Decisão do colegiado de 30/04/2024
Participantes
• JOÃO PEDRO BARROSO DO NASCIMENTO – PRESIDENTE
• OTTO EDUARDO FONSECA DE ALBUQUERQUE LOBO – DIRETOR
• JOÃO CARLOS DE ANDRADE UZÊDA ACCIOLY – DIRETOR
• DANIEL WALTER MAEDA BERNARDO – DIRETOR
• MARINA PALMA COPOLA DE CARVALHO – DIRETORA
RECURSO CONTRA ENTENDIMENTO DA SSE NO ÂMBITO DE CONSULTA FORMULADA POR DYNASTY GLOBAL INVESTMENTS BR LTDA. – PROC. 19957.014289/2022-97
Reg. nº 3015/24Relator: SSE/GSEC-1 (Pedido de vista DOL)
Trata-se de retomada das discussões realizadas pelo Colegiado da CVM em reuniões de 06.02.2024 e 16.04.2024, acerca de recurso interposto por Dynasty Global Investments BR Ltda. ("Dynasty" ou "Recorrente"), sociedade emissora de ativo digital, contra entendimento proferido pela Superintendência de Securitização e Agronegócio – SSE, nos termos do Parecer Técnico nº 60/2023-CVM/SSE/GSEC-1 (“Parecer Técnico SSE nº 60”), em resposta à consulta apresentada pela Dynasty acerca de eventual caracterização do ativo digital D¥Ns como valor mobiliário (“Consulta”).
Em síntese, a Consulta expôs o entendimento de que os D¥Ns, tokens emitidos pela Dynasty, “não se enquadram no conceito de valor mobiliário previsto no art. 2º da Lei 6.385/76, de sorte que sua oferta não esteja sujeita a registro prévio por esta D. Autarquia”. Nessa linha, a Recorrente destacou que os D¥Ns teriam como finalidade precípua operar como meio de pagamento em um ecossistema desenvolvido pela Dynasty.
Após examinar as características do ativo e as informações trazidas pela Dynasty, a SSE elaborou o Parecer Técnico SSE nº 60, tendo concluído que os D¥Ns possuem as características de um Contrato de Investimento Coletivo (“CIC”), estando, portanto, sujeito à legislação aplicável e à regulamentação da CVM.
Em seu recurso, a Dynasty argumentou, resumidamente, que os D¥Ns não representariam um contrato de investimento coletivo, afirmando que: (i) não haveria qualquer objetivo ou finalidade comum entre os titulares de D¥Ns ao que normalmente se convenciona chamar de “empreendimento coletivo”, uma vez que o token estaria individualizado na figura de cada adquirente, que o utilizará para finalidades diversas de pagamento; (ii) os D¥Ns não confeririam quaisquer direitos de participação, de parceria ou remuneração; e (iii) os D¥Ns não ofereceriam qualquer rendimento que advenha de esforço específico da Dynasty ou de terceiros, pois a Dynasty não atua para proporcionar rendimentos aos detentores dos D¥Ns, sendo o mecanismo de Buyback and Burn acionado de forma totalmente discricionária e não antecipada pela Dynasty, com o simples objetivo de controlar o volume de D¥Ns em circulação e consequentemente o seu poder de compra.
O mecanismo de Buyback and Burn foi mencionado na Consulta no seguinte sentido: “Com o fim específico de proteção do poder de compra dos D¥Ns, a Dynasty adquire ativos imobiliários ao redor do mundo e se utiliza do fluxo de caixa oriundo de tais ativos para implementar mecanismo de Buyback & Burn, que consiste, basicamente, na compra de tokens em mercado secundário e posterior cancelamento (queima) para incrementar a escassez e, consequentemente, incentivar um volume de sua circulação no mercado.”.
A SSE, por meio do Ofício Interno nº 41/2023/CVM/SSE/SEC-1 (“Ofício Interno nº 41”), analisou as razões do recurso apresentado e, repisando os argumentos expostos no Parecer Técnico SSE nº 60, propôs o indeferimento do pedido, mantendo o entendimento de que os D¥Ns se enquadram no conceito de valor mobiliário, nos termos do art. 2º, inciso IX, da Lei nº 6.385/1976.
