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Decisão do colegiado de 09/03/2021

Participantes

• MARCELO BARBOSA – PRESIDENTE
• FLÁVIA MARTINS SANT’ANNA PERLINGEIRO – DIRETORA
• ALEXANDRE COSTA RANGEL – DIRETOR

RECURSO CONTRA ENTENDIMENTO DA SRE – PEDIDO DE REGISTRO DE OFERTA PÚBLICA DE DISTRIBUIÇÃO PRIMÁRIA DE BDR PATROCINADO NÍVEL III – G2D INVESTMENTS, LTD. – PROC. SEI 19957.000950/2021-04

Reg. nº 2092/21
Relator: SRE

Trata-se de recurso interposto por Banco BTG Pactual S.A. (“BTG”) e G2D Investments, Ltd. (“Emissora” ou “Companhia” e, em conjunto com BTG, “Ofertantes” ou "Recorrentes"), contra exigência formulada pela Superintendência de Registro de Valores Mobiliários - SRE, no âmbito de análise de registro de oferta pública de distribuição inicial, primária, de BDR Patrocinado Nível III ("Oferta" e "BDRs") representativos de ações ordinárias classe A de emissão da Companhia, tendo como instituição intermediária líder o BTG.

A referida exigência, proferida por meio do Ofício-Conjunto nº 12/2021-CVM/SRE/SEP (“Ofício-Conjunto 12”), apontou que a oferta realizada em Bermudas não é apta a cumprir o requisito previsto no art. 4º, § 1º, da Instrução CVM nº 332/00 ("Instrução CVM 332").

De acordo com o pedido de registro, a Oferta admitirá distribuição parcial e será composta por uma oferta aos Investidores Não Institucionais, compreendendo (i) uma oferta aos Investidores do Segmento Private e (ii) uma oferta aos Investidores de Varejo, e uma oferta aos Investidores Institucionais.

Ademais, pretendendo dar cumprimento ao requisito normativo de distribuição simultânea no Brasil e no exterior, os Ofertantes informaram que foi obtida em 14.10.2020 a listagem das ações ordinárias classe A junto à Bolsa de Valores de Bermudas (Bermuda Stock Exchange, ou "BSX"), tendo destacado que, com a referida aprovação, a Emissora estaria autorizada a realizar oferta pública de distribuição de suas ações em Bermudas. No mesmo sentido, informaram que "[n]os termos da aprovação concedida, a efetiva listagem e negociação das Ações na BSX está condicionada, dentre outros, ao protocolo na BSX dos atos societários que aprovam o aumento de capital da Companhia no âmbito da Oferta em Bermudas (incluindo com relação às Ações que servirão de lastro aos BDRs) e da versão definitiva do prospecto, incluindo todos seus anexos, conforme versão aprovada previamente pela BSX, além de termos de declaração e assunção de responsabilidades a serem assinados pelos administradores da Companhia, em seus próprios nomes, e também como representantes da Companhia".

Em síntese, a área técnica concluiu que a oferta realizada em Bermudas não é apta a cumprir o requisito previsto no art. 4º, § 1º, da Instrução CVM 332, com base no precedente do Colegiado de 10.11.2020, referente ao Processo 19957.005729/2020-53. Nos termos do Ofício-Conjunto 12, a SRE destacou que “II - foi conclusão da área técnica, no referido processo que não se poderia considerar que uma distribuição de valores mobiliários emitidos em jurisdição que possui modelo distinto do brasileiro, em que se delega integralmente à bolsa poderes para fiscalizar, normatizar e desenvolver o mercado de capitais, pudesse ser equiparada a uma oferta pública de distribuição no mercado de valores mobiliários brasileiro; III - ao analisar a consulta, o Colegiado, por maioria, acompanhou as conclusões da SRE, no sentido de que a oferta a ser realizada pela a Navios South American Logistics INC, na Cayman Islands Stock Exchange nas Ilhas Cayman não seria apta a cumprir o requisito previsto no art. 4º, § 1º, da Instrução CVM 332;”.

Os Recorrentes, por sua vez, apresentaram recurso contra a exigência, alegando essencialmente que:
“(i) a Oferta em Bermudas passou pelo crivo e escrutínio da entidade competente pelas Leis de Bermudas, a Bolsa de Valores de Bermudas (Bermuda Stock Exchange, ou “BSX”), conforme competência legal atribuída nos termos da Companies Act de 1981 (“Companies Act”) e da Bermuda Stock Exchange Company Act de 1992 (o “BSX Act” e, em conjunto com o Companies Act, as “Leis de Bermudas”), o que, inclusive, confere camada adicional de proteção aos investidores se comparada a esforços de colocação realizados exclusivamente ao amparo da Regulação S e da Regra 144A (que também será realizada no presente caso);
(ii) ao menos dois dos Diretores da CVM já reconheceram, no precedente Aura Minerals [...] que esforços de colocação no exterior realizados exclusivamente ao amparo da Regulação S e da Regra 144A já bastariam, por si só, para cumprir com o requisito legal, desde que sejam realizados esforços de distribuição reais e regulares no exterior;
(iii) diferentemente do que se constatou no precedente de Navios South [...], a Oferta em Bermudas envolverá o escrutínio da BSX (por atribuição legal), conforme as regras previamente aprovadas pela BMA (conforme definido abaixo), incluindo a aprovação do respectivo prospecto, cujo conteúdo é regulamentado pela Seção IIA da Regulamentação BSX1, de forma semelhante ao Anexo III da ICVM 400;
(iv) a BSX é regulada e fiscalizada pela Bermuda Monetary Authority (“BMA”) – entidade que é membro da International Organization of Securities Commission (IOSCO), com a qual essa i. CVM mantém acordo de cooperação desde 21 de outubro de 2009 – que é o órgão máximo responsável por autorizar, regular e, se for o caso, punir a BSX;
(v) o Registro BSX [...] foi concedido após a conclusão do processo de escrutínio realizado pela BSX, conforme as regras estabelecidas pela BSX e aprovadas pela BMA, nos termos do artigo 12 do BSX Act;
(vi) a Oferta em Bermudas está sujeita a elaboração de prospecto, de acordo com as normas aplicáveis da Regulamentação BSX (conforme definido abaixo), que contam com dispositivos bastante similares aos previstos na Instrução CVM n° 400, de 29 de dezembro de 2003 (“ICVM 400”), tendo sido objeto de revisão e exigências da BSX;
(vii) a legislação de Bermudas sujeita a Companhia e seus administradores a responsabilidades civis, criminais e administrativas em decorrência de eventuais informações inverídicas e/ou enganosas (misleading) contidas no prospecto da Oferta em Bermudas;
(viii) a Oferta em Bermudas será intermediada pelo Clarien BSX Services Limited (“Clarien”), instituição financeira com sede em Bermudas, autorizada pela BMA a intermediar distribuições públicas de valores mobiliários naquele país e a qual exerce a função de gatekeeper naquele mercado”
.

Além disso, os Recorrentes apresentaram parecer jurídico sobre o assunto, argumentando que: (i) “as únicas exigências previstas na ICVM 332 são que os valores mobiliários que dão lastro aos BDR devam ser (a) emitidos por “companhias abertas, ou assemelhadas”, como previsto no art. 2º da Instrução, E (b) “admitidos à negociação e custodiados em países cujos órgãos reguladores tenham celebrado com a CVM acordo de cooperação sobre consulta, assistência técnica e assistência mútua para a troca de informações, ou sejam signatários do memorando multilateral de entendimento da Organização Internacional das Comissões de Valores – OICV”; e (ii) “portanto, a ICVM 332 não prescreve quaisquer requisitos específicos a serem observados no âmbito da oferta a ser realizada fora do Brasil, e muitos menos exigiu que tal oferta seja registrada perante o regulador estrangeiro; ou seja, a regra não pressupõe que a oferta pública será submetida à revisão e à aprovação de dois reguladores distintos, limitando-se a exigir que a oferta no Brasil seja submetida à revisão da CVM.”.

A SRE, em análise consubstanciada no Ofício Interno nº 13/2021/CVM/SRE/GER-2 (“Ofício Interno nº 13”), discordando do entendimento dos Recorrentes, ressaltou que “as exigências dispostas no art. 2º da Instrução CVM 332 se referem a condições preliminares para que determinado valor mobiliário esteja apto a lastrear certificados de depósito de valores mobiliários - BDRs (deve ser emitido por companhia aberta ou assemelhada e ser negociado em país com o qual a CVM mantenha acordo de cooperação ou que seja signatário de memorando multilateral de entendimento da Organização Internacional das Comissões de Valores) ao passo em que o art. 4º da mesma Instrução trata de regras para o registro de programas de BDRs, notadamente, no caso de programa de BDRs nível III lastreado em ações, haver concomitante registro de oferta pública de distribuição no Brasil e ser simultânea a distribuição no Brasil e no exterior”.

Nesse sentido, e à luz dos precedentes recentes nos quais foram proferidas manifestações do Colegiado acerca da oferta simultânea no exterior no âmbito de pedidos de registro de oferta pública de distribuição de BDRs no Brasil, a SRE destacou que: (i) a oferta que os Recorrentes propõem conduzir para fins de enquadramento ao requisito de simultânea distribuição no Brasil e no exterior se assemelha ao caso analisado no âmbito da oferta de BDRs lastreados em ações de Navios South American Logistics Inc., apresentando entretanto o diferencial, no caso ora em análise, de que será elaborado prospecto para a distribuição em Bermudas; (ii) a Oferta não contou com o escrutínio da tutela estatal, a Bermuda Monetary Authority, uma vez que tanto a listagem, quanto a fiscalização da oferta foram delegadas à BSX; e, portanto, (iii) se trata de modelo de regramento de oferta pública mais frágil comparativamente ao brasileiro.

Por essas razões, a SRE reafirmou sua avaliação de que a oferta realizada em Bermudas não é apta a cumprir o requisito previsto no art. 4º, § 1º, da Instrução CVM 332.

Por fim, a SRE registrou que, a despeito de constarem no Prospecto afirmações de que (i) a Companhia obteve dispensa do regime restrito de negociação do segmento mezanino ("mezzanine") da Bolsa de Valores de Bermudas e (ii) as Ações podem ser livremente negociadas pelo público na Bolsa de Valores de Bermudas, foi identificado no âmbito da análise do pedido de registro da Oferta, anexa ao ato que formaliza a listagem das ações classe A na BSX, minuta de declaração de emissora informando que os títulos do emissor somente serão comercializados para Investidores Qualificados. Assim, a área técnica observou que, “nos termos do Art. 5º, §4º, que estabelece que na hipótese de existir restrição subjetiva ou objetiva à negociação dos valores mobiliários no país em que serão negociados, o registro da distribuição dos BDRs no Brasil será concedido com as mesmas restrições, o registro da oferta dos BDRs pleiteada deverá contemplar restrição ao público alvo, nos moldes da restrição imposta pela BSX à negociação das ações em Bermudas, caso seja entendido que a oferta de distribuição naquela jurisdição cumpre o requisito na Instrução CVM 332 que determina a simultaneidade de distribuição no Brasil e no exterior”.

O Diretor Alexandre Costa Rangel manifestou-se contrariamente ao posicionamento da área técnica lançado no Ofício Interno nº 13, votando pelo deferimento do recurso apresentado. O Diretor entendeu que a situação descrita no caso concreto preenche os requisitos normativos hoje existentes na Instrução CVM 332, notadamente aqueles estabelecidos (i) no art. 4°, §1°, no que diz respeito à caracterização de uma oferta pública simultânea no exterior; e (ii) no art. 2°, com relação aos requisitos impostos aos mercados estrangeiros.

Nos termos do voto apresentado, Rangel apoiou seu entendimento nos fundamentos de que (i) este caso reúne especificidades e características peculiares, não presentes nos demais precedentes de BDRs apreciados recentemente pelo Colegiado da CVM; (ii) a jurisdição escolhida pelos Recorrentes para a realização da oferta simultânea no exterior atende objetivamente todos os requisitos normativos exigidos pela Instrução CVM 332; (iii) a oferta simultânea no exterior contempla esforços de distribuição em outros mercados de acordo com a Regra 144A e a Regulação S, o que também preenche os requisitos necessários previstos na Instrução CVM 332; e (iv) ainda que coubesse à CVM avaliar criticamente questões internas do mercado de capitais de outras jurisdições - caso a caso, no âmbito de pedidos específicos de registro de BDRs -, os elementos trazidos pelos Recorrentes indicam que as regras aplicáveis à oferta simultânea no exterior e à Emissora, incluindo previsões de responsabilidade civil, administrativa e criminal, não aparentam contraste relevante ou incompatibilidade estrutural com os princípios e as diretrizes existentes no mercado de capitais brasileiro.

