída a mercado, caso essa se tornasse viável e oportuna para a Previ, o que também é reforçado por meio de uma interpretação sistemática do acordo, que era explícito quanto ao seu objetivo de garantir liquidez para os acionistas minoritários e fazia referência a uma “proposta firme” e não apenas uma notificação.

Nessa esteira, a Relatora ressaltou que, conforme já decidiu a CVM no Caso UOL (PAS nº RJ2012/4062) e no Caso Rede Energia, o conceito de “ações em circulação”, para fins da ICVM nº 361/2002, não é pautado pela possibilidade de negociação das ações. De fato, como mencionado, a noção de liquidez no tocante à OPA por aumento de participação está associada a determinadas características dos titulares da ação, não sendo influenciada por eventuais restrições quanto à negociabilidade dos títulos.

No caso concreto, todavia, a Relatora ressaltou que a negociabilidade se traduz em elemento exegético para identificação da intenção comum materializada na declaração, no sentido de prover liquidez para as participações minoritárias detidas pela Previ nas Controladas e de permitir o desinvestimento da Previ quando já não mais integrava o bloco de controle.

Adicionalmente, a Relatora ponderou que o Colegiado da CVM já decidiu que o conceito de aquisição para fins de OPA por aumento de participação não se refere apenas ao contrato de compra e venda, e que “se o legislador quisesse se referir tão somente à hipótese de compra e venda diretas, ele o faria expressamente, ao invés de utilizar o vocábulo adquirir, que é mais amplo e engloba não só a compra e venda, mas também outras tantas hipóteses de transferência de propriedade, domínio e direito”. Não obstante, a Relatora ressaltou que esse exame somente poderá ser feito de maneira casuística, devendo ser apurado, diante das circunstâncias do caso concreto, em que momento se deu a efetiva aquisição.

Nesse contexto, concluiu que a redação da cláusula em questão estava, na visão da Relatora, bem longe de refletir uma inequívoca intenção de celebrar, desde a partida, uma efetiva compra e venda e, mais ainda, de impedir que a Previ, se eventualmente viesse a ser o caso, aproveitasse uma outra oportunidade de saída em momento anterior ao termo previsto na Cláusula 15.5, por já ter efetivamente “vendido” tais participações em 2017, ao que lhe restaria apenas receber o preço a ser definido de acordo com as subcláusulas 15.5.1 e 15.5.2., o que sequer se coadunaria com as referências expressas a “proposta” e “aceitação de proposta”.

Em suma, no presente caso, considerando que (i) o sujeito passivo da obrigação de fazer consubstanciada na Cláusula 15.5 do Acordo de Acionistas era a Iberdrola, e não a Neoenergia; (ii) a Neoenergia não era titular do direito de aquisição de forma direta e autônoma; (iii) as ações seriam transacionadas em momento futuro, sem que se pudesse descartar o risco de que a Iberdrola não mais fosse acionista controladora da Neoenergia; (iv) não havia disposição acerca de restrição ou vedação de negociação das ações pela Previ; e (v) no momento da celebração do acordo ainda não se tinha visibilidade em relação à quantidade de ações que poderiam ser objeto da proposta firme de compra, a Relatora entendeu que o fato gerador da norma de incidência da OPA por aumento de participação é a efetiva aquisição da participação da Previ na Coelba, ocorrida com a consumação da Operação, ou seja, em 16.09.2021 (e não quando da celebração do Acordo de Acionistas).

Na visão da Relatora, essa conclusão além de ser a mais razoável diante da literalidade da Cláusula 15.5, também se harmoniza com as demais disposições do Acordo de Acionistas e não é desprovida de racionalidade jurídica nem econômica, considerado o contexto e as informações disponíveis e os objetivos das partes no momento da celebração do acordo.

Por fim, a Diretora ressaltou que, caso o Colegiado acompanhe seu voto, os autos devem ser devolvidos à SRE para que verifique se a quantidade de ações de emissão da Coelba adquiridas pela Neoenergia, representativas de 2,29% de seu capital social, resultou na ultrapassagem do limite de 1/3 das ações em circulação da Companhia, consoante dispunha o art. 26 da ICVM nº 361/2002, a ensejar a obrigação de realização da referida OPA pela Neoenergia.

Em conclusão, pelas razões expostas, a Relatora votou pelo provimento do recurso interposto pelos Fundos, e pela consequente devolução dos autos à SRE para as providências cabíveis.
Iniciada a discussão da matéria, após o voto da Relatora Flávia Perlingeiro, o Diretor Otto Lobo solicitou vista do processo.

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