Em 06.02.2024, o Colegiado deu início à análise do recurso, ocasião em que o Presidente João Pedro Nascimento solicitou vista do processo. Durante as vistas, em linha com as discussões ocorridas na referida reunião do Colegiado, o Presidente solicitou à SSE diligências complementares. Em resposta, a SSE apresentou manifestação complementar nos termos do Ofício Interno nº 5/2024/CVM/SSE/GSEC-1.
Após receber o Ofício complementar da SSE, o Presidente João Pedro Nascimento apresentou manifestação de voto, tendo destacado que, para fins de caracterização de um CIC, o Colegiado da CVM tem reiteradamente considerado as seguintes características de um contrato de investimento coletivo para decidir se determinado título é ou não um valor mobiliário:
(i) Investimento: aporte em dinheiro ou bem suscetível de avaliação econômica;
(ii) Formalização: título ou contrato que resulta da relação entre investidor e ofertante, independentemente de sua natureza jurídica ou forma específica;
(iii) Caráter coletivo do investimento;
(iv) Expectativa de benefício econômico: seja por direito a alguma forma de participação, parceria ou remuneração, decorrente do sucesso da atividade referida no item (v) a seguir;
(v) Esforço de empreendedor ou de terceiro: benefício econômico resultante da atuação preponderante de terceiro que não o investidor; e
(vi) Oferta pública: esforço de captação de recursos junto à poupança popular.
Nesse contexto, o Presidente João Pedro Nascimento concluiu que os D¥Ns se amoldam ao conceito de valor mobiliário, uma vez que estariam presentes os elementos caracterizadores de um contrato de investimento coletivo, nos termos do inciso IX do art. 2º da Lei nº 6.385/1976, de modo que sua oferta estaria sujeita a registro prévio ou dispensa desta CVM. Assim, o Presidente votou pelo indeferimento do recurso, ratificando as conclusões contidas no Parecer Técnico SSE nº 60.
Em suas considerações, quanto aos requisitos da “expectativa de benefício econômico” e do “esforço de empreendedor ou de terceiro”, em síntese, o Presidente da CVM destacou: (i) o caráter de investimento dos D¥Ns, tanto pela forma pela qual tais tokens são promovidos e divulgados pela Dynasty (inclusive o mecanismo de Buyback and Burn), quanto pelos indícios apresentados em relação às motivações para sua aquisição pelos adquirentes; e (ii) que no modelo de negócio proposto, a Dynasty assume a responsabilidade pela gestão dos ativos imobiliários, que daria suporte financeiro à implementação dos mecanismos de preservação do preço dos D¥Ns e de ampliação da negociabilidade dos tokens no mercado secundário. Assim, na visão do Presidente, os esforços envidados pela Dynasty na qualidade de promotora do empreendimento são preponderantes e decisivos para a expectativa de benefício econômico oferecida.
O Presidente da CVM entendeu que não há um direito de participar nos resultados do empreendimento intrínseco ao token ofertado. Não obstante, ao analisar a realidade econômica por detrás do mecanismo de Buyback and Burn e a forma pela qual ele é ofertado aos investidores, o Presidente concluiu que há um “direito de remuneração” aos titulares dos D¥Ns.
Segundo o Presidente da CVM, em que pese o Whitepaper e as informações fornecidas pela Recorrente afirmarem que o mecanismo de Buyback & Burn seria utilizado para fins de estabilização do preço dos D¥Ns, nota-se que, na realidade, esse mecanismo é divulgado e promovido como o objetivo assegurar aos adquirentes que o valor investido terá seu poder de compra mantido, isto é, na prática, ele será remunerado, ao menos, pela variação da inflação.
A Diretora Marina Copola, por sua vez, discordou das conclusões da área técnica e do voto do Presidente João Pedro Nascimento, tendo apresentado manifestação de voto pelo provimento do recurso.
De início, a Diretora Marina Copola destacou seu entendimento de que não foi preenchido no caso o requisito de “expectativa de benefício econômico” gerada pelo título, tendo apresentado suas considerações sobre os limites para a interpretação do referido requisito. Segundo a Diretora, a estabilização do dito poder de compra por meio de mecanismos que visem atuar em sentido contrário à pressão inflacionária guarda mais semelhança com o papel desempenhado por autoridades monetárias em relação às moedas sob sua responsabilidade, do que daquilo que tipicamente se espera “do empreendedor ou de terceiros” nos termos do inciso IX.
No entendimento da Diretora Marina Copola, o mesmo raciocínio se aplicaria para a adoção de medidas com o objetivo de gerar liquidez, a partir das quais se poderia esperar a “valorização dos D¥Ns no mercado secundário”. Para a Diretora, tais medidas, embora criem condições para uma negociação com terceiros com potenciais ganhos, não são aptas a gerar um benefício intrínseco ao ativo, decorrente de um “direito de participação, parceria ou remuneração”, como exige a lei.
Quanto à motivação do investidor, a Diretora Marina Copola ressaltou que “não é porque um indivíduo tinha uma expectativa de investimento diante de um determinado ativo, que essa percepção tem o condão de converter o referido ativo em valor mobiliário”. Assim, a Diretora destacou que os elementos constantes nos autos não foram suficientes para que, no caso, a levassem a concluir que todas as condições para a caracterização do D¥N como valor mobiliário tenham sido preenchidas, razão pela qual votou pelo provimento do recurso.
Após as manifestações de voto do Presidente João Pedro Nascimento e da Diretora Marina Copola, o Diretor Otto Lobo solicitou vista do processo na Reunião de 16.04.2024.
Os detalhes do caso, a manifestação da área técnica e os votos do Presidente João Pedro Nascimento e da Diretora Marina Copola encontram-se disponíveis na Ata da Reunião de 16.04.2024.
Retomada a discussão, em 30.04.2024, o Diretor Otto Lobo apresentou manifestação de voto pelo provimento integral do recurso, divergindo das conclusões da área técnica e do voto do Presidente João Pedro Nascimento, por entender que, com base nas informações disponíveis ao Colegiado, os D¥Ns não preenchem integralmente as características necessárias à sua conceituação como valores mobiliários, nos termos do art. 2º, IX, da Lei nº 6.385/1976.
Em suas considerações, o Diretor Otto Lobo concluiu que os D¥Ns não ostentam as características típicas de um investimento, que permitiriam sua classificação como valores mobiliários para os fins do art. 2º, IX, da Lei nº 6.385/1976.
Quanto ao modelo de negócio apresentado pela Dynasty, o Diretor Otto Lobo entendeu que nada sugeriria alguma correlação direta entre o valor dos D¥Ns e o valor dos ativos imobiliários adquiridos pela Dynasty — cujo objetivo, seria apenas garantir determinado volume de circulação e confiabilidade dos D¥Ns perante o mercado. Segundo o Diretor, resta claro que os valores referentes aos imóveis servem apenas como lastro para os D¥Ns, o que seria necessário a qualquer moeda, em sua conceituação clássica, independentemente de ser classificada, ou não, como valor mobiliário submetido à regulamentação da CVM.
Ademais, ao analisar o requisito da “remuneração”, o Diretor destacou que o mecanismo de Buyback and Burn, nos termos apresentados, visa a evitar a depreciação do valor dos D¥Ns em decorrência da inflação, através da manutenção de um volume ideal de sua circulação desses tokens no mercado. Nesse sentido, segundo o Diretor, a preservação do poder de compra dos D¥Ns nos estabelecimentos que o aceitam como token de pagamento “não pode ser confundido com uma promessa de remuneração. Trata-se de sutil, mas relevante diferença, entre a manutenção do poder de compra de um ativo e a sua efetiva valorização.”.
Sobre o requisito do “esforço de empreendedor ou de terceiro”, o Diretor destacou que, apesar de a Dynasty realizar esforços destinados a influenciar a cotação dos D¥Ns no mercado, também se observa que: (i) a preservação do valor dos D¥Ns contra depreciações decorrentes da inflação não se confunde com efetiva remuneração sobre o valor desses ativos; e (ii) ainda que possa haver, em tese, valorização dos D¥Ns, essa eventual valorização sujeita-se às leis de oferta e demanda, que não podem ser controladas pela Dynasty, razões pelas quais não seria possível atestar a existência, neste caso, de remuneração proveniente de esforços da Dynasty ou de terceiros.
Por essas razões, o Diretor considerou que não há como atestar a existência, neste caso, de remuneração proveniente de esforços da Dynasty ou de terceiros, visto que a eventual valorização desses ativos depende de fatores externos.
Não obstante, diante da complexidade do caso concreto, o Diretor Otto Lobo apresentou duas ressalvas que, no seu entendimento, seriam imprescindíveis para uma interpretação completa da matéria posta à apreciação do Colegiado. A primeira se refere ao conjunto das informações obtidas pela área técnica e fornecidas pela Dynasty, quanto à natureza dos D¥Ns e, especificamente, ao mecanismo do Buyback and Burn.
Sobre esse ponto, o Diretor observou que, ainda que o Whitepaper registre que “D¥Ns não devem ser comprados com o propósito de lucro na potencial valorização dos próprios D¥Ns” e que “D¥Ns não garantem nenhum retorno aos detentores de tokens” —, o ponto crucial é que não está definido se: (i) os recursos obtidos pela Dynasty, mediante a aquisição de ativos imobiliários, serão empregados tão somente para manter a estabilização do valor dos D¥Ns; (ii) ou se tais recursos serão implementados para aumentar o valor desses tokens; e (iii) se o aporte de recursos oriundos dos ativos imobiliários será realizado em periodicidade determinada ou, em caso positivo, qual seria essa periodicidade.
Nesse contexto, não obstante a retórica da publicidade veiculada pela Dynasty, cotejada com os demais elementos probatórios dos autos, o Diretor Otto Lobo não vislumbrou prova concreta de que o mecanismo de Buyback and Burn seja, efetivamente, usado para promover a valorização dos D¥Ns. No entendimento do Diretor, “presumir esse fato não seria o melhor caminho, seja do ponto de vista da necessidade de se decidir baseado na verdade real ou no necessário cuidado que se impõe de não se dificultar, desnecessariamente, o desenvolvimento de um novo mercado baseado em inovação tecnológica”.
A segunda ressalva diz respeito à ausência de especificação do parâmetro usado para a estabilização do valor dos D¥Ns. Sobre esse particular, o Diretor observou que, nos termos do Parecer Técnico SSE nº 60, a Dynasty apresenta-se ao mercado como “agente estabilizador dos D¥Ns”, pois, como visto, emprega o mecanismo do Buyback and Burn com o declarado objetivo de estabilizar o valor desses ativos, evitando perdas decorrentes da inflação. No entanto, conforme observado pelo Diretor Otto Lobo, a Recorrente não especificou qual seria a métrica — se é que há alguma (ex.: um determinado índice de correção monetária) — na qual se baseia para manter o valor dos D¥Ns estável.
Feitas essas ressalvas, considerando as informações concretas que constam nos autos, o Diretor Otto Lobo entendeu ser possível elencar as seguintes características da atividade desenvolvida pela Dynasty, dos D¥Ns e do mecanismo de Buyback and Burn: “(i) não é oferecido ou gerado, em favor dos titulares de D¥Ns, qualquer direito de participação, parceria ou remuneração; (ii) o mecanismo de Buyback and Burn é implementado, exclusivamente, para o controle dos D¥Ns em circulação; (iii) o mecanismo de Buyback and Burn, em hipótese nenhuma, deve ser utilizado com a finalidade de elevar artificialmente o valor dos D¥Ns; e (iv) eventuais valorizações [na] cotação dos D¥Ns no mercado secundário, caso ocorram, são decorrentes do fenômeno de oferta e demanda e da livre flutuação de mercado.”.
Assim, tendo em vista as referidas características, o Diretor Otto Lobo concluiu que não se pode qualificar os D¥Ns como valores mobiliários, tendo alertado a Dynasty para que não seja veiculada qualquer publicidade que contrarie essas características.
O Diretor Daniel Maeda apresentou manifestação de voto pelo não provimento do recurso, destacando seu entendimento de que, “salvo se algo a mais for acrescido pelo consulente no âmbito deste processo que desfaça essa percepção (como um detalhamento mais concreto dos limites de atuação do mecanismo de Buyback and Burn), (...) estamos sim diante de um valor mobiliário no caso, dado que ele preenche todos os requisitos previstos pela lei e os precedentes da CVM para tanto”.
Nesse sentido, o Diretor Daniel Maeda ressaltou que, “se por ora os termos da consulta parecem induzir que o D¥N não se trate de valor mobiliário, a documentação adicional trazida pela SSE apresenta evidências fortes do que têm vindo a público sobre as características e funcionamento do token, e que destoam dos termos da consulta. O alegado mecanismo de preservação de valor constante na consulta fica em xeque diante da leitura dessa documentação, que apresenta termos muito dúbios”.
Na visão do Diretor Daniel Maeda, como tais publicações permitem interpretar que o uso do mecanismo não se destina exclusivamente à preservação de valor do token, mas sim a sua valorização, ainda que limitada por qualquer critério, estar-se-ia diante de uma dinâmica de transferência, ainda que indireta, dos resultados dos empreendimentos imobiliários subjacentes aos detentores dos tokens. Tal cenário, no entendimento do Diretor, passaria a amoldar tais ativos ao conceito de valor mobiliário por, nessa circunstância, passarem a configurar (i) a natureza de um investimento, e (ii) sobre o qual investidores passam a ter, sim, uma expectativa de retorno apreciável economicamente.
Adicionalmente, o Diretor Daniel Maeda apresentou reflexões iniciais sobre os desdobramentos de eventual qualificação de um token como valor mobiliário, e sobre os debates a serem aprofundados quanto às infraestruturas de tokenização.
O Diretor João Accioly apresentou manifestação de voto acompanhando os votos da Diretora Marina Copola e do Diretor Otto Lobo, por entender que o D¥N não tem todos os requisitos para preencher o conceito de contrato de investimento coletivo previsto na Lei nº 6.385/1976, art. 2º, IX.
Em suas considerações, o Diretor João Accioly apresenta uma distinção conceitual entre valor mobiliário em sentido amplo e sujeição ao regime legal do mercado de capitais, embora reconheça “ser prático como atalho linguístico” equiparar a classificação de um ativo como valor mobiliário, de um lado, e de outro a sua sujeição ao regime da Lei 6.385. Em seguida, apresenta hipóteses pelas quais o caso é complexo, pois haveria “momentos que que as discussões parecem pender para (e se perder em) definir em abstrato a ideia de valor mobiliário”. Nesse sentido, menciona a distinção entre a definição americana e a brasileira: “Não é o ‘Howey Test que determina se um valor mobiliário tem que estar sujeito ao regime da Lei 6.385, e sim o ‘Subsection Nine Test’: teste do inciso IX do art. 2º”, bem como a compreensível preocupação com “o objetivo [de] combate a fraudes e a redução de ineficiências decorrentes de inadequada formação de vontade, que podem acontecer quando alguém oferece a público ativos a serem adquiridos com propósito de investimento”. Mas pontua que “qualquer que seja o objetivo da regulação, o meio para tentar alcança-lo é limitado pela lei”.
O Diretor faz, então, referência ao voto da Diretora Marina Copola no sentido de que a expectativa do adquirente de um título não tem o condão de converter o ativo em valor mobiliário. Na visão do Diretor, “(...) isso também pode ser percebido por uma ótica adicional que foca nas ligações entre direitos e expectativas: a consciência de ter um direito gera em seu titular a expectativa das modificações econômicas decorrentes do cumprimento das obrigações correspondentes. Mas a recíproca não é verdadeira: ter expectativa não pressupõe ter direito.”.
Segundo Accioly, “[s]e parece correto dizer que todo valor mobiliário pode ser adquirido por expectativa de valorização, nem toda expectativa de valorização decorre de ter um direito de participação, parceria ou remuneração. Uma pessoa pode adquirir um determinado conjunto de direitos totalmente motivada por expectativa de valorização, que inclusive pode estar ligada e ser em alguma medida decorrente de atividades de terceiros. Pode-se até reconhecer que ao fazê-lo, ela está, numa descrição fática de seus propósitos, fazendo um ‘investimento’ – assim como pode fazer um investimento quem compra dólares, imóveis, antiguidades, obras de arte. Mas é só se esse objeto se enquadrar em uma definição legal de valor mobiliário sujeito ao regime da Lei 6.385, que deve haver tal sujeição. Creio que a expectativa pode ser considerada uma condição necessária para incidência do inciso IX, pois o texto legal fala de um contrato de investimento. Mas não é condição suficiente, pois o contrato de investimento que atrai a competência da CVM é aquele que atribui à parte (ou adquirente) o direito de parceria, participação ou remuneração.”.
Ademais, o Diretor Accioly apresentou considerações complementares às já apresentadas nos votos dos Diretores Otto Lobo e Marina Copola, sobre não haver direito de remuneração.
Para Accioly, “[a] mera manutenção no poder de compra não (...) preencher[ia] o conceito de remuneração na acepção em que é prevista para caracterizar o contrato de investimento do inciso nono. Embora de um ponto de vista literal se possa dizer que uma tal manutenção pressupõe a transferência de recursos de uma parte para a outra, o sentido do termo remuneração no contexto em que é usado na lei deve pressupor ganho efetivo (ou a expectativa de obtê-lo), assim como o que advém (ou se espera advir) de direito de participação ou parceria. Se houvesse o direito apenas a ter o valor de compra mantido, aí mesmo é que não haveria como enxergar a expectativa de investimento. Adicionalmente, os documentos deixam expresso que nem mesmo há qualquer direito subjetivo a uma atuação da Dynasty nesse sentido (pelo contrário, há avisos contundentes de que isso é prerrogativa discricionária da emissora). Ou seja, não só é frágil dizer que a estabilidade constitui ‘remuneração’, como nem mesmo o título prevê qualquer direito a ela a seu adquirente.”.
Quanto à ampliação da rede de aceitação dos D¥Ns, Accioly não discordou de que a descrição do mecanismo no voto do Presidente João Pedro Nascimento seja plausível e possa representar, realmente, uma das razões pelas quais os ativos podem vir a valorizar-se no mercado secundário. Porém, sobre esse ponto, o Diretor entendeu que os investidores não teriam qualquer direito contra os emissores, além do de propriedade do título: “[m]esmo que tais mecanismos possam compor parte do que faz o ativo vir a ser percebido como mais valioso no mercado secundário, o ativo segue sem prever um direito de receber qualquer contraprestação. E é das estimativas de se, quando e de quanto será essa contraprestação que vem a percepção subjetiva dos demais participantes do mercado, determinante da valorização ou desvalorização dos ativos que a Lei 6.385 sujeita a seu regime.”.
Por fim, Accioly traz algumas reflexões em complemento às apresentadas pelo Diretor Daniel Maeda sobre os desdobramentos de eventual qualificação de um token como valor mobiliário. O Diretor afirma ter preocupação com “a possibilidade de que o peso das consequências de tal classificação esteja excessivo em comparação com os benefícios gerados”. Fazendo referência às iniciativas mencionadas por Maeda, de plataformas de crowdfunding, sandbox e relativização de requisitos das infraestruturas de tokenização, Accioly afirma que, em sua visão, “a CVM deve seguir prestigiando essa atitude receptiva às possibilidades e dispensas que as tecnologias permitem (...). Quanto mais redutora de ineficiências e adequada a seus propósitos, mais interessará aos agentes econômicos sérios atrair a competência regulatória e fiscalizatória da CVM, e não o contrário”.
Em conclusão, por maioria, o Colegiado decidiu pelo provimento do recurso, nos termos das manifestações de voto apresentadas pela Diretora Marina Copola e pelos Diretores Otto Lobo e João Accioly. Restaram vencidos o Presidente João Pedro Nascimento e o Diretor Daniel Maeda, que apresentaram manifestações de voto pelo não provimento do recurso, acompanhando as conclusões da área técnica.
- Anexos
- Consulte a Ata da Reunião em que esta decisão foi proferida: