RESOLUÇÃO CVM Nº 223, DE 16 DE DEZEMBRO DE 2024
Aprova a Orientação Técnica OCPC 10 – Créditos de Carbono, Permissões de Emissões (allowances) e Créditos de Descarbonização (CBIO)
O PRESIDENTE DA COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS - CVM torna público que o Colegiado, em reunião realizada em 3 de dezembro de 2024, com fundamento nos §§ 3º e 5º do art. 177 da Lei n° 6.404, de 15 de dezembro de 1976, combinados com os incisos II e IV do § 1° do art. 22 da Lei n° 6.385, de 7 de dezembro de 1976, APROVOU a seguinte Resolução:
Art. 1º Torna obrigatória para as companhias abertas a Orientação Técnica OCPC 10 – Créditos de Carbono, Permissões de Emissões (allowances) e Créditos de Descarbonização (CBIO), emitida pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC, conforme anexo “A” à presente Resolução.
Art. 2º Esta Resolução entra em vigor em 1º de janeiro de 2025, aplicando-se aos exercícios sociais iniciados em, ou após, essa data.
Assinado eletronicamente por
JOÃO PEDRO BARROSO DO NASCIMENTO
Presidente
COMITÊ DE PRONUNCIAMENTOS CONTÁBEIS
ORIENTAÇÃO TÉCNICA OCPC 10
Créditos de Carbono (tCO2e), Permissões de emissão (allowances) e Crédito de Descarbonização (CBIO)
Sumário |
Item |
OBJETIVO |
1 - 6 |
ALCANCE |
7 |
AGENTES ECONÔMICOS E MODELOS DE NEGÓCIOS |
8 - 14 |
MERCADO DE CRÉDITOS DE CARBONO: MERCADO COMPULSÓRIO E MERCADO VOLUNTÁRIO |
15 - 25 |
BASES NORMATIVAS UTILIZADAS |
26 - 29 |
CRÉDITOS DE CARBONO (tCO2e) |
30 - 45 |
Reconhecimento |
30 -37 |
Apresentação |
38 - 42 |
Mensuração inicial e subsequente |
43 |
Divulgação |
44 - 45 |
PERMISSÕES DE EMISSÃO (ALLOWANCES) |
46 - 72 |
Descrição do modelo observado no mercado internacional: emission trade system (ETS) |
46 - 52 |
Contabilização no intermediário |
53 - 56 |
Contabilização no usuário final |
57 - 72 |
CRÉDITOS DE DESCARBONIZAÇÃO (CBIO) |
73 - 84 |
Caso brasileiro – RenovaBio (CBIO) |
73 - 114 |
Contabilização no originador |
85 - 96 |
Reconhecimento e mensuração inicial |
88 - 92 |
Mensuração subsequente |
93 |
Desreconhecimento |
94 |
Divulgação |
95 - 96 |
Contabilização no intermediário |
97 - 100 |
Contabilização no usuário final |
101 - 114 |
PASSIVO DECORRENTE DO COMPROMISSO DE COMPENSAÇÃO OU NEUTRALIZAÇÃO DE EMISSÕES DE GEE (COMPROMISSOS DE DESCARBONIZAÇÃO) |
115 - 159 |
Aspectos gerais |
115 - 120 |
Obrigações não formalizadas |
121 -125 |
O compromisso é uma obrigação presente |
126 - 137 |
A obrigação é derivada de eventos já ocorridos |
138 - 142 |
Obrigação cujo cumprimento se espera que resulte em saída de recursos da entidade |
143 - 145 |
Mensuração inicial e subsequente |
146 - 153 |
Apresentação e evidenciação |
154 - 155 |
Extinção do passivo |
156 |
Divulgação |
157 - 159 |
GLOSSÁRIO |
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APÊNDICE A - EXEMPLOS DE AVALIAÇÕES DE OBRIGAÇÕES AMBIENTAIS LEGAIS E OBRIGAÇÕES NÃO FORMALIZADAS |
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1. O objetivo desta Orientação é tratar dos requisitos básicos de reconhecimento, mensuração e evidenciação de créditos de carbono (tCO2e)[1], Permissões de emissão (allowances)[2] e créditos de descarbonização (CBIO) a serem observados pelas entidades na originação e aquisição para cumprimento de metas de descarbonização (aposentadoria) ou negociação, bem como dispor sobre os passivos associados, sejam eles decorrentes de obrigações legais ou não formalizadas, conforme definido no CPC 25 - Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes.
2. Esta Orientação é um primeiro movimento para direcionar o tratamento contábil de créditos de carbono (tCO2e), Permissões de emissão (allowances) e créditos de descarbonização (CBIO) das entidades atuantes no mercado brasileiro. No entanto, este Comitê reconhece que a amplitude, a evolução do tema e a promulgação de leis relacionadas podem levar a revisões futuras desta Orientação.
3. Esta Orientação não possui como objetivo tratar de questões de natureza tributária e jurídica associadas aos créditos de carbono (tCO2e), Permissões de emissão (allowances) e créditos de descarbonização (CBIO).
4. Desse modo, buscou-se a primazia da essência econômica sobre a forma jurídica para atingir a representação fidedigna do evento econômico que se propõe representar nas demonstrações contábeis das entidades que reportam.
5. Em função da ausência de tratamento contábil específico para o tema nas normas internacionais de relatórios financeiros (IFRS Accounting Standards), este Comitê embasou esta Orientação em pronunciamentos, interpretações e orientações já existentes no arcabouço contábil brasileiro e nas normas internacionais de contabilidade, em linha com a estrutura conceitual para relatórios financeiros, para definição dos tratamentos aqui dispostos.
6. Cumpre ressaltar que caso o International Accounting Standards Board (IASB) venha emitir algum documento específico relacionado ao reconhecimento, mensuração e evidenciação dos temas tratados neste documento, oportunamente o presente material será revisado.
7. Esta Orientação trata dos critérios contábeis de reconhecimento, mensuração e evidenciação dos eventos econômicos relacionados à participação ou atuação de entidades em mercados compulsórios ou voluntários de créditos de carbono (tCO2e) (comumente chamados de mercados de créditos de carbono), Permissões de emissão (allowances) e créditos de descarbonização (CBIO). Tais eventos econômicos estão comumente ligados à originação, negociação ou aposentadoria desses ativos, bem como situações que possam dar origem a eventuais passivos associados à participação de entidades nesses mercados, decorrentes de obrigações legais ou não formalizadas. Os requerimentos desta Orientação foram elaborados tomando como base a dinâmica, estrutura e funcionamento do mercado de créditos de carbono (tCO2e) , permissões de emissão (allowances) e créditos de descarbonização (CBIO). Contudo, conforme previsto no item 11(a) do CPC 23, tais requerimentos devem ser consultados e podem ser considerados como referência na contabilização de outros tipos de créditos ambientais, quer sejam em mercado voluntário ou compulsório (quando instituído), desde que a substância econômica dos eventos relacionados sejam similares aos aqui descritos.
AGENTES ECONÔMICOS E MODELOS DE NEGÓCIOS
8. Para balizar a identificação dos eventos econômicos relacionados ativos tratados nesta Orientação, sua elaboração teve início na identificação dos agentes econômicos e seus respectivos modelos de negócios, considerando a cadeia de valor no processo de descarbonização da economia.
9. Os agentes econômicos foram agrupados, conforme seu papel na cadeia, entre Governo, Originadores, Intermediários e Usuários Finais, cujas características se assemelham, independentemente dos produtos negociados ou do mercado onde são transacionados. Ressalta-se, todavia, que tal segregação é indicativa e não significa que um agente econômico não possa assumir mais de um papel concomitantemente.
10. Assim, os agentes econômicos podem ter mais de um modelo de negócio para os ativos tratados nesta Orientação, ou seja, tanto o Originador, quanto o Intermediário, podem utilizar parte desses créditos com o propósito de compensar suas próprias emissões de GEE (Gases de Efeito Estufa).
11. O Governo é o agente responsável pela definição e implementação de políticas públicas de descarbonização da economia, impondo metas de redução e/ou compensação de emissão de GEE e restrições e/ou multas em caso de descumprimento dessas metas. Não é o escopo desta Orientação descrever o tratamento contábil a ser adotado pelo Governo em função de sua participação nesse mercado, sendo aqui citado para o entendimento do funcionamento do mercado e para complementar o rol de agentes que nele atuam.
12. O Originador é o agente econômico que controla os recursos econômicos com potencial de gerar os ativos tratados nesta Orientação por meio de projetos que reduzam ou evitem a emissão de GEE, assim como aqueles gerados por projetos que sequestrem ou removam os GEE da atmosfera. Portanto, seu modelo de negócio envolve a originação desses ativos para venda no curso normal dos negócios.
13. O Intermediário é o agente econômico que essencialmente compra e vende os ativos tratados nesta Orientação. Esse intermediário, dependendo de seu modelo de negócio, pode atender a definição de um broker-trader, conforme definido no item 5 do CPC 16. O item 5 do CPC 16 assim define esse agente:
5. Os operadores (broker-traders) de commodities[3] são aqueles que compram ou vendem commodities para outros ou por sua própria conta. Os estoques referidos no item 3(b) são essencialmente adquiridos com a finalidade de venda no futuro próximo e de gerar lucro com base nas variações dos preços ou na margem dos operadores. [...]
