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Decisão do colegiado de 25/04/2023

Participantes

• JOÃO PEDRO BARROSO DO NASCIMENTO – PRESIDENTE (*)
• FLÁVIA MARTINS SANT'ANNA PERLINGEIRO – DIRETORA
• ALEXANDRE COSTA RANGEL – DIRETOR
• OTTO EDUARDO FONSECA DE ALBUQUERQUE LOBO – DIRETOR
• JOÃO CARLOS DE ANDRADE UZÊDA ACCIOLY – DIRETOR
(*)

(*) Participou por videoconferência.

PEDIDO DE INTERRUPÇÃO DO CURSO DO PRAZO DE CONVOCAÇÃO DE ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA DA GAFISA S.A. – PROC. 19957.002748/2023-71

Reg. nº 2848/23
Relator: SEP

Trata-se de pedido de interrupção do curso do prazo de antecedência da convocação de Assembleia Geral Extraordinária (“AGE”) da Gafisa S.A. (“Gafisa” ou “Companhia”), convocada para 28.04.2023, formulado pelo acionista ESH Theta Fundo de Investimento Multimercado (“Requerente”) com base no que dispõe o art. 68 da Resolução CVM nº 81/2022 c/c art. 124, § 5º, II, da Lei n° 6.404/1976 (“LSA”).

Em 28.03.2023, a Companhia publicou edital de convocação para Assembleia Geral Ordinária e Extraordinária a ser realizada em 28.04.2023, dentre outros, com os seguintes itens na ordem do dia da AGE:

a. aprovação da propositura de ação de responsabilidade em decorrência dos prejuízos causados à Companhia na operação de aquisição da Bait Inc., em face de alguns administradores;

b. aprovação da propositura de ação de responsabilidade em decorrência dos prejuízos causados na operação de alienação do Hotel Fasano, em face de alguns administradores;

c. alteração da cláusula 20, (p), do estatuto social da Companhia, de modo que a competência do conselho de administração da Companhia para a escolha ou destituição da auditoria independente esteja limitada a uma das 4 (quatro) maiores empresas (...);

d. aprovação da propositura de ação indenizatória por abuso de direito em face do Requerente; e

e. aprovação da suspensão dos direitos políticos do acionista ESH THETA FUNDO DE INVESTIMENTO MULTIMERCADO, na forma do art. 120 da Lei nº 6.404/76, em razão de sua conduta em abuso de direito.”.

A proposta da administração para a AGE contém detalhes acerca dos pedidos a serem pautados na assembleia, destacando-se para fins de análise do requerimento em tela, as seguintes informações:

(i) os pedidos de inclusão de pauta referentes à propositura de ações de responsabilidade em face de determinados administradores foram protocolados pelo Requerente, com base em supostos prejuízos decorrentes de negócios celebrados pela Companhia;

(ii) a administração da Companhia entende que os pedidos derivam de acusações inverídicas proferidas pelo Requerente, o que seria uma prática reiterada, conforme ocorrido em pedidos semelhantes em assembleias anteriores; e

(iii) o pedido de inclusão de matéria acerca da suspensão dos direitos políticos foi apresentado pelo acionista Estocolmo Fundo de Investimento Multimercado Crédito Privado (“Fundo Estocolmo”), com base na alegação de que a “conduta adotada pelo Requerente teria afetado negativamente a Companhia, prejudicando o seu posicionamento comercial, a estabilidade jurídica de transações realizadas, e a sua capacidade de financiamento junto a acionistas e terceiros”.

Em 03.04.2023, o Requerente apresentou pedido de interrupção do curso do prazo de convocação da AGE, por até 15 (quinze) dias, a fim de que a CVM analisasse seu questionamento de que seria ilegal o pedido de inclusão, por parte do Fundo Estocolmo, de deliberação acerca da suspensão dos direitos políticos atrelados às suas ações. Alternativamente, solicitou que a suposta ilegalidade fosse declarada desde logo, caso fosse possível ao Colegiado chegar a tal conclusão no prazo de apreciação do pedido.

Segundo o Requerente, o Fundo Estocolmo – alegadamente um dos veículos de investimento controlados por N.T. (“Acionista N.T.”) – pretende suspender os direitos políticos do Requerente como forma de retaliação às diversas medidas por ele adotadas na defesa dos seus interesses e dos demais acionistas da Companhia. Além disso, alegou que tal prática configuraria mais uma tentativa do Acionista N.T. de exercer, de forma abusiva, o poder de controle acionário supostamente executado há anos sobre a administração da Companhia.

O Requerente também afirmou que o pedido de suspensão apresentado não encontra respaldo jurídico no art. 120 da LSA, uma vez que, na sua visão: (i) o mencionado dispositivo legal prevê a possibilidade de restrição de direitos políticos somente em casos nos quais resta claro o descumprimento de uma obrigação imposta por lei ou estatuto social. E, no caso, o pedido sequer teria demonstrado o fundamento específico que deflagraria o suposto descumprimento, se limitando a indicar, de forma imprecisa, um eventual abuso de direito; (ii) as condutas supostamente atribuídas ao Requerente já teriam ocorrido, o que afastaria a aplicação da regra, pois não se admite a suspensão de direitos políticos com base em fatos pretéritos; e (iii) a possibilidade prevista no art. 120 não pode ser usada como forma de solucionar conflitos entre acionistas, conforme entendimento apresentado em precedente da CVM.

Instada a se manifestar, a Companhia encaminhou as informações apresentadas pelo Fundo Estocolmo acerca da deliberação por ele solicitada, nos seguintes principais termos:

(i) o Requerente tem abusado das prerrogativas conferidas pela LSA, notadamente o direito ao chamamento de assembleias gerais extraordinárias com o único intuito de satisfazer os interesses persecutórios de seu gestor;

(ii) a redação do art. 120 da LSA não limitaria a aplicação do vocábulo “lei”, sendo que o descumprimento de dispositivos legais estranhos à lei societária, quando associados à conduta do acionista, poderia ser invocado para fins da suspensão de direitos; e

(iii) no caso concreto, o Requerente se enquadraria à figura do abuso de direito, previsto no art. 187 da Lei nº 10.406/2002 (“Código Civil”). Assim, o exercício, pelo Requerente, das prerrogativas conferidas pela alínea “c” do art. 123 da LSA e pelo art. 37 da Resolução CVM 81/2022, quando analisadas sob o prisma do art. 187 do Código Civil, se caracterizam como flagrantes condutas abusivas, em prejuízo dos interesses legítimos dos demais acionistas, da própria Companhia e de seus administradores.

Em manifestação consubstanciada no Parecer Técnico nº 31/2023-CVM/SEP/GEA-3, a Superintendência de Relações com Empresas – SEP destacou que sua análise em tela se restringiu à alegação de ilegalidade do item “e” da ordem do dia da AGE.

Nesse sentido, a SEP observou o disposto nos artigos 120 e 109 da LSA, tendo destacado que: (i) o art. 120 prevê a possibilidade da suspensão, pela assembleia geral, de direitos do acionista, desde que preenchidos os requisitos citados no próprio artigo; e (ii) o art. 109 da mesma Lei traz o rol de direitos essenciais, traduzidos como aqueles que nem o estatuto e nem a assembleia geral podem suprimi-los, ainda que temporariamente.

Diante disso, em relação ao caso em tela, a SEP ressaltou que, se considerarmos que os direitos políticos, embora não definidos em Lei, não englobam quaisquer dos direitos elencados no mencionado art. 109, no entendimento da área técnica, em tese, seria possível sua suspensão por deliberação da assembleia geral.

Não obstante, a SEP observou que o descumprimento de obrigação legal ou estatutária, que embasaria a utilização das prerrogativas trazidas pelo art. 120 da LSA, não está identificado no edital de convocação e na proposta da administração, de modo que, na visão da área técnica, o Fundo Estocolmo não teria logrado êxito na tarefa de comprovar que o Requerente estaria descumprindo alguma obrigação legal ou estatutária que fundamentasse o pedido de aplicação de sanção.

No mesmo sentido, a SEP destacou que a afirmação ora apresentada pelo Fundo Estocolmo de que o Requerente teria descumprido o art. 187 do Código Civil, além de não ter sido informação citada nos documentos referentes à AGE, no entendimento da área técnica, não seria suficiente para as pretensões de suspensão dos direitos de acionista, notadamente por ser um descumprimento pretérito, não passível, portanto, de cessação neste momento, conforme exigido pelo citado art. 120. Isso porque, segundo a SEP, eventual suspensão se prolongaria indefinidamente no tempo, em função da impossibilidade de cessação.

Além disso, a SEP ressaltou que o instituto da suspensão dos direitos políticos teve origem na intenção de forçar o cumprimento de uma obrigação e não o de ser instrumento de solução de conflitos em geral, em linha com a decisão do Colegiado da CVM no âmbito do Processo CVM nº 19957.004743/2016-53 (apreciado em Reunião de 21.07.2016). Nesse contexto, de acordo com a área técnica, “Por interferir de maneira relevante na esfera dos direitos do acionista, tal instituto não pode ser indiscriminadamente utilizado, devendo ser respeitados os limites legais e, sobretudo, ser investigadas quais obrigações, quando descumpridas, ensejariam a possibilidade de aplicação da suspensão do exercício de direitos do acionista, o que não ocorreu no presente caso”.

