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Decisão do colegiado de 29/09/2020

Participantes

• MARCELO BARBOSA – PRESIDENTE
• HENRIQUE BALDUINO MACHADO MOREIRA – DIRETOR
• GUSTAVO MACHADO GONZALEZ – DIRETOR
• FLÁVIA MARTINS SANT’ANNA PERLINGEIRO – DIRETORA

Reunião realizada eletronicamente, por videoconferência.

CONSULTA SOBRE A POSSIBILIDADE DE ADOÇÃO DE MECANISMOS DE ANÁLISE PRÉVIA DE POTENCIAL CONFLITO DE INTERESSES - PRISMA PROTON ENERGIA FUNDO DE INVESTIMENTO EM PARTICIPAÇÕES EM INFRAESTRUTURA – PROC. SEI 19957.005558/2020-62

Reg. nº 1913/20
Relator: SIN/DLIP (Pedido de vista PTE)

Trata-se de consulta formulada por BTG Pactual Serviços Financeiros S.A. Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários (“Administrador”) e Prisma Capital Ltda. (“Gestor” e, em conjunto com o Administrador, “Consulentes”) com o objetivo de solicitar à CVM autorização para que os cotistas do Prisma Proton Fundo de Investimento em Participações em Infraestrutura (“Fundo”) deliberem, em assembleia geral, sobre a criação de um comitê consultivo (“Comitê”), formado por pessoas de reconhecida experiência e capacidade técnica, independentes em relação ao Gestor e ao Administrador, e remuneradas pelo Fundo, que será responsável por analisar, à luz de determinados critérios de elegibilidade (“Critérios”), operações de aquisição de ativos em situação de conflito de interesse, de forma que o Fundo esteja dispensado de realizar assembleias gerais de cotistas para aquisição de tais ativos, nos termos do art. 29, §2º, da Instrução CVM nº 578/16 (“ICVM 578/16”).

Para justificar o arranjo alternativo proposto, os Consulentes destacaram que a indústria de fundos de investimento em participação em infraestrutura (FIP-IE) ainda seria pouco desenvolvida no mercado doméstico, de forma que a escassez de oferta de projetos em estágios mais maduros e de menor risco acabou criando um mecanismo de múltiplos FIPs, os chamados fundos paralelos, em que um FIP adquire ativos de outros fundos, geridos pela mesma entidade, a fim de adequar a relação risco-retorno de diferentes tipos de investidores. Ademais, tendo em vista que a compra e venda de projetos de infraestrutura entre esses FIPs paralelos precisa ser aprovada em assembleia geral de ambos os FIPs, nos termos do art. 44, § 1º e art. 29, § 2º, da ICVM 578/16, os Consulentes afirmaram que "a solução que o mercado tem dado para essa questão – já validada por esta CVM em múltiplas ofertas recentes de FIPs-IE – é alternativa segundo a qual o distribuidor das cotas de emissão do FIP" oferece aos investidores a outorga de "procuração para a apresentação de voto em assembleia geral, a ser convocada tão logo seja encerrada a oferta pública”.

Em relação ao caso do Fundo, os Consulentes argumentaram que, devido à possibilidade de atingir certa dispersão de suas cotas, a outorga da procuração conforme mencionado, ainda que represente alternativa viável para operações que destinem recursos da oferta pública para aquisição de ativos com conflito de interesses, não solucionaria as dificuldades de realizar novas assembleias gerais para aquisições posteriores de ativos com potencial conflito de interesses. Sendo assim, os Consulentes submeteram à apreciação da CVM proposta de adoção pelo Fundo de mecanismo de mitigação de conflitos de interesses, o qual seria ratificado pelos cotistas na assembleia geral originária, sem necessidade de novas aprovações individualizadas pela assembleia geral de tais operações subsequentes, com as seguintes características principais:

(i) a criação do Comitê, cuja função seria deliberar sobre transações com partes relacionadas ou que impliquem potencial conflito de interesses, observados os Critérios descritos na consulta e no Memorando nº 5/2020-CVM/SIN/DLIP (“Memorando 5”);

(ii) o Comitê seria composto por três membros independentes - podendo ser pessoas físicas ou jurídicas, residentes ou não no Brasil -, eleitos pelos cotistas do Fundo para mandato unificado de cinco anos, a serem remunerados pelo Fundo mediante aprovação da assembleia geral;

(iii) o Gestor seria o único responsável por submeter as transações conflitadas ou com partes relacionadas à análise do Comitê. Tais transações deveriam ser apresentadas de forma detalhada, acompanhadas de laudo de avaliação do ativo alvo, elaborado por uma empresa de avaliação independente indicada pelo Comitê; e

(iv) o Comitê estaria autorizado a aprovar a transação caso (a) a operação atenda aos Critérios previstos no regulamento do Fundo (“Regulamento”) e (b) o valor efetivo da transação tenha diferença de até 5% superior do valor indicado no laudo de avaliação. Caso qualquer destes requisitos não seja atendido, a transação não poderá sequer ser avaliada pelo Comitê, só podendo ser implementada mediante aprovação da assembleia geral de cotistas do Fundo.

Em análise consubstanciada no Memorando 5, a Superintendência de Relações com Investidores Institucionais – SIN concluiu essencialmente pela inexistência de óbice à estrutura proposta pelos Consulentes, desde que o Administrador e o Gestor do Fundo realizem determinados aprimoramentos, apontados no item 76 do Memorando 5. Ademais, a SIN entendeu que, em razão das funções fiscalizadora e deliberativa do Comitê (e não meramente aconselhadora), o art. 38 da ICVM 578/16 não seria aplicável ao caso concreto.

O Presidente Marcelo Barbosa, que havia solicitado vista do processo na reunião de 15.09.2020, apresentou manifestação de voto concordando, de maneira geral, com a conclusão da SIN, tendo analisado, de forma mais detida, determinados aspectos da consulta.

Em relação à responsabilidade dos membros do Comitê, o Presidente discordou do entendimento da SIN pela inaplicabilidade do art. 38 da ICVM 578/16, tendo em vista que as regras previstas no art. 38 não objetivam abarcar somente comitês cuja função se restrinja ao aconselhamento, uma vez que o referido dispositivo dispõe sobre comitês técnicos, de investimentos ou consultivos cujas competências não estão definidas na regulamentação. Ademais, o Presidente ressaltou que a definição de determinadas responsabilidades no Regulamento do Fundo, conforme recomendado pela SIN, apesar de ser um importante instrumento de reforço disciplinar para definição de competência e eventual reparação civil, não serviria como a melhor forma de incentivo.

Assim, segundo o Presidente, a dispensa a ser feita neste ponto deveria recair, exclusivamente, sobre a vedação à possibilidade de os membros do Comitê serem remunerados pelo Fundo e não sobre todas as regras previstas no art. 38, que se aplicariam integralmente ao Comitê.

Além disso, o Presidente Marcelo Barbosa observou que o parágrafo único do art. 20 do Regulamento do Fundo estaria em desacordo com o previsto no art. 24 da ICVM 578/16, que confere competência privativa à assembleia geral de cotistas para a “destituição ou substituição do administrador ou do gestor e escolha de seus substitutos”. Desse modo, o Presidente entendeu que o Regulamento do Fundo deveria ser alterado para excluir a previsão de que outras entidades, que não sejam o Gestor, ainda que suas afiliadas, estejam autorizadas a realizar a gestão de carteira do Fundo, sem amparo em decisão da assembleia de cotistas.

