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Decisão do colegiado de 25/05/2021

Participantes

• MARCELO BARBOSA – PRESIDENTE
• FLÁVIA MARTINS SANT’ANNA PERLINGEIRO – DIRETORA
• ALEXANDRE COSTA RANGEL – DIRETOR
• EDUARDO MANHÃES RIBEIRO GOMES – DIRETOR SUBSTITUTO (*)

(*) De acordo com a Portaria ME n° 276/2020 e a Portaria CVM/PTE/Nº 93/2021, participou somente da discussão do Proc. SEI 19957.002467/2021-56 (Reg. 2177/21). 


Reunião realizada eletronicamente, por videoconferência.


 

RECURSO CONTRA ENTENDIMENTO DA SSE – CONFLITO DE INTERESSES EM FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO – CYRELA COMMERCIAL PROPERTIES S.A. EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES – PROC. SEI 19957.000837/2021-11

Reg. nº 2189/21
Relator: SSE/GSEC-1

Trata-se de recurso interposto por Cyrela Commercial Properties S.A. Empreendimentos e Participações (“CCP” ou “Recorrente”) contra manifestação da Superintendência de Supervisão de Securitização – SSE manifestada no âmbito de consulta apresentada por Rio Bravo Investimentos - Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários Ltda. ("Administrador"), na qualidade de Administrador do Fundo de Investimento Imobiliário Grand Plaza Shopping (“FII Grand Plaza” ou “Fundo”), sobre eventual impedimento de voto da CCP na qualidade de cotista majoritária do Fundo em assembleias de cotistas, por estar em posição de potencial conflito de interesses com o Fundo.

No âmbito da consulta, a SSE analisou eventual impedimento de voto da CCP em assembleia cujo tema foi a cisão do Fundo, sendo a referida reestruturação proposta pelos cotistas minoritários como medida para cessar o potencial risco tributário que passou a incidir sobre o Fundo após autuação da Receita Federal para que o FII Grand Plaza fosse tributado como pessoa jurídica, com base no disposto no art. 2º da Lei nº 9.779/1999. Tal dispositivo prevê que um fundo imobiliário está sujeito à tributação aplicável às pessoas jurídicas caso aplique recursos em empreendimento imobiliário que tenha como incorporador, construtor ou sócio, cotista com mais de 25% de suas cotas. Nesse sentido, a fundamentação para a autuação pela Receita Federal foi a participação superior a 25% da CCP no Fundo e o entendimento de que a CCP está inserida no mesmo grupo econômico que incorporou, construiu e é sócio do empreendimento investido pelo Fundo.

De acordo com a consulta apresentada à CVM, foram realizadas duas assembleias gerais do Fundo, com a utilização de consulta formal aos cotistas, para deliberar sobre a operação de cisão proposta pelo Administrador. Na primeira Consulta Formal ("Consulta Formal 1"), encerrada em 21.12.2020, cotistas representando 79,28% das cotas emitidas pelo Fundo com direito a voto votaram favoravelmente à cisão parcial do Fundo, com versão de parte de seu acervo cindido, equivalente a 38,59% do patrimônio do Fundo, para um novo fundo de investimento imobiliário, o Fundo de Investimento Imobiliário Grand Plaza Mall, aprovando igualmente o seu Regulamento, sendo que o novo fundo seria detido exclusivamente por cotistas pulverizados, assim entendidos todos aqueles que detêm participação inferior a 25% das cotas emitidas pelo Fundo. Nessa assembleia, o Administrador não considerou os votos da CCP, por entender que estavam conflitados, nos termos do art. 24, § 1º, VI, da Instrução CVM nº 472/2008 (“ICVM 472”).

Em 10.02.2021, o Administrador divulgou fato relevante, informando que foi proferida decisão no âmbito do processo judicial ajuizado pela CCP em face do Administrador e do Fundo para suspensão dos efeitos da cisão parcial e demais deliberações aprovadas por meio da Consulta Formal 1. Posteriormente, foi convocada nova assembleia (“Consulta Formal 2”) para apreciar contraproposta da CCP ("Proposta CCP"), a qual foi realizada em 18.02.2021, visando à versão de 51,01% do patrimônio do Fundo para um novo fundo de investimento imobiliário, a ser detido exclusivamente pela CCP, permanecendo a CCP com 21,24% das cotas do FII Grand Plaza, em conjunto com os cotistas minoritários. Nessa assembleia participaram os cotistas votantes representando 71,12% do total das cotas emitidas pelo Fundo (excluída a participação da CCP), e titulares de 36,35% das cotas emitidas pelo Fundo reprovaram a Proposta CCP.