14. O Usuário Final é o agente econômico cujo modelo de negócio envolve a aquisição dos ativos tratados nesta Orientação com a finalidade de aposentadoria.
MERCADO DE CRÉDITOS DE CARBONO: MERCADO COMPULSÓRIO E MERCADO VOLUNTÁRIO
15. No que se refere ao ambiente em que os ativos tratados nesta Orientação são transacionados, foram identificados dois mercados com características econômicas e legais distintas, quais sejam, o mercado compulsório e o mercado voluntário.
16. O mercado compulsório é aquele em que há interferência direta ou indireta (por meio de agência, por exemplo) de ente governamental para incentivar ou desincentivar ações dos agentes econômicos que não seriam levadas a efeito caso alguma interposição não fosse efetuada.
17. Existe uma série de tipos de interposições possíveis de serem praticadas pelos entes governamentais, como, por exemplo, multas por descumprimento de metas de redução ou de compensação de emissão de GEE, restrições ou vedações de acesso do ente regulado a mercados de negociação de títulos de dívida, produtos ou serviços, limitação de acesso à captação de recursos financeiros em bancos de fomento, dentre outros exemplos.
18. De acordo com o Conselho Empresarial Brasileiro para Desenvolvimento Sustentável (CEBDS)[4]:
Os mercados jurisdicionais regulados podem adotar metas relativas usando intensidades de carbono, ou metas absolutas, com um orçamento por quantidade de carbono.
As iniciativas de mercados jurisdicionais com metas relativas que adotam intensidade de carbono, geralmente, têm atuação no elo de comercialização da cadeia. O agente regulado tem de cumprir uma meta de intensidade de carbono por unidade consumida ou vendida de uma fonte de energia. Caso não consiga, há um débito de carbono que pode ser compensado por créditos de carbono produzidos por diferentes trilhas tecnológicas dos produtores de energia de baixo carbono. Essa é dinâmica do California Low Carbon Fuel Standard, Renovabio, California Renewable Energy Credits e China Green Power Certificate.
Os mercados com metas absolutas são os chamados sistemas cap-and-trade (limitar e negociar) ou emissions trading system (sistema de comércio de emissões) e geralmente o ponto de regulação é diretamente nas fontes de emissão.
19. O mercado voluntário é aquele em que transações entre as partes interessadas em negociar são efetuadas de forma espontânea, livre de qualquer interferência governamental e motivadas pelo exercício de interesses discricionários entre as partes envolvidas na transação.
20. As transações efetuadas nesses mercados podem se dar em mercado organizado de negociação ou por meio de acordos bilaterais firmados diretamente entre as partes. As transações nesses mercados podem ocorrer entre jurisdições.
21. Ainda de acordo com o Conselho Empresarial Brasileiro para Desenvolvimento Sustentável (CEBDS)[5]:
Nos mercados voluntários, a oferta é gerada por projetos que reduzem emissões com o sistema de crédito-linha de base. Os créditos gerados são certificados e oferecidos para serem usados como offsets para uma meta voluntária de redução de emissões (empresas e indivíduos).
A fungibilidade e a adicionalidade de tais créditos variam conforme os critérios utilizados pelas certificadoras (VCS, Gold Standard, ACR, CAR, etc.). O mercado, por sua vez, diferencia preços por fontes, origem e compatibilidade regulatória.
22. Independente do mercado, compulsório ou voluntário, seu desenvolvimento decorre da demanda de investidores e, num sentido mais amplo, da sociedade em geral, de ações e informações sobre políticas de sustentabilidade praticadas ou pretendidas pelas entidades que reportam.
23. Há casos em que as entidades estão obrigadas com a implementação de ações relacionadas a políticas de sustentabilidade por imposição do Estado (legislação ou outro ato normativo), o que faz com que a entidade não tenha nenhuma alternativa realista senão cumprir com a obrigação. A existência dessa obrigação legal é comum em mercados compulsórios.
24. Por outro lado, algumas entidades se comprometem voluntariamente com ações de sustentabilidade (reduções e/ou compensações de emissões de GEE), por meio de declarações, práticas e políticas divulgadas, podendo criar expectativas válidas nos agentes de mercado, sendo necessária a avaliação de se esse evento dá origem a uma obrigação não formalizada. Essa característica está presente em mercados voluntários.
25. Nesses mercados, tem-se de um lado os emissores de GEE, que podem ter a obrigação legal ou não formalizada de reduzir e/ou compensar suas emissões e, de outro, os entes que promovem a remoção ou redução de emissões de GEE na atmosfera. Quando essa remoção ou redução é devidamente certificada, originam-se os créditos de carbono (tCO2e).
26. Além da Estrutura Conceitual para Relatório Financeiro (CPC 00), os principais Pronunciamentos Técnicos utilizados como base para a elaboração dessa Orientação foram:
(a) Redução ao Valor Recuperável de Ativos (CPC 01)
(b) Ativo Intangível (CPC 04);
(c) Subvenção e Assistência Governamentais (CPC 07);
(d) Estoques (CPC 16);
(e) Políticas Contábeis, Mudança de Estimativa e Retificação de Erro (CPC 23)
(f) Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes (CPC 25);
(g) Apresentação das Demonstrações Contábeis (CPC 26);
(h) Instrumentos Financeiros: Apresentação (CPC 39);
(i) Mensuração do Valor Justo (CPC 46);
(j) Receita de Contrato com Cliente (CPC 47);
(k) Instrumentos Financeiros (CPC 48); e
(l) Evidenciação na Divulgação dos Relatórios Contábil-Financeiros para Fins Gerais (OCPC 07)
27. Em observância ao disposto no item 31 do CPC 26, uma entidade não precisa dar cumprimento a uma divulgação específica requerida por esta Orientação Técnica caso essa informação não seja material. Por outro lado, a entidade deve considerar se divulga informações adicionais para permitir que os usuários das demonstrações contábeis compreendam o impacto de determinadas transações, outros eventos e condições sobre sua posição e desempenho financeiros. Nesse sentido, deve ser utilizado o conceito de materialidade previsto na OCPC 07. Vale ressaltar que o conceito de materialidade abrange tanto os aspectos quantitativos quanto qualitativos da informação a ser reportada.
28. De forma análoga, para fins de apresentação, a entidade deve observar também o disposto no item 29 do CPC 26.
29. Eventuais alterações de práticas contábeis em função da observação dos requerimentos desta Orientação deverão observar os critérios de tratamento estabelecidos pelo CPC 23.
CRÉDITOS DE CARBONO (tCO2e)
Reconhecimento
30. A primeira questão a ser respondida é se o crédito de carbono (tCO2e) se reveste das características necessárias para ser considerado um ativo à luz da definição prevista nos itens 4.3 e 4.4 do CPC 00, quais sejam:
(a) 4.3 Ativo é um recurso econômico presente controlado pela entidade como resultado de eventos passados.
(b) 4.4 Recurso econômico é um direito que tem o potencial de produzir benefícios econômicos.
31. O crédito de carbono (tCO2e) representa um ativo quando ele decorre de projetos certificados que reduzam ou evitem a emissão de GEE ou de projetos certificados que sequestrem ou removam GEE da atmosfera, originados por recursos econômicos controlados por uma entidade, que se torna passível de reconhecimento em seu patrimônio quando atendidos os critérios para reconhecimento presentes nos pronunciamentos técnicos específicos.
32. Os recursos econômicos controlados por uma entidade que geram benefícios ambientais podem decorrer, por exemplo, de recursos econômicos que sequestram CO2 da atmosfera (como no caso de florestas), de plantas industriais reestruturadas para reduzir a emissão de GEE na atmosfera, de fontes alternativas de geração de energia renovável etc.
33. A certificação dos benefícios ambientais produzidos por recursos econômicos controlados pela entidade produz um direito, com potencial de produzir benefícios econômicos, denominado crédito de carbono (tCO2e), passível de negociação em bolsas de valores, mercado de balcão ou por contratos bilaterais, dentre outros papéis no contexto das atividades desenvolvidas pela entidade.
34. O crédito de carbono (tCO2e) além de não se tratar de caixa ou instrumento patrimonial de outra entidade, também não estabelece ao seu detentor o direito contratual de recebimento de caixa ou outro ativo financeiro de outra entidade (como seria o caso, por exemplo, de um depósito bancário onde a natureza do arranjo contratual estabelece ao depositante o direito de obter caixa a partir daquele depósito junto à respectiva instituição financeira).
35. Desta forma, não se encontram atendidos os critérios para sua classificação como ativo financeiro, de acordo com os requisitos estabelecidos pelo CPC 39 (item 11, ver também AG 3 e AG 12). Para os fins de que se trata esta Orientação, o crédito de carbono (tCO2e) é, portanto, um ativo não financeiro, incorpóreo e sem substância física.
36. Importa ressaltar que contratos de compra e venda para liquidação futura que tenham o crédito de carbono (tCO2e) (ativo incorpóreo não financeiro) como ativo subjacente, podem ser considerados como se fossem instrumentos financeiros, desde que observem as prescrições contidas nos itens 8 a 10 do CPC 39 (ver também AG 20 a AG 23).
37. A identificação do modelo de negócio em relação ao ativo, conforme operado pelos agentes econômicos descritos nos itens 8 a 14, é tanto fundamental para o seu reconhecimento quanto para sua mensuração inicial e subsequente, conforme será abordado a partir do item 38.