O Presidente Marcelo Barbosa e a Diretora Flávia Perlingeiro entenderam que os Recorrentes trouxeram elementos suficientes a demonstrar, no caso, o cumprimento do art. 4°, §1°, da Instrução CVM 332, tal como atualmente vigente. Quanto a esse aspecto, consoante as informações trazidas ao processo não se trata de hipótese de delegação de competência, mas de atribuição legal da BSX quanto a regulamentação e supervisão da BSX no que concerne à análise e trâmites pertinentes à oferta em Bermudas das ações que darão lastro aos BDRs, o que não desnatura o requisito previsto no dispositivo, quanto à simultaneidade da distribuição no Brasil e no exterior.

Assim, na visão do Presidente e da Diretora, sendo a obtenção de autorização de listagem perante a BSX com as dispensas a serem obtidas, consoante informado pelos Recorrentes e corroborado por documentos juntados posteriormente aos autos do recurso, suficiente para a realização da distribuição das ações da companhia estrangeira por meio da oferta pública a ser realizada em Bermudas, consequentemente, o será para amparar a simultaneidade das ofertas no Brasil e em Bermudas, sem prejuízo do fato de que, para sua configuração como patrocinadora, nos termos da Instrução CVM 332 (art. 1°, IV), a companhia emissora deverá estar sujeita à supervisão e fiscalização da Bermuda Monetary Authority (“BMA”), o que foi destacado pela SRE não ter sido objeto de análise nos processos de registro relacionados à Oferta, até então.

Nessa linha, o Presidente e a Diretora ressaltaram que as especificidades do caso concreto, no seu entendimento, dão respaldo para que se possa considerar atendida a regra do art. 4°, §1°, da Instrução CVM 332, consubstanciadas, notadamente: (i) na competência legal da BSX para a concessão do registro de distribuição; (ii) na exigência da elaboração de um prospecto da oferta pública; e (iii) na intermediação da oferta por instituição financeira, autorizada pela BMA a intermediar distribuições públicas de valores mobiliários em Bermudas.

Observaram, ainda, que, tendo em vista os esclarecimentos prestados pelos Recorrentes e pela BSX no que tange à dispensa que permitirá a distribuição das ações em Bermudas para investidores de varejo, sem restrições, entendeu-se que o documento referido no Item 30 do Ofício Interno da Área Técnica (i.e. “Issuer´s Undertaking”) não deverá ser assinado pela emissora, sendo certo que, na hipótese de existir restrição subjetiva ou objetiva à negociação da ações em Bermudas, o registro da distribuição dos BDRs no Brasil deverá ser concedido com as mesmas restrições, como dispõe o art. 5°, §4º, da Instrução CVM 332.

O Presidente e a Diretora destacaram, contudo, não concordar com a argumentação trazida pelo Diretor Alexandre Rangel no que tange aos efeitos, para fins de cumprimento dos requisitos da Instrução CVM 332, dos esforços de distribuição exercidos ao amparo da Regra 144A e da Regulação S, referentes à realização de distribuição pública simultânea no Brasil e no exterior, previstos no referido art. 4°, §1°.

Neste sentido, observaram que não se mostra pertinente utilizar como referência, para fins de aferição de cumprimento de requisitos da Instrução CVM 332, lei ou regulamento estrangeiro. Com efeito, a norma estrangeira está inserida em um arcabouço distinto e sujeita a alterações de acordo como entendimento de autoridades de suas respectivas localidades, o que agrega ainda maior instabilidade a um quadro já incerto.

Tampouco acompanharam a manifestação de voto do Diretor Alexandre Rangel no que tange à análise do regime legal, regulatório e informacional aplicáveis à oferta pública no exterior e à emissora, o que, entretanto, não conduz ao não provimento do recurso, tendo em vista o atendimento dos requisitos previstos no art. 4°, §1° c/c art. 2° da referida Instrução.

Desta forma, considerando os fatos e as peculiaridades do caso e o teor do art. 4°, §1°, o Presidente Marcelo Barbosa e a Diretora Flavia Perlingeiro votaram pelo provimento do recurso.

Assim, o Colegiado, por unanimidade, decidiu dar provimento ao recurso.

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