Quanto à eleição dos membros do Comitê, o Presidente observou que não há, no Regulamento, qualquer procedimento que discipline eventuais indicações a serem feitas pelos cotistas, bem como eventual destituição de tais membros. A indicação de membros feita diretamente pelos cotistas seria importante, tendo em vista que, segundo o Presidente, o fato de a assembleia geral de cotistas aprovar a indicação dos membros do Comitê não dirime por completo o conflito de interesses que pode existir nas indicações feitas pelo Gestor.

Nesse sentido, o Presidente entendeu que os documentos da oferta e o Regulamento do Fundo deveriam prever (i) de forma clara, a composição e eleição do Comitê, inclusive o mecanismo por meio do qual se dará a oportunidade aos cotistas de indicar seus representantes e possíveis destituições ao longo do tempo, e medidas a serem previstas para incentivar tal participação; e (ii) que a destituição dos membros do Comitê ocorrerá mediante a aprovação de cotistas que representem o mesmo quórum previsto para a sua eleição.

Por fim, sobre a atuação de pessoas jurídicas como membros do Comitê, o Presidente Marcelo Barbosa entendeu que tais agentes estariam sujeitos à mesma disciplina aplicável aos administradores de carteira, também pessoa jurídica, devendo observar as obrigações estabelecidas na Instrução CVM n° 558/15, inclusive no que se refere aos centros de imputação de responsabilidade a determinadas administradores. Assim, o Presidente concluiu que os membros de comitês que sejam pessoas jurídicas deverão, como condição de elegibilidade, indicar, dentre seus administradores, a pessoa responsável pelas atividades no Comitê.

Diante do exposto, o Presidente entendeu que a criação de um comitê consultivo, cujos membros sejam remunerados pelo Fundo, mediante a concessão de dispensa de determinados requisitos normativos, especificamente com relação ao disposto no art. 24, XII, art. 29, §2º, art. 44, §1º, e parte final do art. 38, caput, todos da ICVM 578/16, seria medida compatível com o arcabouço regulatório existente.

No entanto, na visão do Presidente, a proposta submetida pelos Consulentes deveria ser aprimorada, de forma a assegurar seu funcionamento de pleno acordo com os objetivos regulatórios. Assim, além dos aprimoramentos mencionados nos itens 76 (a), (b), (c), (d), (e) e (g) do Memorando 5, o Presidente concluiu que o deferimento do pedido de dispensa dependeria do atendimento aos seguintes ajustes por parte dos Consulentes:

(i) os documentos da oferta e o Regulamento do Fundo devem prever que o Comitê está sujeito a todas as regras previstas no art. 38 da ICVM 578/16, exceto pelo pagamento de remuneração de seus membros às expensas do Fundo;

(ii) os documentos da oferta e o Regulamento do Fundo devem descrever, de forma clara, a composição e eleição do Comitê, inclusive o mecanismo por meio do qual se dará a oportunidade aos cotistas de indicar seus representantes e eventuais destituições ao longo do tempo e as medidas a serem adotadas com vistas a incentivar ou facilitar a participação dos cotistas na deliberação;

(iii) os documentos da oferta e o Regulamento do Fundo devem prever, de forma clara, que a destituição dos membros do Comitê ocorrerá mediante a aprovação de cotistas que representem o mesmo quórum previsto para a sua eleição;

(iv) o Regulamento do Fundo deve ser alterado para excluir a previsão de que outras entidades, que não sejam o Gestor, estejam autorizadas a realizar a gestão de carteira do Fundo sem amparo em decisão da assembleia de cotistas; e

(v) se mantida a previsão de membros do Comitê que sejam pessoas jurídicas, essas devem criar centros de imputação de responsabilidade aos seus administradores, indicando pessoa natural responsável, observado o disposto na ICVM n° 558/15.

O Diretor Gustavo Gonzalez começou o seu voto tecendo considerações gerais acerca das diversas normas que hoje regulam as situações de conflitos de interesse na indústria de fundos. Especificamente no tocante à regulamentação dos FIPs, ressaltou entender ser inadequado existir uma norma cogente exigindo que a assembleia geral de cotistas aprove atos que configurem potencial conflito de interesses. Para Gonzalez, por se tratar de um veículo destinado a investidores qualificados, a norma deveria ter prestigiado uma abordagem mais flexível, que permitisse aos estruturadores do fundo e aos potenciais investidores acordarem negocialmente a solução que julgassem mais adequada à luz das especificidades de cada operação.

Indo adiante, o Diretor Gustavo Gonzalez ponderou que, no caso de FIPs-IE com base pulverizada de cotistas, a atual solução é inadequada também por desconsiderar o absenteísmo dos investidores. Para o diretor, a eficácia das soluções de conflitos de interesses baseadas na aprovação pelos investidores pressupõe que esses têm capacidade de analisar a operação e interesse em que essas lhes sejam submetidas. Para Gonzalez, quando tais pressupostos não estão presentes, a assembleia é uma falsa resposta para os riscos decorrentes da existência de múltiplos interesses potencialmente conflitantes.

Para o Diretor Gustavo Gonzalez, a Lei de Liberdade Econômica requer que a CVM revisite a regulamentação dos fundos de investimento, não só para ajustá-la ao novo marco legal, mas, também, para torná-la mais compatível com os princípios previstos naquele diploma. Defendeu, ainda, que esse novo olhar não se restrinja às discussões acerca da reforma da regulamentação e oriente toda a atividade de aplicação e interpretação dos normativos existentes, inclusive por ocasião da análise de pedidos de dispensa.

Diante desse quadro, o Diretor Gustavo Gonzalez divergiu do Presidente (exceto no tocante à sujeição do comitê ao artigo 38 da Instrução CVM nº 578/16) por entender ser preferível uma autorização mais ampla para que operações em potencial conflito de interesse possam ser aprovadas por comitês independentes do que buscar estipular, já nesse momento, a partir de um caso específico, requisitos mais detalhados para a concessão da dispensa. Gonzalez acredita que outros fundos podem querer adotar estruturas diferentes, em que o comitê exerça uma função ligeiramente diferente, e que os requisitos necessários para o bom funcionamento de um comitê dependerão do que dele se espera. Assim, seria melhor, ao menos durante um período de transição, que a CVM conferisse maior flexibilidade para que a indústria possa testar estruturas diferentes, exercendo sua liberdade, consciente de suas responsabilidades. Nesse ponto, o diretor lembrou que tais estruturas não afastam, nem mesmo mitigam, os deveres dos administradores de carteira com os cotistas do fundo e, ainda, que a efetividade dos procedimentos poderá ser a qualquer tempo analisada pela CVM.

Por fim, o Diretor ressaltou discordar da SIN especificamente no tocante à exigência constante do item 76, “b” do memorando da área técnica, por entender que os critérios de elegibilidade, que serão aprovados pelos cotistas do fundo, baseiam-se em uma avaliação pelo método de fluxo de caixa descontado, não havendo razão para que a avaliação independente possa ser feita com base em outro critério.

O Diretor Henrique Machado acompanhou o entendimento da área técnica consubstanciado no Memorando nº 5/2020-CVM/SIN/DLIP e, adicionalmente, em linha com o voto do Presidente, ressaltou a inadequação do art. 20 do Regulamento do Fundo em face dos arts. 24 e 25 da ICVM 578/16. Por fim, acompanhou as pertinentes reflexões do Diretor Gustavo Gonzalez quanto à necessidade de que os mecanismos para evitar os riscos decorrentes das situações de conflito de interesse sejam proporcionais às características dos fundos, em especial a sofisticação e o nível de participação ativa dos investidores.

Sendo assim, por unanimidade, o Colegiado decidiu conceder a dispensa pleiteada, tendo, por maioria, deliberado por condicionar a dispensa à realização de determinados aprimoramentos na estrutura proposta pelos Consulentes, nos termos do voto do Presidente Marcelo Barbosa.

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