38. A apresentação apropriada dos créditos de carbono (tCO2e)[6] deve levar em consideração os modelos de negócios específicos de cada agente econômico e seus objetivos ao originar, comercializar ou aposentar tais créditos, de maneira que, consistente com o que estabelece o CPC 00, bem como os Pronunciamentos Técnicos, Interpretações e Orientações aplicáveis, os relatórios financeiros representem não somente os fenômenos relevantes, mas também representem a essência destes fenômenos de forma fidedigna.
39. Nesse contexto, a Estrutura Conceitual (CPC 00) estabelece também que a comparabilidade nas demonstrações contábeis não surge da uniformidade e que coisas similares devem parecer similares e coisas diferentes devem parecer diferentes.
40. Por isso, entende-se que o Originador que tenha como objetivo a originação para comercialização, e o Intermediário, tal como previsto no item 13 e que tenha, portanto, como objetivo a aquisição para comercializar, reconheçam inicialmente o ativo crédito de carbono (tCO2e) como estoque (apresentado em rubrica segregada dos demais itens de estoque), em conformidade com o item 3(a) do CPC 04.
41. Por sua vez, o Usuário Final que tenha como objetivo a aposentadoria do crédito de carbono (tCO2e) deve reconhecê-lo em rubrica específica de ativo, segregada das demais, observando o disposto no CPC 04.
42. O Originador e o Intermediário que tenham como objetivo a aposentadoria dos créditos de carbono (tCO2e) para compensar suas próprias emissões, exercendo o papel de Usuário Final, devem observar o disposto no item anterior.
Mensuração inicial e subsequente
43. Os ativos créditos de carbono (tCO2e) devem ser mensurados da seguinte forma:
(a) No caso do Originador, para comercialização, que reconhece o ativo como estoque, mensuração inicial pelo custo e mensuração subsequente por custo ou valor realizável líquido, dos dois o menor (conforme item 9 do CPC 16). Os gastos incorridos pelo Originador no decorrer de todo o processo de originação de créditos de carbono (tCO2e), ou seja, desde o seu planejamento (desenvolvimento do projeto) até a sua certificação e que se qualifiquem para capitalização conforme CPC 04, devem ser reconhecidos no Ativo Intangível e posteriormente apropriados na rubrica representativa de estoque, de acordo com os períodos aos quais tais gastos se refiram;
(b) O Intermediário, que mantem estoque para venda no curso normal dos negócios, reconhece o ativo pelo custo e mensura subsequentemente pelo custo ou valor realizável líquido, dos dois o menor (conforme item 9 do CPC 16). Em consonância com os itens 3(b) e 5 do CPC 16, o intermediário, que atenda a definição de broker-trader, pode adotar como mensuração subsequente o valor justo deduzido dos custos de venda. Caso o intermediário, que atenda a definição de broker-trader, adote como política de mensuração sequentemente o custo ou o valor realizável líquido (dos dois o menor), o valor justo deduzido dos custos de venda deverá ser divulgado em nota explicativa. A mensuração ao valor justo observará os critérios previstos no CPC 46; e
(c) O agente que atue como Usuário Final, e que tenha como objetivo utilizar o crédito de carbono (tCO2e) para compensar suas próprias emissões, reconhece o ativo como um intangível, com mensuração inicial pelo custo de aquisição ou geração e mensuração subsequente observando o disposto no CPC 04.
44. As divulgações devem seguir os requerimentos dos Pronunciamentos Técnicos que subsidiaram a definição das políticas contábeis considerando os modelos de negócio referenciados nos itens 8 a 14 aplicáveis à entidade e à classificação do ativo. Deve-se também divulgar as políticas contábeis materiais, julgamentos e estimativas críticas, conforme o CPC 26.
45. A evidenciação nas notas explicativas deve relatar de forma clara e objetiva o modelo de negócios empregado pela entidade com relação à sua atuação no mercado de créditos de carbono (tCO2e). A descrição do processo contábil adotado referente ao reconhecimento e mensuração dos créditos de carbono (tCO2e) deve ser suficientemente clara e precisa para que os usuários das demonstrações contábeis consigam estabelecer um julgamento adequado acerca das políticas contábeis utilizadas.
PERMISSÕES DE EMISSÃO (ALLOWANCES)
Descrição do modelo observado no mercado internacional: emission trade system (ETS)
46. O Emission Trade System da União Europeia (EU ETS) foi um programa pioneiro quando lançado em 2005, ao tentar introduzir um mercado de carbono compulsório para reduzir as emissões de GEE em indústrias de alta intensidade.
47. No geral, os ETS são programas de mercado compulsório do tipo cap and trade. Isto é, o governo estabelece um limite (cap) na quantidade de emissões de GEE por certos setores em um determinado período, normalmente de um ano. Os participantes dos setores sujeitos ao programa devem demonstrar no final do período de conformidade que cumpriram o limite estabelecido.
48. No início de cada período, os participantes recebem do governo as permissões de emissões (allowances). Uma permissão (licença) é uma autorização para emitir uma tonelada de dióxido de carbono equivalente (tCO2e).
49. Os participantes podem vender tais allowances em um mercado de bolsa de valores específico. Todavia, ao término do período de conformidade, os participantes devem entregar ao governo licenças em montante igual às suas emissões, de acordo com o estabelecido para o período de conformidade respectivo.
50. Dessa forma, os participantes que efetivamente conseguiram reduzir suas emissões, quando comparadas com sua meta, terão superávit, e por consequência, poderão vender suas allowances excedentes. Por outro lado, os participantes que não conseguiram reduzir suas emissões, registrarão déficit e necessitarão comprar mais allowances no mercado para posterior entrega ao governo e cumprimento de sua meta.
51. Não cabe aqui detalhar as especificidades regulatórias dos programas ETS, sobretudo, porque há variabilidade entre as jurisdições. Contudo, convém destacar o tratamento contábil que tem sido observado nos principais mercados, uma vez que tais instrumentos, apesar de não serem semelhantes, em conceito, aos créditos de carbono (tCO2e), sua contabilização ainda serve como norte para o registro de outros instrumentos.
52. Vale ressaltar de pronto que no mercado de ETS, em regra, não há a figura do Originador, uma vez que este papel é desempenhado pelo governo, o qual cria as allowances e as distribui. Dessa forma, a análise de tratamento contábil está centrada no Intermediário e no Usuário Final de allowances (aquele agente que irá utilizá-las para comprovação final de suas emissões).
Contabilização no intermediário
53. O Intermediário no mercado de ETS é quem compra as allowances com o intuito de revendê-las com lucro. Vale ressaltar que as allowances não atendem ao que consta no item 11 do CPC 39 e, portanto, não se enquadram na definição de instrumentos financeiros, daquele Pronunciamento Técnico.
54. Nesse contexto, para os fins de que trata esta Orientação, as permissões de emissão (allowances) são ativos não financeiros, incorpóreos, fungíveis, padronizados, negociáveis em bolsa ou mercado balcão, que representam permissões para emissão de GEE.
55. Posto isso, convém ressaltar que o CPC 04 - Ativo Intangível (item 3(a)), determina que ativos intangíveis mantidos para venda no curso ordinário do negócio estão fora do alcance daquele Pronunciamento Técnico e devem ser tratados como estoques, sob alcance do CPC 16.
56. Dessa forma, para fins desta Orientação, o Intermediário que mantem estoque para venda no curso normal dos negócios, reconhece o ativo pelo custo e mensura subsequentemente pelo custo ou valor realizável líquido, dos dois o menor, conforme item 9 do CPC 16. Se o intermediário atender a definição de broker-trader, conforme itens 3(b) e 5 do CPC 16, ele pode adorar como política de mensuração subsequente o valor justo deduzido dos custos de venda. Caso o intermediário que atende a definição de broker-trader optar por mensurar pelo custo, então deverá divulgar em nota explicativa o valor justo deduzido dos custos de venda. Nos casos em que o intermediário inclua em seu modelo de negócio também a utilização de allowances para a conciliação periódica de obrigações, ele deverá seguir a contabilização do usuário final para essas allowances.
Contabilização no usuário final
57. A contabilização dos ETS pelos usuários finais de allowances até hoje é objeto de discussões. Inicialmente o Comitê de Interpretações do IFRS (IFRIC) tentou disciplinar o tema pela emissão do IFRIC 3, Emission Rights. Todavia, o modelo proposto gerou críticas por parte do mercado que resultaram na revogação daquela Interpretação em 2005. Assim, até a data de emissão desta Orientação, não havia prática internacional consistente no mercado sobre a forma de contabilização das allowances para o mercado europeu de cap and trade, sendo possível identificar três métodos normalmente aceitos. Um deles é o modelo proposto pelo IFRIC 3, que foi revogado; o segundo critério, denominado de Government Grant, é similar ao modelo do IFRIC 3 com algumas modificações; e o terceiro, do Net Liability, é um modelo de apresentação de ativos e passivos em bases líquidas.
58. No modelo do IFRIC 3 as allowances recebidas gratuitamente do governo são registradas inicialmente pelo valor justo, tendo como contrapartida a conta de subvenção governamental no passivo. Esse valor justo representa o valor de reconhecimento inicial da allowance, a qual é registrada como ativo intangível.
59. As allowances adquiridas no mercado são registradas ao custo de aquisição na data do reconhecimento inicial.
60. Na medida em que o participante produz e emite GEE na atmosfera, surge um passivo, que é a obrigação de entregar ao governo allowances relativas a tais emissões. O surgimento desse passivo tem como contrapartida o resultado do exercício, à medida que as emissões de GEE vão ocorrendo.
61. Concomitantemente, as emissões são parâmetro para a apropriação da subvenção previamente reconhecida. À medida que o participante emite GEE, a subvenção governamental registrada no passivo é apropriada ao resultado do período como receita de subvenção, implicando sua baixa.
62. Desde a constituição do passivo em contrapartida ao ativo, o modelo proposto pelo IFRIC 3 implica em um descasamento contábil. Enquanto o ativo é mensurado subsequentemente pelo custo ajustado por impairment, o passivo é mensurado pela melhor estimativa na data de reporte do desembolso de caixa necessário para liquidá-lo, que no caso corresponde ao valor justo das allowances requeridas para liquidar a obrigação na data de reporte.
63. Este descasamento contábil gerou críticas na abordagem do IFRIC 3, levando o IFRIC a revogar o documento. Apesar disso, pela falta de outra norma em seu lugar, muitos participantes ainda a utilizam como guia de contabilização.
64. No modelo Government Grant, buscou-se solucionar o referido descasamento contábil, eliminando a diferença de mensuração que havia entre ativos e passivos. No momento do reconhecimento do passivo, o participante deve observar se possui em seu ativo allowances suficientes para liquidar a obrigação reconhecida. Em caso positivo, deve contabilizar a provisão levando em consideração o valor contábil das allowances detidas.
65. Caso o montante das emissões de GEE do participante ultrapasse o total que as allowances detidas permitam emitir, deve-se registrar o excedente de tal provisão pelo valor justo das allowances a serem adquiridas, uma vez que deverá comprar permissões para liquidar sua obrigação ambiental junto ao governo.
66. Assim, no Government Grant, para a mensuração da provisão relacionada às emissões de GEE, tem-se um modelo bifurcado. Isto é: (i) a provisão coberta por allowances já detidas deve representar o valor contábil de tais allowances; (ii) a provisão não coberta deve ser mensurada pela melhor estimativa do desembolso exigido para liquidar a obrigação presente na data do balanço.
67. Vale ressaltar, no Government Grant não é admitida a apresentação somente da parcela não coberta da provisão. É necessária a apresentação integral tanto das allowances detidas quanto da provisão, seja ela coberta ou não. Isso ocorre pois, ainda que exista relação de mútua compensação entre as allowances detidas e a provisão, tais allowances são ativos disponíveis prontamente negociáveis. Portanto, é possível que seja dada outra destinação que não a conciliação periódica das obrigações ambientais.
68. Ressalta-se que tanto a abordagem do IFRIC 3 quanto a proposta do Government Grant encontram respaldo técnico no item 36 do CPC 25, uma vez que o critério de mensuração das provisões é o da “melhor estimativa do desembolso exigido para liquidar a obrigação presente na data do balanço”.
69. Finalmente, no modelo do Net Liability, adota-se o critério da compensação entre ativos e passivos. Nesse modelo não são registradas as allowances recebidas gratuitamente, mas tão somente as compradas. Por simetria, também não é registrada nenhuma subvenção governamental.
70. Na abordagem do Net Liability, a provisão relacionada às emissões é somente reconhecida pela parcela descoberta do passivo que deverá ser liquidado pela compra de allowances.
71. Esse modelo pode não espelhar adequadamente a realidade econômica da entidade, uma vez que as allowances recebidas gratuitamente possuem valor econômico e podem ser livremente disponibilizadas em mercado, de forma que sua omissão ocultaria o ativo detido, contrariando o princípio da representação fidedigna previsto na estrutura conceitual para relatório financeiro (CPC 00).
72. Portanto, para fins dessa Orientação, entendeu-se que a abordagem adequada para a contabilização das permissões e passivos subjacentes de programas do tipo cap and trade, como os ETS, é o modelo Government Grant, no qual a subvenção é registrada inicialmente pelo seu valor justo, nos termos previstos no CPC 07.
CRÉDITOS DE DESCARBONIZAÇÃO (CBIO)
Caso Brasileiro – RenovaBio (CBIO)
73. Conforme a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)[7], a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) instituída pela Lei nº 13.576/2017 tem por objetivo contribuir para o cumprimento dos compromissos de descarbonização da economia, assumidos pelo Brasil no âmbito do Acordo de Paris, mais especificamente, por meio do estabelecimento de metas de descarbonização para o setor de combustíveis, através do incentivo ao aumento da produção e da participação de biocombustíveis na matriz energética.
74. O RenovaBio tem como ponto de partida operacional o estabelecimento, pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), de metas anuais compulsórias de descarbonização aplicáveis ao setor de combustíveis para um período de 10 anos. Essas metas são desdobradas em metas anuais individuais de observância compulsória pelos distribuidores de combustíveis e definidas de acordo com a participação de mercado desses agentes na comercialização de combustíveis fósseis, com base no ano-calendário anterior ao do ano de vigência da meta.
75. A comercialização de combustíveis fósseis pelas distribuidoras é, portanto, o fato gerador de sua obrigação de aquisição de CBIOs para o cumprimento de sua meta de compensação de emissão, originadas pelos combustíveis fósseis comercializados, conforme resolução da ANP.
76. As metas do RenovaBio são estabelecidas pelo CNPE em unidades de Créditos de Descarbonização (CBIO), as quais representam uma tonelada de CO2 equivalente que deixa de ser emitida em razão da comercialização de biocombustível em substituição ao combustível fóssil.
77. Para comprovação do cumprimento de sua meta anual individual, os distribuidores de combustíveis devem adquirir e aposentar a quantidade de CBIOs estabelecida, nos prazos determinados pela ANP, sob pena de multas e outras sanções.
78. O pagamento da multa não isenta o distribuidor da obrigação da aquisição de CBIOs para cumprimento de sua meta anual. A quantidade de CBIOs não comprovada constará da meta anual do ano seguinte.
79. A emissão de CBIOs é realizada por produtores ou importadores de biocombustíveis, cuja participação no RenovaBio é voluntária e exige prévia certificação de sua produção ou importação junto à ANP. Após a certificação, para gerar lastro para emissão de CBIOs, os produtores ou importadores devem comprovar junto à ANP a efetiva comercialização de biocombustíveis por meio da apresentação das notas fiscais de venda em sistema próprio da ANP denominado de Plataforma CBIO.
80. A quantidade de CBIOs a serem emitidos pelo produtor ou importador de biocombustíveis é resultado do volume de biocombustível por eles produzido, importado e comercializado, bem como da nota de eficiência energética atribuída pela ANP na certificação da produção ou da importação.
81. Os CBIOs são negociados exclusivamente na bolsa de valores, sendo vedada a negociação direta pelos emissores (produtores ou importadores de biocombustíveis).
82. Não apenas os distribuidores, mas qualquer pessoa natural ou jurídica residente ou não no Brasil pode adquirir CBIOs. A eventual aposentadoria de CBIOs por esses agentes reduz a obrigação de aquisição de CBIOs por parte dos distribuidores.
83. Embora o RenovaBio não se enquadre perfeitamente no modelo tradicional de Mercados Compulsórios, usualmente estabelecidos por meio de sistemas do tipo cap and trade, a regulação pelo Estado brasileiro dos níveis de emissão de GEE pelo setor de combustíveis fósseis é identificada quando da criação de obrigações e direitos no processo de descarbonização do setor (meta de intensidade de carbono).
84. Dessa forma, em razão da presença da regulação estatal no modelo do RenovaBio, para fins desta Orientação, considera-se o RenovaBio como um programa de Mercado Compulsório. Nesse sentido, também concluiu o Conselho Brasileiro para o Desenvolvimento Econômico e Sustentável (CEBDS) em sua “Proposta de Marco Regulatório para o Mercado de Carbono Brasileiro”, de 2021:
O agente regulado tem de cumprir uma meta de intensidade de carbono por unidade consumida ou vendida de uma fonte de energia. Caso não consiga, há um débito de carbono que pode ser compensado por créditos de carbono produzidos por diferentes trilhas tecnológicas dos produtores de energia de baixo carbono. Essa é dinâmica do California Low Carbon Fuel Standard, RenovaBio, California Renewable Energy Credits e China Green Power Certificate. (Grifos adicionados)
Contabilização no originador
85. Para fins dessa Orientação, o Originador de CBIO é o produtor ou importador de biocombustíveis cuja produção ou importação tenha sido certificada pela ANP para emissão de CBIOs.
86. Conforme artigos 3º e 4º da Resolução ANP 802/2019, o CBIO será outorgado apenas após a escrituração de notas fiscais eletrônicas (NF-e) de comercialização de biocombustíveis na Plataforma CBIO.
87. Ressalte-se que, para os fins de que se trata esta Orientação, o CBIO não se enquadra no conceito de ativo financeiro, conforme critérios estabelecidos no item 11 do CPC 39.
Reconhecimento e Mensuração Inicial
88. Para os fins de que se trata esta Orientação, o CBIO é um ativo não financeiro, incorpóreo, sem substância física, mantido para venda pelo originador no curso ordinário de seus negócios, portanto, sujeito ao CPC 16 - estoques, por força do item 3(a) do CPC 04 - Ativo Intangível.
89. Os gastos diretamente relacionados à emissão do CBIO devem ser apropriados ao custo dos CBIOs, registrados em Estoque do Originador, conforme item 10 do pronunciamento técnico CPC 16, até o final do referido processo de emissão, quando devem ser baixados contra o resultado no momento do reconhecimento da subvenção.
90. O CBIO é uma assistência concedida pelo governo aos produtores ou importadores de biocombustíveis. Portanto, o reconhecimento do ativo CBIO deve ter como contrapartida uma subvenção governamental nos termos do item 3 do CPC 07.
91. Ao final do processo de emissão, o CBIO deverá ser mensurado inicialmente ao valor justo do ativo no momento de sua emissão, conforme dispõe o item 23 do CPC 07.
92. A contrapartida da mensuração ao valor justo do ativo CBIO deve ser registrada diretamente no resultado, pois no momento de sua emissão as condições necessárias para sua obtenção já foram cumpridas (cumprimento passado), conforme item 20 do CPC 07.
93. O valor justo do CBIO, conforme expresso no item 91, deve ser utilizado como seu custo atribuído na mensuração subsequente, ajustado ao valor realizável líquido, se menor, em linha com o item 9 do CPC 16. A constituição de ajuste ao valor realizável líquido, ou sua reversão, devem ter como contrapartida o resultado do período à luz do item 34 do CPC 16.
94. A baixa do CBIO é reconhecida no resultado quando da transferência do seu controle ao comprador concomitantemente com o reconhecimento da receita de venda, conforme item 31 do CPC 47.
95. Na data das demonstrações contábeis pode haver CBIOs em processo de emissão em virtude do prazo concedido pela ANP de até 60 dias contados da emissão da NF-e de venda de biocombustível para a escrituração na Plataforma CBIO.
96. A administração da entidade que reporta deverá divulgar, em notas explicativas, a quantidade dos CBIOS em estoque e daqueles em processo de emissão.
Contabilização no intermediário
97. Entidades que essencialmente compram ou vendam CBIOs atuam como intermediários. Dependendo de seu modelo de negócio, essa entidade pode atender a definição de broker-trader, conforme definido no item 5 do CPC 16.
98. Nos casos em que a entidade atue como intermediário, e seu modelo de negócio atenda a definição de broker-trader na compra e venda de CBIOs, ela deve observar os requisitos do Pronunciamento Técnico CPC 16, item 3(b), que permite que broker-traders mensurem seus estoques pelo valor justo deduzido dos custos de venda, com as alterações posteriores desse valor justo sendo reconhecidas no resultado do período em que tenham sido verificadas.
99. Portanto, no caso de entidades que se qualifiquem como intermediários e atendam a definição de broker-traders de CBIOs, todos os requisitos contidos no CPC 16 devem ser observados, com exceção dos requisitos de mensuração, que poderão ser realizados pelo valor justo deduzido dos custos de venda, com alterações na mensuração subsequente sendo reconhecidas no resultado do período em que ocorrerem. Caso a entidade opte pela mensuração ao custo histórico, então o valor justo deduzido dos custos de venda deverá ser divulgado em nota explicativa.
100. No momento do reconhecimento da receita de venda dos estoques de CBIOs, deve-se reconhecer no resultado do período o respectivo custo dos CBIOS vendidos e baixados dos estoques.
Contabilização no usuário final
101. Para fins dessa orientação, o usuário final de CBIO são os distribuidores de combustíveis que fizerem uso desses créditos para compensação das emissões indiretas de GEE oriundas das suas vendas de combustíveis fósseis.
102. Conforme disposto no artigo 7º da Lei 13.576, o estabelecimento de metas para aquisição de CBIOs no ano corrente decorre da comercialização de combustíveis fósseis no ano anterior. Reprise-se o que dispõe o mencionado artigo:
Art. 7º A meta compulsória anual de que trata o art. 6º desta Lei será desdobrada, para cada ano corrente, em metas individuais, aplicadas a todos os distribuidores de combustíveis, proporcionais à respectiva participação de mercado na comercialização de combustíveis fósseis no ano anterior. (Grifos adicionados).
103. Nesses moldes, é possível depreender o entendimento de que o fato gerador para aquisição de CBIOs pelos distribuidores surge à medida que tais entidades vendem combustíveis fosséis.
104. A análise de quando surge a obrigação de se adquirir CBIOs por parte das entidades que comercializam combustível fóssil é condição determinante para o tratamento contábil preconizado nesta Orientação, pois a adequada compreensão do fato gerador desta obrigação é parte essencial para se estabelecer o momento em que tais entidades devem reconhecer contabilmente uma provisão advinda desta obrigação, nos moldes do item 14 do CPC 25.
105. Convém ressaltar que a ANP divulga em dezembro do ano anterior ao de vigência da meta definitiva uma estimativa preliminar da quantidade de CBIOs que deverá ser adquirida pelas entidades que comercializaram combustíveis fósseis. Até março do ano de vigência da meta, a ANP divulga a meta definitiva de tais obrigações.
106. Entretanto, conforme disposto no artigo 7º da Lei 13.576, a obrigação de se adquirir CBIOs decorre da comercialização de combustíveis fósseis, de modo que as divulgações da ANP podem ser compreendidas como mera formalização administrativa das obrigações que surgem no ato da comercialização de tais combustíveis.
107. Posto isso, em linha com o item 14 do CPC 25, as entidades devem, à medida que comercializem combustíveis fósseis, reconhecer mensalmente uma provisão dos CBIOs a serem adquiridos.
108. A título exemplificativo, suponha-se que em janeiro de X0 uma entidade tenha negociado 1.000 litros de combustíveis fósseis e que a sua melhor expectativa de mensuração indique que para compensar tal venda será necessário adquirir 10 CBIOs. Portanto, a entidade já deverá em janeiro de X0 reconhecer uma provisão pela melhor estimativa do desembolso exigido (que no caso seria o valor justo dos CBIOs a serem adquiridos) para liquidar a obrigação presente, cuja contrapartida deverá ser registrada no resultado do exercício.
109. Subsequentemente, a entidade do exemplo anterior deve remensurar a provisão pela melhor estimativa do valor justo dos CBIOs, mês a mês, bem como considerar majorações ou reduções por causa de novas estimativas de comercialização de combustíveis fósseis e dos números efetivamente divulgados pela ANP em dezembro do ano de X0 e março do ano X1.
110. Caso na data de reconhecimento da provisão existam CBIOs que serão usados para liquidar essa obrigação, a provisão deverá ser mensurada pelo valor contábil desses CBIOs detidos. Somente a parcela da provisão não coberta deverá ser mensurada pela melhor estimativa do desembolso de recursos necessários (valor justo do CBIO) para liquidar essa obrigação na data do balanço.
111. À medida que as entidades que comercializam combustíveis fósseis realizarem a aquisição de CBIOs, tais créditos de descarbonização deverão ser registrados em rubrica específica de ativo intangível, observando o disposto no CPC 04.
112. A baixa do CBIO deverá ser efetuada em contrapartida ao passivo quando da aposentadoria desse título para o cumprimento da meta estabelecida para determinado ano.
113. Nas notas explicativas às demonstrações contábeis, a entidade deverá divulgar a sua meta preliminar, enquanto não divulgada a definitiva para o ano, a quantidade e valor dos CBIOs adquiridos até a data e o valor da provisão relacionada ao valor justo dos CBIOs a serem adquiridos para o cumprimento da meta.
114. Nos casos em que o usuário final inclua em seu modelo de negócio também a utilização de CBIOs para a comercialização, ele deverá seguir a contabilização praticada pelo intermediário para esses CBIOs.
Aspectos gerais
115. A aquisição de créditos de carbono (tCO2e), seja em mercado de bolsa de valores, mercado de balcão ou em acordos bilaterais, tem como pressuposto básico que o adquirente o faz para negociação ou para cumprir com suas metas de compensação estabelecidas para as emissões (escopos 1, 2 ou 3).
116. Na qualidade de Usuário Final, que adquire créditos de carbono (tCO2e) para aposentadoria no seu processo de compensação, a entidade deve avaliar a existência de obrigação legal ou não formalizada com base no compromisso de descarbonização assumido.
117. A avaliação deve ser efetuada tomando-se por base os requisitos previstos no CPC 25 em relação à definição de obrigação legal e de obrigação não formalizada.
118. Em mercados compulsórios, a constatação da existência de obrigação legal é menos complexa, pois, normalmente, tal constatação é proveniente de contratos, legislações ou ação legal, não possibilitando à entidade alternativa válida que não a liquidação da obrigação presente.
119. Não obstante, o mesmo não pode ser dito quanto à situação dos mercados voluntários, em relação a eventual existência das obrigações não formalizadas, que são estabelecidas por meio de uma ação pública da entidade ou de seus representantes estatutários com poder para tal (como a declaração de um plano com o compromisso de compensação de suas emissões), a qual pode criar uma expectativa válida em terceiros de forma que ela não possa atuar de maneira inconsistente com essa declaração, devendo ser avaliada a necessidade de reconhecimento de uma obrigação (passivo) que será liquidada conforme o compromisso assumido.
120. Elemento fundamental no processo de constatação de uma obrigação presente é a adequada identificação do evento que cria a obrigação, por nós conhecido como fato gerador e, principalmente, quando ele ocorre.
121. O reconhecimento contábil de compromissos de descarbonização de uma entidade tem relação direta com a criação de uma expectativa válida em terceiros de que cumprirá com tais responsabilidades.