Nesse contexto, em 29.01.2021, a Hedge Investments DTVM Ltda. ("Hedge"), investidora do Fundo, apresentou consulta à CVM com o entendimento de que a CCP também seria conflitada nos termos do art. 24, §1º, inciso IV, da ICVM 472, uma vez que, além de cotista, a CCP presta serviços de administração para o shopping investido pelo Fundo, equiparando-se a um prestador de serviço indireto do Fundo. Diante disso, a SSE solicitou esclarecimentos ao Administrador do Fundo, o qual, juntamente com sua manifestação pelo impedimento da CCP para votar nas consultas formais aos acionistas, apresentou consulta à CVM sobre o referido assunto “a fim de dirimir os questionamentos sub judice e providenciar as medidas adequadas para o Fundo".

Ao analisar as consultas apresentadas pela Hedge e pelo Administrador, a SSE concluiu que: "considerando o questionamento da Hedge sobre o impedimento de voto da Cyrela Commercial Properties, cotista do FII GRAND PLAZA, na assembleia de cotistas que delibera acerca da cisão do Fundo, tendo em vista a contratação, como prestadora de serviço do Shopping Grand Plaza, de sociedade sob o controle acionário da CCP, entendemos que não há impedimento de voto para a referida cotista, pois não pode ser caracterizada como prestadora de serviço do Fundo. Por sua vez, em relação ao conflito de interesses, entendemos que a CCP, bem como suas partes relacionadas, enquanto cotistas estão conflitados. Contudo, uma vez autorizada a realização da assembleia por parte do Poder Judiciário, à luz das normas aplicáveis, é possível que seja convocada assembleia para que os demais cotistas do Fundo deliberem sobre a possibilidade de exercício do direito de voto do cotista potencialmente conflitado".

Em síntese, a SSE manifestou o entendimento de que a CCP é conflitada para exercer o seu voto na Consulta Formal 1 e na Consulta Formal 2, na qualidade de cotista, pois, além do interesse como investidora também possui interesses como prestadora de serviços para o shopping e como solidária na questão tributária, interesses estes potencialmente conflitados com os dos investidores minoritários. Assim, o conflito deveria ser aquele previsto no art. 24, § 1º, inciso VI, e não o do inciso IV, como requereu a Hedge, pois, na visão da área técnica, a CCP não pode ser considerada como prestadora de serviços do Fundo.

Em seu recurso, a CCP alegou essencialmente que: (i) não cabe ao administrador ou à assembleia de cotistas impedir voto de cotistas com base em conflito de interesses, uma vez que, conforme manifestação da CVM no Relatório da Audiência Pública SDM nº 07/14, o próprio cotista deve se autodeclarar conflitado; (ii) a CCP não está conflitada para votar nas Consultas Formais 1 e 2, e o seu voto consiste em exercício regular de direito, em linha com o princípio majoritário consagrado na ICVM 472; (iii) se existisse conflito de interesses no caso, seria dos cotistas minoritários em relação ao interesse do FII Grand Plaza; (iv) caso se entenda que a posição ocupada pela CCP a tornaria conflitada, é forçoso reconhecer que o conflito de interesses é extensível a todos os cotistas, incluindo os minoritários, o que afastaria o impedimento de voto, nos termos do art. 24, §2º, I da ICVM 472; e (v) o voto da CCP não consiste em abuso de direito e, mesmo que assim fosse, a sanção ao abuso seria tão somente a responsabilidade civil, mas nunca o impedimento de voto.

Em análise consubstanciada no Ofício Interno nº 6/2021/CVM/SSE/GSEC-1, a SSE registrou inicialmente que sua manifestação não abrange o mérito da discussão tributária que envolve a cisão do Fundo, mas apenas a possibilidade ou não de a CCP exercer o seu direito a voto, tendo em vista as circunstâncias do caso e a norma em vigor.

Prosseguindo a análise, a área técnica fez referência aos seguintes dispositivos previstos na norma sobre Fundos de Investimento Imobiliário: (i) art. 35, inciso IX e § 3º, da ICVM 472, que dispõe que qualquer ato que caracterize conflito de interesses entre o fundo e cotista que detenha mais de 10% do seu patrimônio deve ser submetido à deliberação da assembleia de cotistas, sendo devidamente divulgado; e (ii) art. 24 da ICVM 472, que estabelece que o cotista deve exercer seu voto no interesse do Fundo, sendo que não poderá votar na assembleia o cotista cujo interesse seja conflitante com o do fundo. De acordo com a SSE, tal vedação ao voto do cotista conflitado não seria absoluta, conforme o disposto no §2º do citado art. 24.

Adicionalmente, a SSE manifestou que o disposto no Relatório da Audiência Pública SDM nº 07/14 (que tratou de alterações na ICVM 472), conforme alegado pela Recorrente, deveria ser lido à luz do contexto em que se insere o caso da CCP e do arcabouço regulatório para os fundos de investimentos. Nesse sentido, a área técnica ressaltou que posteriormente à alteração da ICVM 472 em 2015, a Instrução CVM nº 578/2016, voltada para os Fundos de Investimento em Participações, replicou o mesmo dispositivo previsto na nova redação do art. 24 da ICVM 472, tendo incluído o seguinte complemento: “Art. 31 (...) § 3º O cotista deve informar ao administrador e aos demais cotistas as circunstâncias que possam impedi-lo de exercer seu voto, nos termos do disposto no § 1º, incisos V e VI, sem prejuízo do dever de diligência do administrador e do gestor em buscar identificar os cotistas que estejam nessa situação”.

No entendimento da área técnica, a inclusão do referido dispositivo reforçaria que, para os fundos de investimento, a regulamentação rege que, dentre os deveres de diligência de um administrador, está o emprego de esforços para identificar os cotistas potencialmente conflitados para exercer o seu direito a voto em determinada matéria. Assim, para a SSE, a interpretação das normas de fundos indicaria que a identificação de conflito não deve partir exclusivamente do cotista, como alega a Recorrente, mas também deve contar com a diligência do administrador. Não obstante, a SSE ressaltou que tal entendimento não deve ser tido como uma autorização para que o Administrador impeça o exercício de voto pela CCP de forma arbitrária, mas como uma resposta que busca indicar os procedimentos adequados para tratar situações envolvendo conflito de interesses no âmbito do Fundo.

Diante disso, a SSE reiterou que “em hipóteses de conflito de interesses, a atuação diligente do Administrador deve ser considerada, para efeito de identificação do conflito e impedimento de voto, o que pode ser contornado se houver aquiescência expressa da maioria dos demais cotistas manifestada na própria assembleia, como prevê o § 2º, II, do art. 24 da ICVM 472. Contudo, conforme reportado pelo Administrador, os demais cotistas não concederam o direito de voto à CCP, nos termos do citado dispositivo normativo”.

Passando a analisar a eventual existência de conflito de interesses, a área técnica destacou que: (i) tendo em vista o disposto no art. 24 da ICVM 472, poderia “residir o conflito de interesses da CCP com o Fundo, pois, (...) se considerado o voto da CCP na primeira assembleia com a rejeição da proposta de cisão, o Fundo continuaria a apresentar o mesmo risco atual, ou seja, de tributação como pessoa jurídica, não nos parecendo que o voto da CCP ocorreria no interesse do Fundo”; e (ii) “[s]obre a contraproposta da CCP, na segunda assembleia, podemos inferir que, em princípio, o voto da CCP atenderia o art. 24 da ICVM 472, uma vez que vislumbramos que o interesse do Fundo poderia ser atendido, ou seja, minimizar o risco de ser caracterizado como pessoa jurídica para fins tributários, com a redução da participação da CCP para 21%.”. Contudo, por se tratar de uma operação de cisão entre o Fundo e os cotistas, por meio de outros fundos, a área técnica entendeu que deveria ser observado o disposto nos arts. 34 e 35, uma vez que as questões econômicas potencialmente conflitantes da operação influenciam as decisões dos investidores ao votarem sobre a operação.

Assim, a área técnica concluiu que: (i) a norma exige a realização de assembleia de cotistas para a deliberação de operação envolvendo o fundo e cotistas relevantes, pois presume o potencial conflito de interesses na realização dessas operações; (ii) ao presumir o potencial conflito, aplica-se, assim, o art. 24, § 1º, inciso VI, da ICVM 472, no intuito de se vedar o voto do cotista potencialmente conflitado, ou seja, os que detenham mais de 10% das cotas no caso em tela; (iii) além da CCP, qualquer outro cotista que detenha mais de 10% das cotas do Fundo estaria igualmente em situação de potencial conflito presumido pela ICVM 472, na Consulta Formal 1 ou na Consulta Formal 2, aplicando-se também o disposto no art. 24, § 1º, inciso VI, da ICVM 472; (iv) não obstante, nessas situações, a ICVM 472 prevê a possibilidade de que o direito ao voto de qualquer cotista, mesmo conflitado, seja exercido, desde que haja aquiescência dos demais cotistas, nos termos do art. 24, § 2º, II.

Ante o exposto, a SSE propôs a manutenção de seu entendimento de que a CCP deve ser considerada conflitada para votar nas matérias tratadas nas duas assembleias, uma vez que a CCP seria presumidamente conflitada para exercer o seu direito a voto nessas situações, nos termos do art. 24, § 1º, inciso VI, e art. 35, IX, da ICVM 472. Nesse contexto, a SSE também propôs ao Colegiado acompanhar seu entendimento de que qualquer outro cotista que detenha mais de 10% das cotas do Fundo seja considerado potencialmente conflitado para exercer o seu direito a voto nas matérias tratadas nas mesmas assembleias.

O Diretor Alexandre Rangel discordou da área técnica e manifestou-se pelo provimento integral do recurso apresentado pela CCP, concluindo que (i) a Recorrente não está impedida de votar nas matérias objeto das assembleias gerais em questão; (ii) cotistas titulares de mais de 10% das cotas de emissão do Fundo também não estão impedidos de votar em tais assuntos; e (iii) o exercício do direito de voto da CCP não depende do procedimento descrito no art. 24, §2º, inciso II, da Instrução CVM nº 472/2008.

Nos termos de sua manifestação de voto, Rangel pontuou que (i) deve ser assegurada a importância do princípio majoritário e a necessária correlação entre, de um lado, obrigações econômicas e financeiras dos cotistas; e, de outro, os correspondentes direitos políticos; (ii) eventuais impedimentos, restrições e limitações ao exercício do direito de voto possuem natureza excepcional, devendo ser interpretados restritivamente e com extrema parcimônia; (iii) o tratamento a ser conferido ao conflito de interesses previsto no art. 24, §1º, inciso VI, da Instrução CVM nº 472/2008 não autoriza impedimento prévio ao exercício do direito de voto; (iv) no caso concreto, não se vislumbra conflito de interesses entre o cotista controlador e os cotistas titulares de mais de 10% das cotas, de um lado; e o Fundo, de outro; (v) o cotista controlador demonstrou postura razoável, de boa-fé, transparente e fundamentada em torno das discussões relacionadas às matérias objeto de discussão neste Processo; e (vi) cabe exclusivamente ao próprio cotista a atribuição de suscitar o conflito de interesses aventado no art. 24, §1º, inciso VI, da Instrução CVM nº 472/2008, não ostentando o administrador fiduciário qualquer direito, muito menos dever, de impedir o exercício de direito de voto por qualquer cotista.

O Presidente Marcelo Barbosa entendeu, com relação à posição do administrador fiduciário em relação à potencial incidência de situações de conflitos de interesses dos cotistas em deliberações assembleares, que seu dever fiduciário impõe ao administrador que atue diligentemente na fiscalização do adequado funcionamento do fundo, do que se extrai, dentre outros, o dever de tomar as medidas que se poderia razoavelmente esperar de um administrador profissional com o objetivo de garantir que o processo de formação de vontade do fundo se dê de forma adequada, seja do ponto de vista formal, seja do ponto de vista material. Assim é que se deve esperar do administrador fiduciário que, ao se deparar com situação que, em seu entendimento, aponte para a existência de potencial conflito de interesses de cotista, busque esclarecer tal situação e, se for o caso, alerte aos cotistas reunidos em assembleia, tempestivamente, a respeito de tal situação. Contudo, com base no art. 24 § 1º, VI da ICVM 472, cabe ao cotista reconhecer a situação de conflito de interesses e declarar-se impedido de votar na assembleia.

Na mesma linha, o Presidente destacou que a Instrução CVM nº 578/2016 não autoriza a conclusão de que o administrador fiduciário pode impedir o exercício do direito de voto do cotista. Tal direito é prerrogativa que, por sua natureza, apenas poderia sofrer restrição de exercício por agente claramente dotado de poderes para tanto, não havendo na lei ou na regulação emitida pela CVM regra que autorize o entendimento de que o administrador fiduciário poderá ir além de apontar situações de potencial conflito de interesses que identifique no curso de sua atuação diligente. E, não menos certo, tampouco poderá o administrador deixar de atuar de forma diligente, o que significa, neste particular, que terá condições de identificar e apontar situações de potencial conflito de interesse.

Quanto ao suposto conflito de interesse da Recorrente, apontado pela área técnica e pelo Administrador, o Presidente afirmou, em primeiro lugar, que caberia, antes de tudo, avaliar se os interesses do Fundo e os da Recorrente seriam inconciliáveis, isto é, se o atendimento a um inviabilizaria a satisfação do outro. Disse, também, que, se em algumas hipóteses tal determinação pode ser feita antes da deliberação assemblear, em outras isso não será possível.

Prosseguindo, observou que, embora o regime tributário aplicável ao FII Grand Plaza tenha decorrido do fato de a participação da cotista CCP ser superior a 25%, nem o Administrador nem a área técnica lograram demonstrar que os interesses do FII Grand Plaza e da CCP seriam inconciliáveis, uma vez que a solução da contingência tributária é do interesse da coletividade do fundo e, em última análise, de todos os seus cotistas, de forma homogênea. Ou seja, os interesses do FII Grand Plaza e da CCP quanto à resolução da questão tributária não são necessariamente contrapostos e podem ser compatíveis. Evidentemente, poderia ser o caso de uma estratégia de mitigação do risco tributário ser mais vantajosa para a Recorrente e desfavorável ao Fundo, o que serviria para configurar o conflito de interesses e tornar irregular o voto da Recorrente na deliberação em questão. Contudo, tal demonstração não foi feita, tendo se chegado, em seu entendimento, a mera divergência entre cotistas ou entre cotistas e Administrador, quanto à melhor forma de condução da questão.

Desta forma, o Presidente Marcelo Barbosa divergiu do entendimento da área técnica, entendendo (i) que cabe ao próprio cotista, e não aos administradores de fundos de investimento imobiliário, a declaração de impedimento de voto em assembleia geral, caso a deliberação tenha por objeto matéria cujo interesse do cotista seja conflitante com o interesse do fundo, na forma do art. 24, §1º, inciso VI, da ICVM 472; e (ii) pela inexistência de conflito de interesse entre a CCP e o FII Grand Plaza, no que tange à deliberação sobre a cisão do Fundo, no âmbito da Consulta Formal 1 e da Consulta Formal 2.

Por fim, quanto à questão suscitada pela área técnica no sentido de que qualquer cotista que detenha mais de 10% das cotas do Fundo seja considerado presumidamente conflitado para exercer o seu direito a voto nas matérias tratadas nas mesmas assembleias, o Presidente entendeu de modo diverso. A uma, por não extrair da leitura combinada dos arts. 24 §§ 1º e 2º, e 35, inciso IX e § 3º, ambos da ICVM 472, a criação de hipótese de conflito de interesses presumido para os titulares de cotas representativas de mais de 10% do total de cotas do Fundo. A duas, por entender que restrições ao livre exercício do direito de voto devem ser estabelecidas de forma clara e direta.

Divergindo dos demais membros do Colegiado, a Diretora Flávia Perlingeiro acompanhou as conclusões da área técnica quanto ao reconhecimento de situação de potencial conflito de interesses da CCP com o Fundo, a gerar impedimento do exercício do direito de voto por parte da cotista majoritária, no que tange a deliberações sobre as propostas de cisão parcial do Fundo, como medida para fazer cessar, prospectivamente, o potencial risco tributário evidenciado pela referida autuação fiscal.

A Diretora pontuou que, embora também reconheça que não compete à CVM qualquer apreciação quanto ao mérito de tal contencioso administrativo tributário, a ser dirimido em outra seara administrativa ou mesmo, se vier a ser o caso, pelo Poder Judiciário, isso não prejudica o reconhecimento de que há interesse legítimo do próprio Fundo em lhe ver assegurado, ao menos prospectivamente, o regime de tributação típico dos fundos de investimento imobiliário, afastando-se do risco de aplicação do disposto no art. 2° da Lei n° 9.779/1999, que impõe o regime de tributação aplicável às pessoas jurídicas, indiscutivelmente mais gravoso.

A seu ver, tem-se, no caso, situação em que condição específica de apenas um cotista (CCP) apresenta-se com potencial de impactar diretamente o próprio Fundo (a depender do desfecho da contenda tributária) e, assim, indiretamente, todos os cotistas do Fundo.

Nesse contexto, a Diretora Flávia Perlingeiro destacou que, em que pese a cotista majoritária CCP também ser indiretamente impactada no caso de mudança do regime tributário do Fundo, ela se encontra em posição nitidamente diferenciada dos demais cotistas, por se tratar justamente da cotista que, a depender do desfecho do referido embate, terá dado causa à imposição ao Fundo do regime tributário mais gravoso, bem como por constar diretamente do polo passivo do auto de infração como solidária, fora eventuais questões relacionadas à sua posição como administradora do shopping que constitui o único ativo do Fundo.

Para a Diretora, mesmo que se trate de situação potencial, é evidente a existência de interesses da CCP que vão muito além do interesse comum a todos os cotistas de reduzir a exposição do Fundo ao referido risco tributário. A seu ver, tais outros interesses são inconciliáveis com o interesse do próprio Fundo em assegurar que, ao menos com relação aos fatos geradores ocorridos após a cisão parcial, não haja qualquer propagação no tempo de risco de novos questionamentos fiscais.

Segundo a Diretora não se pode desconsiderar que, na hipótese de segregação total dos referidos cotistas (prevista na proposta constante da Consulta Formal 1), a ausência da CCP afasta o debate com relação a fatos geradores de tributos posteriores à cisão parcial; enquanto, em fundo do qual a CCP permaneça cotista, mesmo que com apenas cerca de 24% das cotas, não é possível assegurar que não haja qualquer questionamento do Fisco (cujo mérito não cabe à CVM apreciar), notadamente quando a lei fiscal remete à participação de cotista considerada isoladamente ou em conjunto com pessoa ligada, mesmo que se reconheça que há controvérsia de natureza tributária quanto ao alcance da disposição e aos demais argumentos apresentados pelo Administrador.

Diante disso, pontuou que, mesmo que seja defensável que a proposta apresentada pela CCP possa mitigar prospectivamente o referido risco tributário, a Diretora reputa, pelas razões explanadas, que a CCP se encontra, claramente, em posição de potencial conflito de interesses, a afetar a sua isenção com relação ao exame de ambas as propostas, notadamente quando uma delas contempla a segregação por completo entre ela e os demais cotistas, os quais, segundo apresentado, sequer potencialmente se enquadrariam no disposto no art. 2° da Lei n° 9.779/1999.

Ademais, a Diretora Flávia Perlingeiro manifestou também entendimento no sentido de que, ciente dos fatos em questão, cabe ao administrador fiduciário identificar e apontar o referido interesse conflitante com o do Fundo, no âmbito do cumprimento de seu dever de diligência e zelando pelo cumprimento do disposto no art. 24, VI, da ICVM 472. Para a Diretora, não procede o argumento de que apenas haveria impedimento na hipótese de auto declaração do conflito pelo cotista conflitado, restando aos demais cotistas somente a busca por eventual reparação judicial.

Ressaltou, contudo, que, como bem apontado pela SSE, o tratamento da questão para fins de impedimento do exercício de direito de voto do cotista conflitado não pode se dar de forma arbitrária, devendo ser submetido à deliberação dos demais cotistas (não conflitados), a fim de que seja apurado se há aquiescência expressa da maioria desses a que vote o cotista conflitado, hipótese em que o impedimento restaria afastado, nos termos do art. 24, §2°, II, da ICVM 472. Assim, os próprios cotistas não conflitados devem deliberar se autorizam a participação da CCP na votação das propostas de reestruturação (seja a proposta da própria CCP seja a ratificação da proposta apresentada no âmbito da Consulta Formal 1).

Por fim, a Diretora divergiu do entendimento manifestado pela SSE somente com relação à aplicação do disposto no art. 35, IX e §3°, da ICVM n° 472/2008, quanto a que os demais cotistas do Fundo que detenham participação correspondente a pelo menos 10% do patrimônio do fundo devam ser considerados presumidamente conflitados com relação às deliberações em questão. Para a Diretora, como não se trata de operação realizada apenas entre o Fundo e tais cotistas relevantes, mas sim de cisão parcial do Fundo a afetar todos os cotistas, o referido dispositivo não seria aplicável ao caso.

Sendo assim, o Colegiado, por maioria, deliberou pelo provimento do recurso, vencida a Diretora Flávia Perlingeiro, que acompanhou a conclusão da área técnica.

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