Decisão do colegiado de 16/05/2023
Participantes
• JOÃO PEDRO BARROSO DO NASCIMENTO – PRESIDENTE
• FLÁVIA MARTINS SANT'ANNA PERLINGEIRO – DIRETORA
• ALEXANDRE COSTA RANGEL – DIRETOR
• OTTO EDUARDO FONSECA DE ALBUQUERQUE LOBO – DIRETOR
• JOÃO CARLOS DE ANDRADE UZÊDA ACCIOLY – DIRETOR
RECURSO CONTRA DECISÃO DA SRE – OPA POR AUMENTO DE PARTICIPAÇÃO NA COMPANHIA DE ELETRICIDADE DO ESTADO DA BAHIA – COELBA – PROC. 19957.008764/2021-13
Reg. nº 2617/22Relator: DFP (Pedido de vista DOL)
Trata-se de retomada da análise iniciada na Reunião do Colegiado de 28.03.2023, acerca de recurso interposto por Argucia Income Fundo de Investimento em Ações, Argucia Quark Fundo de Investimento Multimercado, Sparta Fundo de Investimento em Ações – BDR Nível I, Argucia Endowment Fundo de Investimento Multimercado, Dust Fundo de Investimento em Ações – BDR Nível I e Electra Fundo de Investimento em Ações (em conjunto, “Recorrentes” ou “Fundos”), na qualidade de acionistas minoritários da Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia – Coelba (“Coelba” ou “Companhia”), contra entendimento da Superintendência de Registro de Valores Mobiliários – SRE manifestado no âmbito de consulta formulada pelos Fundos sobre eventual obrigação de realização, pela Neoenergia S.A. (“Neoenergia”), de oferta pública de aquisição de ações (“OPA”) por aumento de participação na Companhia, nos termos do § 6º, do art. 4º, da Lei nº 6.404/1976 (“LSA”) e do art. 26 da então vigente Instrução CVM (“ICVM”) nº 361/2002.
A questão em análise está relacionada à aquisição, pela Neoenergia, da participação societária minoritária detida pela Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (“Previ”) na Coelba, controlada da Neoenergia (“Aquisição Coelba”), no contexto de operação que envolveu também a aquisição, pela Neoenergia, das participações minoritárias detidas pela Previ em outras duas controladas, quais sejam, Companhia Energética do Rio Grande do Norte (“Cosern”) e Afluente Transmissão de Energia Elétrica (“Afluente T” e, em conjunto com Coelba e Cosern, “Controladas”), celebrada em 16.09.2021 (“Operação”), conforme Comunicado ao Mercado divulgado pela Neoenergia na mesma data.
Da mesma forma, a questão foi abordada em consulta prévia da Companhia, que destacou que o Acordo de Acionistas celebrado em 07.06.2017 (“Acordo de Acionistas” ou “Acordo”) havia disciplinado a nova distribuição da estrutura acionária da Neoenergia, cujo controle passou a ser exercido individualmente pela Iberdrola Energia S.A. (“Iberdrola”), conferindo certos direitos de governança e de liquidez para a Previ e o BB Banco de Investimentos S.A. (“BB-BI”), que anteriormente a celebração do Acordo de Acionistas, exerciam o controle compartilhado da Neoenergia em conjunto com a Iberdrola no âmbito de acordo de acionistas celebrado em 05.10.2005.
Em resposta à consulta apresentada pelos Fundos (e anteriormente pela Neoenergia), nos termos do Parecer Técnico nº 11/2022/CVM/SRE/GER-1, a SRE manifestou o entendimento de que a aquisição de ações de emissão das Controladas, para fins da ICVM n° 361/2002, ocorrera quando da celebração do Acordo de Acionistas, em 07.06.2017, na medida em que sua Cláusula 15.5 estabelecia, em caráter irrevogável, a obrigação de a Iberdrola direcionar a Neoenergia a adquirir tais ações.
Em síntese, a área técnica considerou que a aquisição tinha “ocorrido em momento em que a Previ compartilhava o controle da Neoenergia juntamente à Iberdrola e ao Banco do Brasil S.A.”, o que fazia com que “tais ações não devessem ser consideradas como ações em circulação, para fins de incidência de OPA por aumento de participação, quando da conclusão de tal compra e venda, ocorrida apenas em 2021”.
Ao analisar o recurso, nos termos do Ofício Interno nº 33/2022/CVM/SRE/GER-1, a SRE manteve seu entendimento de que não haveria a necessidade de realização de OPA por aumento de participação da Companhia, conforme exposto por meio do Parecer Técnico nº 11/2022-CVM/SRE/GER-1. O recurso dos Fundos e a manifestação da Neoenergia sobre o recurso foram destacados nos itens 15 e 16 do Ofício Interno nº 33/2022/CVM/SRE/GER-1.
Em Reunião do Colegiado de 28.03.2023, a Diretora Relatora Flávia Perlingeiro apresentou voto pelo provimento do recurso interposto pelos Fundos, e pela consequente devolução dos autos à SRE para as providências cabíveis. No entendimento da Relatora, o fato gerador da norma de incidência da OPA por aumento de participação é a efetiva aquisição da participação da Previ na Coelba, ocorrida com a consumação da Operação, ou seja, em 16.09.2021 (e não quando da celebração do Acordo de Acionistas), considerando que (i) o sujeito passivo da obrigação de fazer consubstanciada na Cláusula 15.5 do Acordo de Acionistas era a Iberdrola, e não a Neoenergia; (ii) a Neoenergia não era titular do direito de aquisição de forma direta e autônoma; (iii) as ações seriam transacionadas em momento futuro, sem que se pudesse descartar o risco de que a Iberdrola não mais fosse acionista controladora da Neoenergia; (iv) não havia disposição acerca de restrição ou vedação de negociação das ações pela Previ; e (v) no momento da celebração do acordo ainda não se tinha visibilidade em relação à quantidade de ações que poderiam ser objeto da proposta firme de compra.
Os detalhes do caso, a manifestação da área técnica e o voto da Relatora encontram-se disponíveis na Ata da Reunião de 28.03.2023.
Em Manifestação de Voto, o Diretor Otto Lobo, que havia solicitado vista do processo na Reunião do Colegiado de 28.03.2023, destacou que o ponto de partida para a discussão sobre a incidência do art. 4º, §6º, da Lei n° 6.404/1976 e art. 26 da ICVM 361 perpassa, necessariamente, pelo enquadramento conferido às ações detidas pela Previ e objeto da aquisição pela Neoenergia — se como ações em circulação para efeito de OPA ou se “ações detidas pelo acionista controlador, por pessoas a ele vinculadas, por administradores da companhia objeto, e aquelas em tesouraria”.
Desse modo, o Diretor observou que o tema se desdobra nas seguintes questões a serem analisadas: (i) se há relação de vinculação entre a Previ e a Neoenergia, controladora da Coelba, nos termos do inciso III do art. 3º da ICVM 361; e (ii) em que momento se deu a aquisição pela Neoenergia das participações detidas pela Previ na Coelba — se à época em que a Previ fazia parte do bloco de controle da Neoenergia ou em momento posterior a sua saída do bloco de controle.
Em relação à primeira questão, o Diretor Otto Lobo concordou com a análise da SRE e da Diretora Relatora, no sentido de que a Previ não pode ser considerada como pessoa vinculada ao acionista controlador da Coelba (Neoenergia), para fins da ICVM 361.
Quanto ao momento em que se configurou a aquisição, pela Neoenergia, das ações de emissão da Coelba então detidas pela Previ, o Diretor, divergindo do Voto da Relatora, também acompanhou o entendimento exarado pela SRE, segundo o qual as ações de emissão da Coelba, então detidas pela Previ, adquiridas pela Neoenergia não compunham o free float da Companhia, sobretudo por tratar-se de aquisição de ações entre integrantes do bloco de controle de uma companhia aberta.
Nesse ponto, o Diretor Otto Lobo teceu considerações a respeito da OPA por aumento de participação, tendo destacado que o objetivo do arcabouço legal e normativo é impedir que o acionista controlador adquira quantidade significativa de ações que venha a reduzir a liquidez das mesmas, além de coibir o chamado “fechamento branco de capital”.
Ademais, ressaltou que o entendimento da SRE se baseou no fato de que a alienação das ações foi contratada no Acordo de Acionistas celebrado em 07.06.2017, quando Neoenergia e Previ eram controladoras da Coelba e não na data da efetiva transferência das participações detidas pela Previ, em 16.09.2021. Esta conclusão se dá pelo fato de que, em 16.09.2021, quando da efetivação da venda pela Previ de suas participações minoritárias na Coelba para a Neoenergia, ambas, compradora e vendedora, estavam obrigadas a fazê-lo por força do disposto na Cláusula 15.5 do Acordo de Acionistas celebrado em 07.06.2017.
Nesse sentido, o Diretor Otto Lobo ressaltou que, em vista do pleno adimplemento da obrigação vinculada, restou demonstrada a essência da negociação originalmente pactuada entre as partes — de um contrato de compra e venda —, refletida na Cláusula 15.5 do Acordo de Acionistas, considerando, ainda, que o Acordo não conferia às partes o direito de desistir do contrato. Ou seja, na visão do Diretor, não obstante a eficácia da transferência das ações ter sido postergada para o momento futuro (360 dias após a liquidação da oferta pública inicial), a compra e venda de tais ações foi prevista naquela oportunidade, momento em que ambas as partes integravam o grupo de controle da Coelba.
Desse modo, no entendimento do Diretor Otto Lobo, “independentemente da discussão acerca da existência ou não de um contrato perfeito de compra e venda, o Acordo de Acionista de 07.06.2017, ao gerar a obrigação vinculante, torna-se, para fins da análise ora realizada, o marco temporal para o enquadramento do objeto da transação (“participações minoritárias detidas pela Previ”), que inclui as ações subscritas por força do exercício do direito de preferência no âmbito dos aumentos de capital promovidos pela Coelba, as quais tiveram como objetivo simplesmente manter o percentual de participação detida pela Previ — 2,29% do capital social da Coelba”.