Pelo exposto, no entendimento da SEP, a proposta de deliberação da suspensão dos direitos políticos do Requerente mostra-se ilegal, uma vez que não cumpre os requisitos elencados no art. 120 da LSA. Assim, a SEP concluiu pela impossibilidade de se levar à deliberação da assembleia geral, convocada para o dia 28.04.2023, o item que propõe a suspensão dos direitos políticos do Requerente.

Diante do exposto, a SEP sugeriu que o Colegiado: (i) com base no art. 124, §5º, II, da LSA, interrompesse, por até 15 (quinze) dias, o curso do prazo de antecedência da convocação da AGE da Gafisa convocada para 28.04.2023, a fim de analisar a referida proposta de suspensão dos direitos políticos do Requerente e, se for o caso, informar à Companhia, até o término da interrupção, as razões pelas quais entende que essa deliberação viola dispositivos legais ou regulamentares; ou (ii) caso entenda, de plano (assim como a SEP), ser ilegal a proposta mencionada, declare a impossibilidade de deliberação sobre a suspensão dos direitos políticos do Requerente, o que, na visão da SEP, permitiria a realização da AGE, desde que esse item seja retirado de pauta.

A Diretora Flávia Perlingeiro acompanhou integralmente as razões e conclusões da SEP pela ilegalidade flagrante, identificável de plano, da proposta de deliberação em AGE de suspensão dos direitos políticos do acionista minoritário, consoante apontadas no Parecer Técnico nº 31/2023-CVM/SEP/GEA-3. Em acréscimo, enfatizou que, considerando a natureza sancionatória da norma contida no art. 120 da Lei nº 6.404/1976, de efeitos significativamente relevantes na esfera dos direitos dos acionistas, sua aplicação requer cautela máxima.

Ponderou a Diretora que a suspensão de direitos com base em conceito jurídico indeterminado, de análise subjetiva, como se daria na hipótese de abuso de direito, acarretaria expressiva insegurança jurídica, bem como tenderia a inibir o legítimo exercício do direito essencial dos acionistas de fiscalizar a gestão dos negócios sociais. Pontuou, ainda, que, da forma como colocado no caso concreto, sem um descumprimento específico e objetivamente verificável, o modo de cessação como remédio para purgar a mora e reestabelecer os direitos do acionista atingido restaria praticamente indefinido, inclusive potencialmente frustrando o exercício do referido direito essencial de fiscalização, o que, na visão da Diretora, encontra-se em clara dissonância com o arcabouço jurídico-societário.

Por fim, a Diretora Flávia Perlingeiro destacou o importante papel de investidores engajados para o bom funcionamento e desenvolvimento do mercado de capitais, seja suscitando discussões que contribuem para a revisão e o aprimoramento da governança corporativa das companhias, seja promovendo denúncias que servem também de subsídio para atividades de supervisão e fiscalização da CVM.

O Presidente João Pedro Nascimento e os Diretores Alexandre Rangel, João Accioly e Otto Lobo também acompanharam os fundamentos e conclusões da SEP, bem como a manifestação da Diretora Flávia Perlingeiro.

O Diretor Otto Lobo entendeu relevante destacar também que não restou demonstrado pelo Fundo Estocolmo o evento que o Requerente teria “deixa[do] de cumprir obrigação imposta pela lei ou pelo estatuto”, consoante previsto no art. 120 da Lei n° 6.404/76, o que, por si só, tornaria ilegal a suspensão pretendida.

De igual modo, o Diretor Otto Lobo reiterou que, ao estabelecer que a suspensão do exercício de direitos do acionista deve cessar “logo que cumprida a obrigação”, o art. 120 vedou a utilização de eventos pretéritos para fundamentar a suspensão, na medida em que não é possível que a suspensão perdure ad aeternum.

Por fim, o Diretor apontou que, no caso ora analisado, a suspensão violaria o direito essencial do referido acionista de fiscalizar a gestão dos negócios sociais, consoante previsto no art. 109, III, da Lei n° 6.404/76.

Em conclusão, o Colegiado, por unanimidade, acompanhou a análise da SEP consubstanciada no Parecer Técnico nº 31/2023-CVM/SEP/GEA-3. Sendo assim, considerando a evidente ilegalidade da proposta constante do item “e” da ordem do dia a ser submetida à AGE, convocada para 28.04.2023, o Colegiado determinou, nos termos do art. 124, § 5º, II, da LSA, que a Companhia seja informada acerca das conclusões do Colegiado sobre a referida ilegalidade, inclusive com relação aos seus fundamentos, destacando seu entendimento de que seria possível a realização da AGE na data prevista desde que o item "e" da ordem do dia seja retirado de pauta.

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