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Decisão do colegiado de 04/09/2018

Participantes

• MARCELO BARBOSA – PRESIDENTE*
• GUSTAVO MACHADO GONZALEZ – DIRETOR*
• GUSTAVO RABELO TAVARES BORBA – DIRETOR*
• HENRIQUE BALDUINO MACHADO MOREIRA – DIRETOR*
• PABLO WALDEMAR RENTERIA – DIRETOR

*Por estar em São Paulo, participou por videoconferência.

 

PEDIDO DE INTERRUPÇÃO DO PRAZO DE CONVOCAÇÃO DE ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA – FIBRIA CELULOSE S.A. – PROCS. SEI 19957.007756/2018-46 E 19957.007885/2018-34

Reg. nº 1150/18
Relator: SEP

O Presidente Marcelo Barbosa declarou-se impedido, tendo deixado a sala durante o exame do caso.

Trata-se de análise de pedidos de interrupção do curso do prazo de convocação da Assembleia Geral Extraordinária de Fibria Celulose SA (“Fibria” ou “Companhia”), convocada para 13.09.2018 (“AGE”), encaminhados por Tempo Capital Principal Fundo de Investimento em Ações (“Tempo”) e JGP Equity Explorer Master FIM e outros fundos (“Fundos JGP” e, em conjunto com Tempo, "Requerentes"), todos acionistas da Fibria.

A AGE foi convocada para deliberar sobre a reestruturação societária (“Operação” ou “Reorganização”) envolvendo Fibria e Suzano Papel e Celulose SA (“Suzano”), divulgada por meio de fato relevante de 16.03.2018 (“Fato Relevante”). Uma vez implementada a Operação, a Fibria se tornará uma subsidiária integral da Suzano e os acionistas da Fibria se tornarão acionistas da Suzano, recebendo para cada ação ordinária de emissão da Companhia de que são proprietários: (i) uma parcela em moeda corrente nacional de R$52,50 (cinquenta e dois reais e cinquenta centavos), corrigidos pela variação do CDI verificada entre 15.03.2018 e a Data de Liquidação Financeira (“Parcela em Dinheiro”); e (ii) 0,4611 ação ordinária de emissão da Suzano (“Parcela em Ações”).

A Operação será implementada por meio de quatro etapas “interdependentes e vinculadas entre si”, efetivadas na mesma data, que são, em síntese, as seguintes: (i) aporte pela Suzano, ou sociedade afiliada, do montante correspondente à Parcela em Dinheiro a uma holding não operacional (“Holding”) por meio de um aumento de capital; (ii) incorporação da totalidade das ações de emissão da Companhia pela Holding, por seu valor econômico, sendo que para cada ação ordinária de emissão da Companhia serão entregues 1 ação ordinária e 1 ação preferencial resgatável de emissão da Holding; (iii) resgate da totalidade das ações preferenciais de emissão da Holding, com o pagamento, para cada 1 ação preferencial de emissão da Holding resgatada, da Parcela em Dinheiro; e (iv) incorporação da Holding na Suzano, pelo valor patrimonial contábil da Holding, com a sua consequente extinção e sucessão, pela Suzano, de todos os seus bens, direitos e obrigações, com o recebimento, pelos antigos acionistas da Fibria, da Parcela em Ações.

Pedidos de interrupção

Em 13.08.2018, Tempo apresentou requerimento de interrupção de prazo de antecedência de convocação da AGE (“Pedido Tempo”), com fundamento no art. 3º, da Instrução CVM nº 372/02, a fim de que a CVM conheça e analise a legalidade dos itens (i), (ii), (iii) e (iv) da Ordem do Dia da AGE à luz dos seguintes dispositivos: (a) § 3°, do art. 252, da LSA; (b) § 4º, do art. 44, da LSA; (c) arts. 8°, e 41, II, c/c art. 45, do Regulamento do Novo Mercado da B3 S.A. – Brasil, Bolsa, Balcão (“B3”); e (d) art. 40, do Estatuto Social da Companhia.

No mérito, Tempo solicita que seja analisada a legalidade dos seguintes pontos da Operação e da proposta da administração para a AGE, em especial: (i) criar direito para os controladores de Fibria que eles não possuem por lei, pelo estatuto social ou por acordo de acionistas, qual seja, o de drag along de sua base acionária minoritária; (ii) subtrair direito dos minoritários, decorrente da cláusula de tag along, de não aderir à alienação de venda de controle acionário da Companhia; (iii) violar regra do Regulamento do Novo Mercado da B3, notadamente no que se refere à transformação de ações ordinárias em preferenciais, sem observar as regras e procedimentos de saída do referido segmento; (iv) burlar regras aplicáveis em operações de resgate de ações, notadamente a necessidade de tratamento igualitário a todos os acionistas de uma mesma classe e a obrigatoriedade de resgate por sorteio no caso do resgate parcial; (v) descumprir as regras estatutárias da Companhia sobre Ofertas Públicas de Ações em relação à realização de reestruturação societárias que, substancialmente, retiram o acionista do ambiente do Novo Mercado, dado que 80% do valor das ações está sendo efetivamente liquidado e forçadamente excluído do ambiente de ações listadas no referido segmento; e (vi) diante dos pontos acima, o impedimento dos controladores Fibria de participarem das deliberações envolvendo a Operação, tendo em vista a aplicabilidade, no caso, do disposto no caput e § 1º do art. 115 da Lei das S.A.

Em 17.08.2018, Fundos JGP também apresentaram requerimento de interrupção de prazo de antecedência de convocação da AGE (“Pedido JPG”), com fundamento no art. 3º, da Instrução CVM nº 372/02, “a fim de que o Colegiado conheça e analise as propostas a serem submetidas à assembleia e, com isso, possa informar à companhia que a deliberação proposta é manifestamente ilegal por violar os artigos 223, 224, 225 e 252 da Lei das S.A. e que o voto eventualmente manifestado no sentido de aprovar a Operação, como proposta será reputado abusivo”.

O Pedido JGP amparou-se essencialmente nas alegações de que a Operação violaria os artigos 223, 224, 225 e 252 da Lei nº 6.404/76 e “representaria a ilegal expropriação das ações dos acionistas minoritários da Fibria que quiserem permanecerem como acionistas da incorporadora, relativamente à totalidade (e não apenas 20%) de sua participação societária, uma vez que lhes seria imposto, em contrapartida de sua participação acionária, o recebimento de quantia em espécie e uma quantidade de ações de Suzano”.

Ademais, Fundos JGP sustentaram que “ao entregar ações preferenciais, resgatáveis no mesmo ato, mediante o pagamento de moeda, em substituição de 80% das ações da incorporada, ainda que atenda ‘formalmente’ ao comando legal, a incorporadora atinge justamente o resultado que a lei procura evitar, qual seja, a entrega de outro bem que não ações da incorporadora em substituição às ações da incorporada”.

Além disso, Tempo e Fundos JGP registraram em seus respectivos pedidos que reorganizações societárias já realizadas com estruturas similares à Operação não influenciariam no reconhecimento de sua ilegalidade.

Manifestações Fibria e Suzano

Chamada a se manifestar sobre o Pedido Tempo e o Pedido JGP, a Fibria respondeu em 16.08.2018 e 22.08.2018, nos seguintes e principais termos:

Com relação ao Pedido Tempo, a Companhia afirmou, principalmente, que:

(i) não haveria qualquer ilegalidade – e tampouco fraude – em se combinar diferentes operações previstas na Lei das S.A. (aumento de capital, incorporação de ações, resgate e incorporação de sociedades) no âmbito de uma única reorganização societária, com o objetivo de viabilizar que a contrapartida devida aos acionistas da Fibria seja paga, ao final da Operação, parte em ações de emissão da Suzano e parte em moeda corrente, uma vez que (i.a) os acionistas da Fibria não receberão, como consequência direta da incorporação de ações, ações e dinheiro, mas apenas ações ordinárias e ações preferenciais de emissão da companhia incorporadora (a Holding), sendo a parcela em dinheiro decorrente do subsequente resgate, o que somente confirma a inexistência de violação ao § 3º do artigo 252 da Lei das S.A e (i.b) não está caracterizada a infração ao artigo 44, § 4º, da Lei das S.A., visto que, no presente caso, a inexigibilidade do sorteio previsto no referido dispositivo é evidente, pois o resgate não será parcial, mas abrangerá a totalidade das ações preferenciais de emissão da Holding, que terão sido previamente atribuídas a todos os acionistas da Fibria em virtude da incorporação de ações; (ii) não haveria infração ao art. 8°, e arts. 41, II, c/c 45, do Regulamento do Novo Mercado da B3 e ao art. 40, do Estatuto Social da Companhia, visto que “todas as operações que adotaram estrutura semelhante à da Reorganização Societária envolviam companhias do Novo Mercado e, em nenhuma delas, se considerou que a emissão das ações preferenciais por uma “holding” não listada em tal segmento caracterizaria violação ao Regulamento ou implicaria obrigatoriedade da realização da OPA de saída do Novo Mercado.”; e (iii) “Como no caso presente os acionistas da Fibria receberão como parte da contrapartida devida pela perda compulsória das ações de sua propriedade, ações de emissão da Suzano, e esta integra o Novo Mercado, não há como se cogitar da aplicabilidade do artigo 40 do Estatuto Social da Companhia”.

Sustentou ainda que não haveria que se falar em violação da isonomia entre os acionistas da Fibria, visto que todos (controladores e minoritários da Companhia) serão afetados de forma idêntica pela medida, não havendo tentativa de se excluir determinados acionistas ou de favorecer outros.

Por fim, com relação à configuração de voto abusivo, afirmou que o impedimento prévio ao voto dos controladores não se enquadra nas situações previstas pelo § 1º do artigo 115 da Lei das S.A., sendo a medida aplicável eventual responsabilização dos controladores, nos termos do § 3º do próprio artigo 115.

Em sua manifestação de 22.08.2018, Fibria chamou atenção para o fato de que os Fundos JGP, no dia 15.03.2018 (data imediatamente anterior à divulgação do Fato Relevante), não eram acionistas da Companhia e refutou os argumentos constantes do Pedido JGP nos seguintes termos:

(i) inexiste na Lei das S.A. o suposto direito do acionista da sociedade incorporada de receber o “número adequado de ações da incorporadora” ou de participar do capital social da incorporadora “em posição jurídica equivalente e proporcional àquela anteriormente detida na incorporada”; (ii) a Lei das S.A. não estipula qualquer exigência ou determinação especial quanto aos critérios a serem utilizados para fixação das relações de troca, que constitui matéria negocial, prevalecendo a liberdade de contratar das partes e, especificamente nas operações que envolvem sociedades independentes, como ocorre no presente caso, a presunção legal é de que os acionistas controladores de cada sociedade buscarão negociar os termos da operação da maneira mais conveniente para os seus interesses e os dos acionistas minoritários; (iii) o fato de a Lei das S.A. não contemplar autorização específica para que parcela da relação de troca em operações de incorporação seja paga em dinheiro não significa, de modo algum, que essa possibilidade teria sido vedada pelo legislador. Portanto, sustentou que não há qualquer ilegalidade – e tampouco fraude – em se atribuir aos acionistas da Companhia ações preferenciais resgatáveis da Holding e que a contrapartida que lhes é devida seja paga, ao final da Operação, parte em ações de emissão da Suzano e parte em moeda corrente.

Em 27.08.2018, Suzano manifestou-se espontaneamente quanto à correspondência encaminhada pelos Fundos JGP afirmando que “a Reorganização foi realizada com plena observância das regras formais e substanciais aplicáveis a cada um dos institutos adotados, nada havendo de irregular nos fins almejados e no melhor interesse das companhias, sem que seja conferido nenhum benefício ou diferenciação para qualquer grupo de acionistas.”

Manifestação da SEP

A Gerência de Acompanhamento de Empresas – 4 (GEA-4) analisou as alegações das partes e, com base nas razões constantes do Memorando nº 176/2018-CVM/SEP/GEA-4 (“Memorando 176”), manifestou-se nos seguintes termos:

(i) as operações societárias já realizadas referidas nas manifestações da Fibria e Suzano são similares à Reorganização, mas, até a presente data, não houve manifestação da CVM especificamente quanto ao alegado efeito de drag along ou de desinvestimento compulsório ora discutido;

(ii) o fato de haver um acionista controlador na companhia incorporada não seria, por si só, determinante para que se conclua que a operação tenha como objetivo alienar o controle e forçar a venda de parcela da participação dos acionistas minoritários, subtraindo seu direito decorrente da cláusula de tag along. Segundo a GEA-4, essa análise deve ser realizada em cada caso concreto, considerando eventuais indícios de adoção de modelos que visem exclusivamente à não realização de oferta de pública por alienação de controle, em especial nos casos em que as condições do negócio não tenham sido estendidas aos demais acionistas da sociedade incorporada;

(iii) o alegado direito dos minoritários ao tag along existe apenas no caso em que se caracterize a alienação de controle, o que, em princípio, foi afastado pelo MEMO/SRE/GER-1/Nº 214/2008 (referente a operações semelhantes à Reorganização) e respaldado pelo posicionamento solicitado à Superintendência de Registro de Valores Mobiliários – SRE e à B3, sendo que, esta última, também se manifestou no sentido de que a Reorganização não viola os dispositivos do Regulamento do Novo Mercado;

(iv) não foram identificadas ilegalidades nas etapas da operação individualmente consideradas;

(v) é certo que o cumprimento das regras de cada etapa não autoriza a utilização de um conjunto de atos para atingir objetivos e efeitos vedados por lei, sob pena de caraterizar a fraude arguida pelos Requerentes;

(vi) a operação como um todo (estrutura e a contrapartida contratadas) é fruto da negociação entre partes independentes e, nesse contexto, as condições acordadas para a operação seriam resultantes de um processo negocial que, necessariamente, deve buscar atender e ponderar os interesses das partes envolvidas;

(vii) os direitos essenciais dos acionistas, previstos no art. 109 da Lei nº 6.404/76, decorrem de sua condição de sócio, o que não significa dizer que há “direito essencial de permanecer sócio” da companhia em qualquer situação, entendimento compatível com dispositivos da Lei nº 6.404/76 que tratam do resgate de ações (art. 44, §4º e §5º do art. 4º da Lei nº 6.404/76); e

(viii) no que diz respeito às hipóteses de impedimento de voto (art. 115, §1º, da Lei nº 6.404/76), os acionistas minoritários de Fibria terão o mesmo tratamento que os acionistas controladores, já que todos receberão o mesmo valor por ação em dinheiro e a todos será aplicada a mesma relação de troca de ações de emissão Fibria por ações de emissão de Suzano, não havendo vantagem do controlador que não seja extensível aos demais acionistas. Assim, não restaria caracterizado o benefício particular aos acionistas controladores de Fibria. Também não é possível identificar, a priori, em que medida haveria interesse conflitante com o da Companhia.

Assim, a GEA-4 concluiu que não foram identificados, no caso concreto, elementos que apontem no sentido de que não haveria interesse social na Reorganização pretendida e de que o modelo proposto para a operação buscasse conferir vantagem aos acionistas controladores ou prejudicar os interesses de acionistas minoritários das sociedades envolvidas. Não tendo sido constatadas de plano as ilegalidades arguidas pelos Requerentes, entendeu-se que não seria cabível a interrupção, por até 15 dias, do curso do prazo de antecedência de convocação da AGE.

O Superintendente da SEP, em despacho apartado, divergiu das conclusões do Memorando 176. Em seu entendimento, o recebimento, pelos atuais acionistas da Fibria, de ações preferenciais resgatáveis da companhia fechada Holding (com o subsequente resgate dessas ações durante a reorganização societária), e a impossibilidade de receberem ações de emissão da incorporadora em troca de aproximadamente 80% de sua participação acionária atual, não respeitaria a finalidade dos arts. 223, 224 e 252, §3º, da Lei nº 6.404/76.

Desse modo, propôs ao Colegiado - caso não se convença da legalidade da Operação antes da AGE, e entenda que em 15 (quinze) dias é possível concluir a respeito - interromper o curso do prazo de antecedência da convocação da AGE para, se for o caso, informar à Companhia as razões pelas quais entende que a deliberação proposta à assembleia viola dispositivos legais ou regulamentares.

Entendimento dos Diretores Gustavo Gonzalez, Henrique Machado e Pablo Renteria

Preliminarmente, os Diretores Gustavo Gonzalez, Henrique Machado e Pablo Renteria entenderam importante rechaçar os argumentos que visam desqualificar as reclamações apresentadas por acionistas que adquiriram suas ações, ou parte substancial delas, após a divulgação da Operação, sob a alegação de que se trataria de posições oportunistas.

Nesse sentido, destacaram o importante papel dos investidores ativistas para o bom funcionamento do mercado ao incitarem discussões que possam contribuir para melhoras na governança corporativa das companhias. Por tal motivo, os referidos Diretores assinalaram que não se pode dar a uma reclamação apresentada por esses investidores tratamento distinto daquele dispensado às reclamações em geral. Do mesmo modo, não se pode concluir, de plano, em virtude unicamente das características do agente, pela legalidade, ilegalidade ou caráter abusivo de suas ações, que devem ser analisadas, em procedimento próprio, à luz das características do caso concreto. Em resumo, os Diretores destacaram que o foco do regulador não deve incidir sobre quem o tenha instigado, ou ainda por quais motivos o tenha feito, mas sobre o mérito da questão levantada.

Ainda antes de adentrar no mérito da decisão, os referidos Diretores destacaram o papel que entendem caber à CVM na avaliação de operações societárias sob sua jurisdição. Em primeiro lugar, frisaram que quando há mais de uma forma negocial lícita de atingir determinado resultado, não é prerrogativa da CVM indicar qual delas seria a mais adequada. Ao contrário, deve privilegiar os princípios da liberdade de contratar e da flexibilidade empresarial.

Indicaram, nessa toada, que o Colegiado já vem reconhecendo que institutos jurídicos distintos devem ser analisados sob o seu regime próprio, mesmo que acabem por produzir resultados funcionalmente equivalentes. Mencionaram como exemplos a decisão que (i) entendeu pela inaplicabilidade das regras de fechamento de capital às incorporações de ações (Processo Administrativo CVM nº RJ2001/11663, Dir. Rel. Luiz Antonio de Sampaio Campos, j. em 15/01/2002); e, mais recentemente, aquela que (ii) firmou a inaplicabilidade das regras aplicáveis às alienações de controle às operações de reorganização societária (Processo Administrativo CVM nº RJ2008/4156, Dir. Rel. Sergio Weguelin, j. em 17.06.2008).

Apontam também que, em outra vertente, o Colegiado da CVM já analisou o regime jurídico aplicável a reorganizações compostas por múltiplas etapas e decidiu que cada uma das etapas deve, a princípio, ser avaliada de forma independente (Processo Administrativo CVM nº RJ2011/11770, Dir. Rel. Otavio Yazbek, j. em 16.02.2012). Naquele precedente, decidiu-se analisar a estrutura sob a perspectiva formal, especialmente quando há verossimilhança na descrição da operação, não podendo a CVM determinar que a operação produza efeitos jurídicos que não sejam típicos de qualquer uma das etapas, e cuja alegada exigibilidade (que foi, ao final, afastada pelo Colegiado) dependeria da análise das diferentes etapas como um negócio jurídico uno.

Diante do exposto, os Diretores Gustavo Gonzalez, Henrique Machado e Pablo Renteria manifestaram o entendimento de que uma operação complexa, organizada por meio de diferentes negócios jurídicos vinculados entre si, sendo cada um deles indispensável ao alcance das finalidades perseguidas pelas companhias contratantes, deve ser considerada regular se (i) cada um dos seus passos observar seu regime jurídico específico e (ii) a operação, como um todo unitário, não produzir nenhum resultado proibido em lei.

No caso em tela, examina-se a regularidade de uma operação complexa que conjuga, entre outras etapas, uma incorporação e ações preferenciais resgatáveis.

Deve-se, portanto, analisar primeiramente se cada um dos institutos utilizados respeita o regime jurídico que lhe é próprio. Na visão dos Diretores Gustavo Gonzalez, Henrique Machado e Pablo Renteria, a resposta é afirmativa.

Com relação à incorporação, os referidos Diretores inicialmente refutaram o argumento invocado por alguns dos pareceristas contratados no sentido de que em uma incorporação os acionistas da sociedade incorporada podem receber, em contrapartida às ações que entregam, dinheiro, destacando, contudo, não haver impedimento legal para, em uma operação simples de incorporação, se utilizar uma parcela diminuta de dinheiro, sem desnaturar o correspondente tipo contratual. A parcela pecuniária pode servir para resolver problemas como participações fracionárias, fato, aliás, que já foi mais de uma vez empregado em operações de reorganização para tratar das frações, sem quaisquer questionamentos.

Os Diretores enfrentaram a legalidade de se entregar ações preferenciais resgatáveis aos titulares da sociedade incorporada e concluíram que a Lei nº 6.404/1976 expressamente admite que os acionistas da sociedade incorporada recebam ações da incorporadora de espécie ou classe distinta das que possuíam (arts. 224, I, e 225, II). Diante desses fatos, concluíram que a operação de incorporação, analisada de forma isolada, respeita integralmente os requisitos da lei.

Indo adiante, os Diretores Gustavo Gonzalez, Henrique Machado e Pablo Renteria passaram a analisar a legalidade das ações preferenciais resgatáveis, destacando, de início, que tais ações são expressamente previstas na Lei Societária (art. 19), não havendo dúvidas quanto à possibilidade, sob a ótica societária, de emitir ações preferenciais com condições de resgate previamente fixadas no estatuto. Destacaram, ademais, que a Lei Societária admite, desde que observados os requisitos legais, que decisões majoritárias alterem as características de ações preferenciais previamente emitidas, inclusive para torná-las resgatáveis.

Destarte, os Diretores concluíram não haver qualquer irregularidade no emprego de ações preferenciais resgatáveis. Reconheceram, todavia, que a constatação de que as etapas, quando isoladamente consideradas, atendem aos seus respectivos regimes jurídicos não é suficiente para resolver a questão. Ao contrário, a tese dos Requerentes é justamente a de que a combinação dos negócios jurídicos teve por objetivo produzir um efeito que não seria admitido por Lei.

Para os referidos Diretores, a tese dos Requerentes é falha por se basear na comparação dos efeitos produzidos pelo negócio complexo, resultante da coligação de dois negócios jurídicos distintos (a saber, a incorporação e as ações resgatáveis), e os efeitos que um desses negócios produziria quando praticado isoladamente. Nesse sentido, os Diretores destacaram que a finalidade desse tipo de arranjo é justamente permitir, por meio da conjugação de efeitos jurídicos, atingir um fim que não poderia ser alcançado por meio de um único negócio típico.

Para Gonzalez, Machado e Renteria, a combinação de diferentes negócios jurídicos não pode ser considerada fraudulenta por produzir efeitos distintos daqueles que seriam alcançados por meio do emprego de um dos contratos típicos coligados; a fraude existe caso tal arranjo permita as partes alcançar um objetivo que é vedado pela lei.

Nessa perspectiva, os Diretores entenderam que o direito do acionista de permanecer acionista não tem a abrangência que os Requerentes pretenderam lhe atribuir. No regime da Lei nº 6.404/1976, referido direito significa que o acionista não pode ser compulsoriamente despojado de suas ações, salvo nos casos previstos em lei, exceção na qual se encontra o regime do resgate.

Do mesmo modo, os referidos Diretores discordaram do argumento de que a operação configuraria abuso de direito, assinalando que a operação prevê um tratamento isonômico a todos os acionistas da sociedade incorporada, não havendo que se falar, portanto, em benefício dos controladores ou de qualquer ato em detrimento dos minoritários. Destacaram, ademais, não terem identificado qualquer elemento que indicasse que a Operação foi estruturada em detrimento dos interesses da companhia incorporada.

Com relação aos efeitos indiretos sobre os interesses dos minoritários da sociedade incorporada, os Diretores Gustavo Gonzalez, Henrique Machado e Pablo Renteria manifestaram o entendimento de que a decisão quanto à legalidade de determinada estrutura não poderia ser determinada a partir dos seus efeitos tributários, inclusive porque diferentes classes de acionistas estão sujeitas a regimes distintos de tributação. Destacaram, ainda, que as ações da sociedade incorporadora são negociadas com liquidez no mercado secundário e continuarão a sê-lo após a conclusão da Operação, não sendo assim correto entender que esta tenha por finalidade excluir os minoritários da Companhia. Ao contrário, os acionistas da sociedade incorporada poderão, caso assim desejarem, utilizar o valor recebido em virtude do resgate para adquirir novas ações da sociedade incorporadora.

Por outro lado, Gonzalez, Machado e Renteria ressaltaram existir interesses legítimos sob a ótica da sociedade incorporadora para a utilização de estruturas como a aqui analisada, dentre os quais se destaca o controle do nível de diluição de sua base original de acionistas. Quanto a esse ponto, destacaram ser sabido que, em estruturas societárias de controle concentrado, a diluição representa um significativo empecilho para a realização de operações, sendo legítimo que partes independentes busquem mecanismos de preservação de suas respectivas bases acionárias após a consolidação. Ainda quanto a esse ponto, os referidos Diretores apontaram que a lei societária contempla outras modalidades de operações que poderiam ser realizadas para o mesmo fim, tais como a redução do capital, o pagamento de dividendo extraordinário ou uma bonificação.

Os diretores também assinalaram que o prejuízo alardeado pelos Requerentes não decorre necessariamente da operação, mas, sim, da circunstância de que as companhias incorporadora e incorporada têm parte preponderante da receita em moeda estrangeira e parcela majoritária de suas despesas em real, de forma que a variação cambial recente tornou a parcela referente à ação resgatável menos vantajosa, em termos de retorno, do que a parcela em ações. Não se pode ignorar, contudo, que a Operação poderia ser retratada, sob ponto de vista financeiro, como favorável aos minoritários da sociedade incorporada caso a oscilação típica dos ativos houvesse seguido direção distinta desde o anúncio da Operação.

Ainda nessa direção, destacaram que o casuísmo do alegado prejuízo aos minoritários também é ilustrado pelo fato de que outras operações em formato bastante similar a aqui analisada, inclusive no tocante à relação entre parcela em ações e parcela em ações resgatáveis foram realizadas no mercado sem qualquer questionamento. Esse fato, embora indiferente para as conclusões jurídicas externadas, indica que operações como a ora analisada não são estruturalmente prejudiciais aos acionistas da sociedade incorporada ou ao mercado.

Diante de todo o exposto, os Diretores Gustavo Gonzalez, Henrique Machado e Pablo Renteria acompanharam a manifestação da GEA-4 e opinaram pela legalidade da operação em análise. O Diretor Pablo Renteria apresentou manifestação de voto em separado com considerações adicionais sobre o caso.

Entendimento do Diretor Gustavo Borba

O Diretor Gustavo Borba apresentou manifestação de voto em apartado em que esclareceu, inicialmente, que as operações mencionadas pelas partes, realizadas com modelagem similar àquela adotada na reestruturação ora em análise, não poderiam ser consideradas como “precedentes” da CVM sobre o tema, embora sirvam como indicativo da boa-fé das companhias e acionistas controladores envolvidos, que teriam atuado conforme modelo de operação que, até então, vinha sendo utilizado pelo mercado. Não se estaria analisando, portanto, uma suposta conduta fraudulenta ou abusiva dos acionistas que conduziram a negociação, mas sim a observância dos requisitos legais na estrutura da operação proposta.

Nesse sentido, o Diretor ressaltou que a incorporação de sociedades ou ações, por afetar o direito de propriedade dos acionistas, somente poderia ocorrer nos estritos termos da Lei das S.A., cujas disposições preveem, necessariamente, a substituição de ações do capital da incorporada por ações da incorporadora (arts. 223, 224, 227, 252, e seus parágrafos). Na visão do Diretor, a relação de propriedade entre o acionista e suas ações somente poderia ser afastada em situações expressamente previstas em lei, tal como na hipótese do art. 4º, §5º da Lei das S.A., no resgate de ações, ou, ainda, mediante a concordância do próprio acionista.

Em relação ao resgate de ações, instituto utilizado para estruturar a operação, as regras previstas na legislação societária, tal como a imposição de sorteio em caso de resgate parcial e a necessidade de aprovação de assembleia especial para o resgate de totalidade de determinada classe, buscam assegurar a impessoalidade e a isonomia da aplicação deste instituto.

Segundo Borba, a Lei das S.A., conformando o direito de propriedade do acionista (juridicamente a ação seria um bem móvel) com o princípio majoritário, conferiu à maioria do capital social a decisão sobre a incorporação ao mesmo tempo em que assegurou ao acionista minoritário o direito de propriedade ao prever que as ações incorporadas de sua titularidade seriam substituídas por ações da incorporadora por sub-rogação. Assim, não se poderia impor aos acionistas, sem a sua concordância, o recebimento, em decorrência dessa operação, de ativos outros que não ações, e, nem mesmo o pagamento em dinheiro, o que corresponderia, na realidade, a uma desapropriação privada de bens sem qualquer norma legal que autorize tal excepcionalidade.

Tal como estruturada a operação ora em análise, o acionista estaria sendo excluído do negócio resultante da operação, mediante pagamento em dinheiro, em proporção maior do que a parcela de seu patrimônio acionário que estaria sendo convertida em ações da Suzano. Para o Diretor Gustavo Borba, as ações preferenciais resgatáveis no mesmo momento de sua criação conteriam tal grau de artificialidade que, sob o aspecto substancial, sequer poderiam ser consideradas ações, pois estariam desprovidas de quaisquer dos atributos próprios dessa espécie de valor mobiliário. Desta forma, estar-se-ia, em essência, diante do pagamento em dinheiro pela participação dos acionistas da incorporada, que é como deve ser considerada essa “relação de substituição”.

Segundo Gustavo Borba, a modelagem proposta, quando analisada a questão pela perspectiva da Fibria, teria características de um drag along de seus acionistas minoritários, que teriam sido forçados a se retirar do negócio em conjunto com controlador, no percentual por este negociado, que corresponderia a 80% de sua participação original na Fibria, enquanto que, pela perspectiva da Suzano, consistiria em uma espécie de squeeze-out parcial de tais acionistas, com o aparente objetivo de reduzir a diluição dos acionistas controladores da incorporadora.

Salientou ainda que a discussão sobre a existência de negociação entre partes independentes, que, ao que tudo indica, realmente ocorreu, não tornaria legal a operação, pois o que aqui se discute é a possibilidade de impedir a inclusão do acionista minoritário da incorporada no quadro acionário da incorporadora, uma vez que ele, diferentemente do controlador, não concordou com a liquidação do seu investimento. Em sendo isso admitido, estaria aberta a possibilidade para liquidação total do investimento do acionista da incorporada na operação de incorporação, pois conceitualmente nada diferenciaria a atribuição de 80% em dinheiro da atribuição de 95% ou 100%.

Por estas razões, o Diretor Gustavo Borba concluiu que a reestruturação societária proposta, ao não atribuir ações da incorporadora de forma proporcional às ações de titularidade dos acionistas da incorporada, e sem que os minoritários com isso concordassem, violaria as normas societárias sobre incorporação de ações.

Deste modo, o Diretor votou pela não interrupção do curso do prazo de antecedência da AGE convocada para o dia 13.09.2018 e, em linha com o entendimento do Superintendente da SEP sobre o mérito da questão, pelo reconhecimento, desde logo, da ilegalidade da referida operação.

Conclusão

Por unanimidade, o Colegiado deliberou pelo indeferimento do pedido de interrupção do prazo de convocação da AGE da Fibria Celulose S.A., convocada para 13.09.2018. A maioria do Colegiado entendeu, diante das informações apresentadas, que não haveria ilegalidade nos itens (i), (ii), (iii) e (iv) da ordem do dia da AGE. O Diretor Gustavo Borba apresentou manifestação de voto pela qual divergiu da maioria do Colegiado, por entender que a operação, tal como proposta, seria irregular.

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