122. O fundamento básico a ser analisado é se o compromisso público assumido pela entidade é suficientemente específico e detalhado e, portanto, capaz de gerar expectativa válida em terceiros. Uma política aprovada pelo Conselho Administração e publicada pela companhia é um exemplo de criação de expectativa válida em terceiros de que a entidade cumprirá com as responsabilidades assumidas.
123. Declarações efetuadas pela entidade, ou seus representantes legais, observado o fundamento básico descrito no item anterior (122) de levar a efeito ações futuras de sustentabilidade, podem criar expectativa válida em seus stakeholders de que foi assumido um compromisso e que ele será cumprido. Esse contexto pode, por exemplo:
a) direcionar a alocação de recursos por parte de provedores de capital (dívida ou patrimônio líquido) que tenham essas ações de sustentabilidade como “driver” de alocação;
b) atrair clientes/consumidores que tenham como “driver” o consumo de produtos/serviços de entidades com esse tipo engajamento;
c) atrair fornecedores de bens e prestadores de serviços com atuação voltada para esse ramo de negócio; e
d) atrair o acompanhamento de Procuradorias, ONGs, público em geral quanto à capacidade de execução dessas declarações.
124. Os compromissos assumidos por uma entidade em relação a aspectos climáticos, incluindo o posicionamento voluntário em relação a emissões de GEE (como, por exemplo, comprometer-se em ser carbono neutro ou em compensar suas emissões) devem ser avaliados pela entidade de forma que se conclua se tais compromissos voluntários podem levar ou não ao reconhecimento de um passivo na forma de uma provisão em sua posição patrimonial, à medida em que os critérios estabelecidos nos Pronunciamentos Técnicos emitidos pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis sejam cumpridos.
125. O Pronunciamento Técnico CPC 25 define um passivo como “uma obrigação presente da entidade, derivada de eventos já ocorridos, cuja liquidação se espera que resulte em saída de recursos da entidade capazes de gerar benefícios econômicos”. Na determinação de se um compromisso assumido por uma entidade leva ao reconhecimento de um passivo, de acordo com os Pronunciamentos Técnicos emitidos pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis, devem ser considerados, cumulativamente, os três itens indicados na sua definição, detalhados a seguir.
O compromisso é uma obrigação presente
126. O CPC 00 define uma obrigação como um dever ou responsabilidade devida a uma outra parte (seja ela um indivíduo, grupo de pessoas, entidade, identificável ou não) que a entidade não tenha a capacidade prática de evitar.
127. O CPC 00 estabelece ainda que obrigações podem existir mesmo na ausência de formalizações contratuais, legislações específicas ou outros meios similares. Podem resultar de práticas usuais, políticas publicadas ou declarações específicas da entidade na medida em que a entidade não tenha capacidade prática de agir de modo inconsistente com essas práticas, políticas ou declarações. A obrigação que surge nessas situações é caracterizada como uma obrigação não formalizada.
128. De maneira semelhante, o CPC 25 também distingue obrigações legais de obrigações não formalizadas e define “evento que cria obrigação” como um “evento que cria uma obrigação legal ou não formalizada que faça com que a entidade não tenha nenhuma alternativa realista senão liquidar essa obrigação”.
129. Na data de emissão desta Orientação, dentro do ambiente legal e regulatório no Brasil, não se tem conhecimento da existência de legislação específica ou outro tipo de instrumento normativo, além da Lei nº 13.576/2017, que instituiu a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), que determine que as entidades tenham a obrigação legal de realizar a neutralização ou a compensação de suas emissões de GEE. Dessa maneira, as entidades que, de forma voluntária, se comprometem com tais metas, devem avaliar se dentro do seu compromisso e posicionamento surge uma obrigação não formalizada.
130. De acordo com o CPC 25 uma obrigação não formalizada é uma obrigação que decorre das ações da entidade em que: (a) por via de padrão estabelecido de práticas passadas, de políticas publicadas ou de declaração atual suficientemente específica, a entidade tenha indicado a outras partes que aceitará certas responsabilidades; e (b) em consequência, a entidade cria uma expectativa válida nessas outras partes de que cumprirá com essas responsabilidades.
131. É importante considerar que não necessariamente sempre existirá relacionamento causal entre declarações feitas pelas entidades a respeito do seu engajamento junto às práticas voltadas a sustentabilidade ambiental e à geração de expectativas válidas em terceiros, cujos efeitos implicarão na saída de recursos econômicos da entidade que reporta. Nesse contexto, esta Orientação adota uma abordagem baseada em princípios, indicando que compete às entidades avaliarem se suas declarações criam ou não provisionamentos contábeis, em linha com as diretrizes estabelecidas pelo CPC 25.
132. Dadas as definições acima mencionadas, a existência de uma obrigação não formalizada, dentro do conceito que estabelece o CPC 25, deve ser analisada a partir das divulgações de compromissos assumidos, ações, posicionamentos, práticas, políticas e visões que a entidade que reporta transmite a terceiros. Se esses eventos originarem expectativas válidas em terceiros de que a entidade cumprirá com suas responsabilidades, uma provisão deverá ser reconhecida, desde que atendidos os demais critérios do CPC 25. Em seu julgamento a entidade deve considerar todos os fatos e circunstâncias aplicáveis e determinar com base nas evidências disponíveis se os critérios para o reconhecimento de um passivo derivado de obrigação não formalizada foram atendidos.
133. Declarações suficientemente específicas, políticas publicadas, divulgações em documentos oficiais da entidade ou outras formas de posicionamento público podem dar origem a uma obrigação não formalizada que faça com que a entidade não tenha uma alternativa realista, senão a de cumprir com essa obrigação.
134. Ressalta-se que declarações de uma entidade que possuam natureza pública, como exemplificado acima, podem envolver diferentes formas e estarem associadas a diferentes requerimentos (inclusive legais, regulatórios ou mesmo voluntários de natureza informativa), não devendo ser vistas como aspectos definitivos, mas sim como indicadores.
135. Julgamento deve ser aplicado para avaliar se essas declarações gerariam expectativa válida em outras partes de que a entidade assumiria certas responsabilidades associadas a eventos passados e aos quais os compromissos divulgados venham a se referir.
136. Fatores que afetam os julgamentos dispostos nos itens 132 a 134 acima podem incluir, por exemplo[8]:
(a) A linguagem utilizada nas declarações – uma declaração especificando as ações que a entidade “irá tomar”, “está comprometida a tomar”, ou “se compromete a tomar” pode trazer evidências mais confiáveis de que a entidade vai cumprir tais comprometimentos se comparado a declarações que se limitem a descrever ambições, metas ou aspirações.
(b) A especificidade e status dos planos que suportem as declarações – uma declaração envolvendo reduções nas emissões de gases do efeito estufa pode trazer evidências mais confiáveis para criação de expectativa válida em terceiros na medida em que seja suportada por planos formalmente aprovados e que detalhem (i) a natureza, o momento e as ações que a entidade irá tomar para alcançar tais reduções; (ii) milestones com os quais a entidade tenha se comprometido a atingir como parte de suas metas de longo prazo; e (iii) como a administração da entidade medirá o progresso em relação a estes milestones e metas de longo prazo (por exemplo, quais métricas serão utilizadas).
(c) O momento relacionado às ações requeridas para cumprir o compromisso – espera-se que planos de ações no curto e médio prazo sejam menos suscetíveis a mudanças se comparado a planos de natureza de longo prazo.
(d) Evidências de progresso alcançado que estejam disponíveis publicamente – evidências de que a entidade tenha atingido milestones aos quais havia se comprometido em declarações feitas anteriormente podem aumentar as expectativas de que venha a alcançar outros milestones e metas de longo prazo com as quais tenha se comprometido em declarações recentes e/ou vigentes. Semelhantemente, evidências de que a entidade tenha falhado no atingimento de milestones pode reduzir tais expectativas.
137. O CPC 00 determina que os relatórios financeiros são elaborados para usuários que têm conhecimento razoável das atividades comerciais e econômicas e que revisam e analisam as informações de modo diligente. Desta forma, considerando-se tais características dos usuários, a entidade deve se utilizar de julgamento para avaliar se determinados compromissos assumidos criam uma expectativa válida de que a entidade cumprirá com a obrigação assumida. São exemplos de compromissos eventualmente assumidos e que não teriam potencial de gerar expectativas válidas em terceiros aqueles em que a entidade não controla os eventos necessários para a consecução de sua “meta” declarada, tais como:
(a) evitar que o aquecimento global ultrapasse um aumento de 1,5°C em relação ao século 19;
(b) eliminar a fome em determinado país em no máximo 50 anos; ou
(c) reduzir em 25% o desmatamento da Amazônia em 10 anos.
A obrigação é derivada de eventos já ocorridos
138. Para que haja um passivo é também requerido que a obrigação presente exista como resultado de eventos passados, ou seja: (i) a entidade já tiver obtido benefícios econômicos (os quais podem incluir, por exemplo, produtos ou serviços) ou tomado uma ação que gera uma obrigação; e (ii) como consequência, a entidade terá ou poderá ter que transferir um recurso econômico que de outro modo não teria que transferir.
139. A referência à “como resultado de eventos passados” é baseada no conceito de “evento que cria uma obrigação”, que o CPC 25 define como um evento que cria uma obrigação legal ou não formalizada que faça com que a entidade não tenha nenhuma alternativa realista senão cumprir com essa obrigação.
140. O risco reputacional, por si só, não é um elemento definidor da existência de um passivo na data do balanço, devendo ser avaliado em conjunto com outros fatores, conforme os descritos no CPC 25. Entretanto, o risco reputacional é um indicador que deverá ser considerado no julgamento da entidade quanto à inexistência de alternativa realista ao cumprimento da obrigação não formalizada.
141. As demonstrações contábeis tratam da posição patrimonial da entidade no fim do seu período de divulgação e não da sua possível posição no futuro. Por isso, nenhuma provisão é reconhecida para gastos que necessitam ser incorridas para operar no futuro. Os únicos passivos reconhecidos contabilmente são os que já existem na data do balanço. Nesse sentido, devem ser reconhecidas como provisão apenas as obrigações que surgem de eventos passados, que existam independentemente de ações futuras da entidade, como definido pelo CPC 25. Logo, compromissos de investimentos futuros em ativos de longo prazo – CAPEX (capital expenditure) não são base para reconhecimento de passivo, uma vez que não há um evento passado que cria a obrigação. Contudo, obrigações legais ou não formalizadas relacionadas à reestruturação devem ser reconhecidas se atendidos os requerimentos previstos no CPC 25.
142. Ainda nesse contexto, compromissos relacionados à neutralização ou compensação de emissões devem ser reconhecidos como passivo somente na medida em que se refiram a emissões de GEE já realizadas até a data de reporte. Dessa forma, expectativas de emissões futuras relacionadas a compromissos de compensação já assumidos não devem ser reconhecidas como passivo, uma vez que o evento passado que resultaria no reconhecimento da obrigação não ocorreu.
Obrigação cujo cumprimento se espera que resulte em saída de recursos da entidade
143. O CPC 00 prevê que uma das formas de a saída de um recurso econômico produzir benefícios para a entidade é pela possibilidade de se extinguir passivos por meio da transferência desse recurso econômico.
144. A entidade pode adquirir créditos de carbono (tCO2e) para neutralizar ou compensar suas emissões de carbono: (i) adquirindo-os junto a outras entidades que comercializam tais ativos no mercado voluntário ou compulsório; ou (ii) investindo recursos em projetos próprios ou de terceiros que irão gerar créditos de carbono (tCO2e) no futuro, quando de sua conclusão. Tais formatos de aquisição devem ser divulgados em notas explicativas de modo a permitir que os usuários das demonstrações contábeis tenham conhecimento das medidas que estão sendo tomadas, prazo de conclusão, complexidade dos projetos ou parcerias, de forma que consigam avaliar as rubricas contábeis afetadas.
145. O cumprimento da obrigação de compensação ou neutralização somente se dará pela aposentadoria dos créditos certificados, sejam eles adquiridos de entidades que os comercializam ou através de investimentos em projetos, o que materializa a saída de recursos da entidade capazes de gerar benefícios econômicos.
Mensuração inicial e subsequente
146. Um passivo relativo às obrigações mencionadas nos itens anteriores deve ser reconhecido na medida em que os referidos fatos geradores ocorrerem e mensurado de acordo com o CPC 25, ou seja, na melhor estimativa da saída de recursos para cumprir a obrigação presente na data do balanço.
147. A melhor estimativa da saída de recursos para cumprir a obrigação presente é o valor que a entidade racionalmente pagaria para liquidar a obrigação presente na data do balanço ou para transferi-la para terceiros.
148. Nos casos em que a entidade já possua os créditos de carbono (tCO2e) para compensar as emissões ocorridas (aposentadoria), entende-se que a melhor estimativa do valor para cumprir a obrigação na data do balanço é equivalente ao valor contábil dos créditos de carbono reconhecidos e que serão utilizados para compensar as obrigações decorrentes das emissões ocorridas.
149. Se não houver créditos de carbono (tCO2e) suficientes na data do balanço para cumprimento da obrigação assumida, o valor do passivo que exceda ao valor contábil dos ativos registrados deve ser mensurado na melhor estimativa do valor da saída de recursos que será necessário para cumprir aquela parcela da obrigação não coberta.
150. Conforme estabelecido pelo CPC 25, as evidências a serem consideradas no processo de estimativa podem incluir também informações que tenham surgido após a data de reporte, mas que evidenciem fatos e circunstâncias existentes naquela data.
151. Na avaliação e consideração das incertezas inerentes ao processo de mensuração destes passivos, deve-se considerar o que determina o CPC 25, aplicando-se os conceitos de valor esperado, ponto médio de escala ou o valor mais provável.
152. À luz do item 142, o fato gerador do compromisso de compensação de emissões de GEE é a emissão passada desses gases, isto é, já realizada pela entidade e devidamente alocada na execução de seus diversos processos (produtivo, administrativo, comercial, de formação de ativos etc). O reconhecimento da provisão relativa à tal compromisso terá como contrapartida diferentes rubricas, conforme a capacidade da entidade de alocar as emissões aos processos que lhe deram origem. Dessa forma, as seguintes contrapartidas são possíveis:
a) Estoque: se a origem da emissão for o processo produtivo vinculado à atividade principal da entidade;
b) Ativos em formação: se a origem da emissão for o processo de formação de ativo imobilizado ou intangível;
c) Resultado: se a origem da emissão for o processo administrativo ou comercial da entidade, ou, a entidade não conseguir alocá-la, de forma confiável e não arbitrária, aos processos descritos nos itens anteriores.
153. À luz do item 146, a provisão deve ser mensurada pela melhor estimativa da saída de recursos para cumprir a obrigação presente na data do balanço. Ou seja, (a) para a parcela da provisão já lastreada por créditos de carbono (tCO2e) adquiridos ou gerados pela entidade, seu valor deve corresponder ao custo de aquisição ou geração do lastro; (b) para a parcela da provisão sem lastro ou a descoberto, pela melhor estimativa da saída de recursos para aquisição ou geração do crédito de carbono (tCO2e).
154. Como determinado pelo CPC 26, a entidade não deve compensar ativos e passivos ou receitas e despesas, a menos que a compensação seja exigida ou permitida por um Pronunciamento Técnico, Interpretação ou Orientação do CPC.
155. Esta Orientação estabelece que a entidade deve apresentar os créditos de carbono (tCO2e) detidos de maneira separada dos passivos por obrigações de neutralização ou compensação, independentemente do modelo de negócio aplicado.
156. A simples obtenção por parte da entidade de um crédito de carbono (tCO2e) não extingue a obrigação presente de neutralizar ou compensar suas emissões. Cada crédito é individualmente identificável por meio de um número de série rastreável e que é tirado de circulação assim que este crédito é registrado e retirado do mercado pela entidade em seu benefício. Esse processo é referido como “aposentadoria do crédito de carbono (tCO2e)”, que é o processo no qual os benefícios econômicos do crédito fluem para a entidade por meio da neutralização ou compensação de suas emissões e, consequentemente, não pode mais ser utilizado por nenhuma outra entidade.
Divulgação
157. O CPC 25 requer a divulgação da descrição da natureza da obrigação e o cronograma esperado de quaisquer saídas de recursos econômicos resultantes, além das principais premissas sobre eventos futuros e incertezas existentes em relação ao valor ou ao cronograma dessas saídas.
158. Quando a incerteza no julgamento exercido pela entidade para a determinação da existência do passivo e/ou sua mensuração é significativa, a entidade deve divulgar, juntamente com suas políticas contábeis significativas ou em outras notas explicativas, os julgamentos realizados no processo de aplicação das políticas contábeis da entidade e que têm efeito mais significativo nos montantes reconhecidos nas demonstrações contábeis, como determinado pelo CPC 26.
159. Quando a entidade realizar investimentos em ativos de longo prazo (CAPEX) para cumprir compromisso de redução de emissões previamente assumido, devem ser efetuadas, no mínimo, as seguintes divulgações: (a) os objetivos, a etapa e o prazo do projeto ao qual se refere o investimento realizado; (b) as incertezas relacionadas à recuperação do valor investido nos ativos do projeto (impairment); (c) a confrontação entre os valores realizados e estimados até o encerramento do período de reporte; e (d) alterações no projeto original comparativamente ao investimentos realizados pela entidade.
GLOSSÁRIO
1. Para fins desta Orientação, salvo indicação contrária, os seguintes termos tem os significados atribuídos a seguir:
a. Créditos de carbono (tCO2e): créditos de carbono, créditos de metano e demais créditos assemelhados originados por projetos que reduzam ou evitem a emissão de gases de efeito estufa (GEE), assim como aqueles originados por projetos que sequestram ou removam os GEE da atmosfera. Esses créditos são uma forma padronizada de medida utilizada para quantificar a redução de emissões de GEE decorrente de projetos de mitigação. O conceito de adicionalidade é fundamental para a definição de créditos de carbono (tCO2e), pois se refere à necessidade de que os projetos originadores desses créditos devam reduzir ou evitar as emissões de GEE em relação a um cenário de referência, que representa a situação que ocorreria na ausência do projeto. Portanto, créditos de carbono (tCO2e) adquiridos ou originados por entidades podem ser utilizados para compensar suas emissões de GEE, desde que esses créditos sejam originados por projetos que atendam aos critérios de adicionalidade e sejam certificados por organizações credenciadas;
b. Créditos de Descarbonização (CBIO), originados no âmbito do programa RenovaBio, instituído pela Lei nº 13.576/2017; e
c. Permissões de emissão (allowances) emitidas por Governos (ente governamental) para direcionar ações dos agentes econômicos conforme limite de emissão definidos pelos agentes governamentais. Ressalte-se que allowances não são créditos de carbono (tCO2e) per si, embora possam ser categorizados como direitos similares aos créditos de carbono (tCO2e), uma vez que representam permissões para emissões de GEE, dentro de um programa formal de redução de emissão desses gases.
2. Crédito ambiental pode ser entendido como uma expressão mais ampla que designa uma medida de redução comprovada da degradação do meio ambiente. No caso do crédito de carbono, este representa a redução comprovada da emissão de GEE ou seu sequestro da atmosfera. Ainda no conceito de crédito ambiental podem ser enquadrados outros mecanismos relacionados à redução dos impactos ambientais que não estejam diretamente vinculados à redução de GEE, como, por exemplo, créditos de reciclagem.
3. Aposentadoria é o cancelamento (retirada de circulação do mercado em que está registrado) dos ativos tratados nesta orientação (crédito de carbono, CBIOS e Permissões de emissão (allowances) detidos pelos agentes na condição de usuário final para fins de comprovação do cumprimento dos compromissos ambientais assumidos.
APÊNDICE A - EXEMPLOS DE AVALIAÇÕES DE OBRIGAÇÕES AMBIENTAIS LEGAIS E OBRIGAÇÕES NÃO FORMALIZADAS
A1. Os exemplos apresentados neste apêndice foram baseados em um material preparado pela equipe técnica do IASB[9], apresentado na reunião de abril de 2023, no âmbito de um projeto que envolve a complementação do IAS 37 Provisions, Contingent Liabilities and Contingent Assets. Serão apresentados a seguir tão somente os exemplos que possuem vinculação direta com os temas tratados nesta Orientação.
A2. A apresentação dos exemplos como apêndice nesta Orientação tem por finalidade auxiliar preparadores, auditores e reguladores a avaliarem situações fáticas nas quais seja necessário aferir o nível de comprometimento das entidades com a redução de emissões de gases de efeitos estufa em suas operações e determinar se tais engajamentos constituem obrigação não formalizada que requeira a constituição, ou não, de uma provisão para fazer frente a tais compromissos autoatribuídos pelas organizações.
A3. É relevante destacar que tais exemplos não têm por pretensão exaurir as avaliações de cada caso em si. Trata-se de ilustrações de como organizar metodologicamente os comandos expostos no IAS 37, cuja norma correspondente no Brasil é o Pronunciamento Técnico CPC 25 Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes, a fim de que as políticas de sustentabilidade ambiental das corporações possam ser tratadas em consonância com as políticas contábeis, sobretudo, à luz da Representação Fidedigna, característica qualitativa fundamental estabelecida pelo pronunciamento técnico CPC 00 (R2) - Estrutura Conceitual para Relatório Financeiro.
Exemplo 1 – Créditos Negativos para Veículos de Baixa Emissão
Uma legislação específica se aplica a entidades que produzem carros para venda em um mercado específico. De acordo com essa legislação, os produtores:
(a) recebem créditos positivos se, em um ano civil, fabricarem carros cujas emissões médias de combustível sejam inferiores a uma meta do governo; ou
(b) recebem créditos negativos se naquele ano tiverem fabricado carros cujas emissões médias de combustível sejam superiores à meta.
A legislação exige que um produtor que receba créditos negativos por um ano elimine esses créditos negativos obtendo e entregando créditos positivos. Um produtor pode obter créditos positivos comprando-os de outra entidade ou gerando-os ele mesmo no ano seguinte (produzindo carros cujas emissões médias de combustível sejam inferiores à meta do governo).
De acordo com a legislação, o governo não pode forçar um produtor a eliminar seus créditos negativos, mas pode impor sanções ao produtor que não o fizer. Essas sanções não exigiriam o pagamento de multas ou penalidades, ou qualquer outra transferência de recursos econômicos, mas poderiam negar oportunidades ao produtor no futuro, por exemplo, restringindo o acesso do produtor ao mercado.
Um produtor está preparando uma demonstração financeira para seu período de relatório anual até 30 de junho de 20X1. Os carros produzidos nos seis meses até 30 de junho tem emissões médias de combustível que excederam a meta do governo.
Obrigação presente como resultado de um evento passado
Os créditos positivos são um recurso econômico – eles dão ao titular direitos que têm o potencial de produzir benefícios econômicos. Portanto, uma obrigação de entregar créditos positivos é uma obrigação de transferir recursos que incorporam benefícios econômicos. A produção do produtor de carros com emissões médias de combustível superiores à meta do governo é a ação que significa que ele terá ou poderá ter que renunciar a créditos positivos.
O produtor tem a capacidade prática de evitar a renúncia de créditos positivos para eliminar os créditos negativos apenas se tiver a capacidade prática de aceitar o risco de sanções futuras. Ele pode ter essa capacidade se, por exemplo, estiver planejando se retirar do mercado e, portanto, não for afetada adversamente por restrições de acesso futuro ao mercado, ou se for improvável que o governo imponha sanções significativas.
A obrigação presente do produtor em 30 de junho de 20X1 é determinada por referência aos créditos negativos que receberia pelos carros fabricados até essa data.
Conclusão
O produtor reconhece uma provisão à medida que produz carros cujas emissões médias excedem a meta do governo, a menos que tenha a capacidade prática de aceitar o risco de sanções em vez de renunciar a créditos positivos. A provisão é determinada por referência aos créditos negativos que o produtor receberia pelos veículos fabricados até 30 de junho de 20X1.
Exemplo 2 – Comprometimento de net-zero
Em março de 20X0, um fabricante anuncia publicamente seu compromisso de se tornar ‘net-zero’ em 20X5. Anuncia que irá:
(a) começar imediatamente a mudar a forma como fabrica seus produtos com o objetivo de reduzir gradualmente suas emissões de gases de efeito estufa, para que não ultrapassem, em 20X5, 40% de seu nível atual; e
(b) a partir de 20X5, compensar as emissões remanescentes pagando as comissões florestais dos países nos quais fabrica para plantar árvores.
Obrigação presente como resultado de um evento passado
O anúncio público do fabricante indica ao público que ele aceitou a responsabilidade de eliminar ou compensar suas emissões de gases de efeito estufa de 20X5 em diante. Este anúncio cria uma obrigação não formalizada para o fabricante se criar uma expectativa válida entre os membros do público de que cumprirá esta responsabilidade. Avaliar se o anúncio cria tal expectativa é uma questão de julgamento, determinado pela administração levando em conta os fatos e circunstâncias.
Um anúncio que preencha os critérios para criar uma obrigação não formalizada não é suficiente por si só para criar uma obrigação não formalizada presente. Uma obrigação não formalizada presente surge apenas quando o fabricante emitiu gases de efeito estufa que se comprometeu a compensar. Ele então tem a obrigação de pagar pela quantidade de plantio de árvores necessária para compensar as emissões passadas. O compromisso do fabricante de mudar aspectos da forma como fabrica seus produtos não é uma obrigação de transferir recursos econômicos.
Conclusão
O fabricante reconhece uma provisão como resultado de seu compromisso líquido zero:
(a) quando tiver emitido os gases de efeito estufa que se comprometeu a compensar; e
(b) se, naquele momento, a administração julgar que seu anúncio deu origem a uma obrigação não formalizada de cumprir os compromissos de net-zero.
O fabricante reconhece uma provisão pela melhor estimativa dos valores a pagar a comissões florestais em relação a emissões passadas.
[1] Para os fins desta Orientação, o significado do termo “crédito de carbono” abrange o Certificado de Remoção ou Redução Verificada de Emissões – CRVE e o crédito de carbono externo ao Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa – SBCE, conforme aprovado pela Câmara dos Deputados em 22/11/24 e enviado para sanção presidencial.
[2] Para os fins desta Orientação, o significado do termo “permissão de emissão” abrange a Cota Brasileira de Emissões (CBE), conforme aprovado pela Câmara dos Deputados em 22/11/24 e enviado para sanção presidencial.
[3] A menção ao termo “commodities” não significa afirmar que créditos ambientais se equiparariam a commodities.
[4] cebds.org-mercado-de-carbono-marco-regulatorio-mercado-carbono-marco-regulatorio-sem-olhos.pdf (acesso em 05/06/23), pág. 14.
[5] ibid., pág. 13.
[6] Se refere ao título ou certificado, conforme definido no Apêndice A.
[7] ANP (2020) RenovaBio, disponível em: https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/renovabio.
[8] Entendimento expressado pelo Comitê de Interpretações sobre Reporte Financeiro (IFRIC) em reunião de novembro de 2023, agenda disponível em https://www.ifrs.org/news-and-events/calendar/2023/november/ifrs-interpretations-committee/.
[9] Para mais detalhes consulte: https://www.ifrs.org/content/dam/ifrs/meetings/2023/april/iasb/ap22-appendix-b-provisions-drafting-suggestions-for-illustrative-examples.pdf.
Cumpre ressaltar que os exemplos apresentados nesta seção decorrem de materiais apresentados pelo staff técnico do IASB e que tais exemplos, até o momento, não foram incorporados em versões definitivas de normas ou agenda decisions. Todavia, o CPC compreende que tais ilustrações são relevantes para uma correta interpretação do que consta disposto nesta Orientação, bem como tais exemplos representam formas adequadas de se analisar o CPC 25 à luz de situações análogas.