Pelas razões expostas em sua Manifestação de Voto, o Diretor Otto Lobo concluiu que a participação na Coelba detida pela Previ alienada à Neoenergia não integrava o free float da Companhia, razão pela qual votou pelo não provimento do recurso dos Fundos, de modo a manter a decisão proferida pela SRE que reconheceu a inexigibilidade da realização de OPA por aumento de participação, nos termos do §6º do artigo 4º da Lei nº 6.404/1976 e do art. 26 da ICVM 361, pela Neoenergia.
O Presidente João Pedro Nascimento apresentou Manifestação de Voto acompanhando integralmente o entendimento da SRE no sentido de que não há obrigatoriedade de realização de OPA por Aumento de Participação no caso concreto.
Em síntese, após apresentar considerações teóricas sobre o tema em análise, o Presidente destacou que a discussão sobre a necessidade de realização de OPA por Aumento de Participação, no presente caso, gira em torno de uma operação que se deu no contexto de um Acordo de Acionistas contratado por acionistas controladores (e não entre um acionista controlador e um acionista titular de ações em circulação), à época em que a Previ, em conjunto com a Iberdrola e a BBI compartilhavam e eram titulares do poder de controle em relação à Neoenergia.
Nesse contexto, o Presidente entendeu que a contratação da Operação foi realizada de forma definitiva na data da celebração do Acordo de Acionistas, ainda que a eficácia da Operação fosse condicionada à Incorporação que ocorreu em agosto de 2017. Assim, observou que, tendo em vista que as movimentações entre controladores não geram redução de liquidez das ações em circulação da companhia, não poderia haver a expectativa de que a Previ contribuísse para a liquidez das ações da Coelba.
Desse modo, o Presidente João Pedro Nascimento concluiu que, partindo da premissa de que a OPA por Aumento de Participação tem como finalidade proteger a liquidez das ações no mercado, uma vez que essas ações não eram integrantes do free float, não há sentido falar de OPA por Aumento de Participação.
Adicionalmente, o Presidente João Pedro Nascimento analisou outros pontos que considerou relevantes no caso, a saber: (i) a existência e validade de compra e venda no Acordo de Acionistas; e (ii) o comportamento das partes posterior à Operação.
Na visão do Presidente, o compromisso contemplava os elementos essenciais do negócio jurídico (art. 104 da Lei nº 10.406/2002, “Código Civil”) e, ainda, os elementos complementares das operações de compra e venda (art. 481 do Código Civil), considerando que: (i) o objeto da obrigação contratada no Acordo de Acionistas (i.e., a aquisição da totalidade de ações de titularidade da Previ de emissão das controladas) parece claro e bem definido; e (ii) estão identificados os parâmetros para determinação do preço, que as partes definiram de forma detalhada do método de apuração, prevendo inclusive o procedimento a ser adotado entre as partes em caso de divergência do valor sugerido. Sendo assim, concluiu que existia uma obrigação vinculante da Neoenergia de adquirir as ações de emissão da Coelba de titularidade da Previ.
Nessa direção, o Presidente destacou que conceito de “aquisição” não deve ser restrito apenas à efetiva transferência das ações ao acionista controlador e deve contemplar também outras formas de obrigação contratual, posto que: (i) a compra e venda de ações não é negócio jurídico solene ou formal; e (ii) no caso de compra e venda de ações, a efetiva transferência da propriedade em relação às ações só se aperfeiçoa e se torna definitivamente eficaz com a transferência das ações, mas o contrato de compra e venda é consensual (i.e., o contrato se considera formado com o acordo de vontades e não pressupõe a imediata entrega da coisa).
Por fim, ao analisar o comportamento das partes após a celebração do Acordo de Acionistas, tendo em vista o disposto no art. 113 do Código Civil, o Presidente João Pedro Nascimento observou que: (i) de um lado, a Neoenergia reconheceu a obrigação de aquisição das ações da Coelba de titularidade da Previ, visto que: (a) a Operação se deu nos termos da Cláusula 15.5 do Acordo de Acionistas; e (b) desde o momento da celebração do Acordo em 2017, a Neoenergia registrou contabilmente o valor correspondente à compra das ações da Previ em suas demonstrações financeiras, tendo inclusive ajustado o valor até a conclusão da compra e venda em 2021; e (ii) de outro lado, a Previ vendeu suas ações nos termos da cláusula contratada e não realizou nenhuma operação de compra e venda no mercado de 2017 até a conclusão da Operação em 2021.
Pelas razões expostas em sua Manifestação de Voto, o Presidente João Pedro Nascimento votou pelo não provimento do recurso.
O Diretor João Accioly acompanhou as manifestações do Diretor Otto Lobo e do Presidente João Pedro Nascimento.
O Diretor Alexandre Rangel acompanhou a Manifestação de Voto do Presidente João Pedro Nascimento.
Em conclusão, por maioria, vencida a Diretora Flávia Perlingeiro, o Colegiado decidiu pelo não provimento do recurso, mantendo o entendimento da área técnica de que não há obrigatoriedade de realização de oferta pública de aquisição de ações por aumento de participação no caso concreto.
- Anexos
- Consulte a Ata da Reunião em que esta decisão foi proferida: