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Decisão do colegiado de 10/05/2022

Participantes

• MARCELO BARBOSA – PRESIDENTE
• FLÁVIA MARTINS SANT'ANNA PERLINGEIRO – DIRETORA
• ALEXANDRE COSTA RANGEL – DIRETOR
• OTTO EDUARDO FONSECA DE ALBUQUERQUE LOBO – DIRETOR

RECURSO CONTRA DECISÃO DA SSR – INTIMAÇÃO PARA FORNECIMENTO DE INFORMAÇÕES E DOCUMENTOS – PROC. SEI 19957.001764/2018-89

Reg. nº 2578/22
Relator: SSR

Trata-se de recurso interposto por BRF S.A. ("Companhia" ou "BRF") contra decisão da Superintendência de Supervisão de Riscos Estratégicos – SSR acerca da necessidade de fornecimento à CVM de documentos que, de acordo com a Companhia, estariam abarcados em tratativas de acordos de leniência em andamento entre ela e outros órgãos públicos. A Companhia condicionou a entrega da documentação solicitada pela CVM ao fornecimento de garantia formal por meio da qual a Autarquia assegure que não irá compartilhar tais informações e documentos com outras autoridades além da Controladoria-Geral da União – CGU, Advocacia-Geral da União – AGU e o Ministério Público Federal, representado pela Procuradoria da República em Ponta Grossa/PR (“MPF Ponta Grossa”).

O processo administrativo em questão foi instaurado pela Superintendência de Relações com Empresas – SEP com o propósito de se obter esclarecimentos da Companhia a respeito de notícias veiculadas na mídia sobre a prisão de ex-executivos da Companhia nas Operações Trapaça e Carne Fraca, deflagradas pela Polícia Federal, e de supostas tratativas mantidas pela Companhia com a CGU e a AGU para a celebração de um acordo de leniência, bem como analisar a conduta dos administradores da Companhia no que diz respeito à observância dos dispositivos normativos emanados pela CVM.

Conforme entendimentos mantidos, a SEP encaminhou o processo à SSR que, por sua vez, norteou suas diligências pelas informações divulgadas ao mercado pela Companhia desde os Comunicados ao Mercado de 05.03.2018. Nesse sentido, a SSR solicitou à Companhia o resultado dos trabalhos realizados pelo Comitê Independente de Investigação mencionado no Comunicado ao Mercado datado de 15.10.2018, bem como por eventuais outros Comitês ou órgãos assemelhados que tivessem realizado trabalho no sentido de apurar os assuntos tratados nos Comunicados ao Mercado realizados pela Companhia em 15.10.2018, 19.10.2018 e 01.10.2019.

À medida em que a SSR recebeu as respostas aos seus questionamentos, novas solicitações de informações e documentos se fizeram necessárias para aprofundamento e esclarecimento de fatos e condutas apuradas pela Companhia. Em razão da existência de tratativas de acordos de leniência com outros órgãos públicos e da consequente sensibilidade do fornecimento de informações negociadas pela Companhia com tais órgãos à CVM, a área técnica solicitou à BRF uma reunião anterior ao envio dos Ofícios nºs 2 e 3/2022/CVM/SSR/GSR-1 ("Ofícios nºs 2 e 3/2022”, respectivamente) para esclarecer a seus representantes os objetos de solicitação, todos diretamente relacionados a respostas anteriores apresentadas pela Companhia à CVM. Nesse contexto, a BRF requereu que a CVM confirmasse que as informações e documentos fornecidos pela Companhia em resposta aos Ofícios nºs 2 e 3/2022 seriam mantidas em sigilo, conforme tem sido requerido pela Companhia em todas as suas manifestações, e informasse qual a extensão da proteção conferida por tal sigilo aos referidos documentos e informações, especialmente no que se referia ao seu eventual compartilhamento com outras autoridades públicas e sua utilização fora do escopo dos processos administrativos conduzidos pela CVM.

Em reuniões realizadas entre a CVM e representantes da Companhia, foi esclarecido que a investigação realizada pela CVM não tinha interesse especificamente em documentos eventualmente produzidos no âmbito das tratativas de acordo em negociação com a CGU/AGU e o MPF, mas sim no resultado das apurações internas que a Companhia comunicou ao mercado desde 2018 que faria.

Em 23.02.2022, a BRF manifestou preocupação em relação à "existência de uma lacuna legislativa e regulamentar sobre a questão relativa ao compartilhamento de documentos e informações no curso da negociação de acordos de leniência". Em sua solicitação, a Companhia ressaltou que a CGU/AGU, no Memorando de Entendimentos firmado com a Companhia, assumiu, dentre outros, o compromisso, sob o amparo do art. 35 do Decreto nº 8.420/2015, de que em caso de resilição dos respectivos instrumentos: (i) os denominados “Documentos Sigilosos” não deveriam ser usados em qualquer processo ou procedimento da CGU ou da AGU ou em procedimentos instaurados ou ações ajuizadas pela AGU, bem como, não poderiam ser compartilhadas pela CGU ou AGU com outras autoridades ou entes, ressalvadas a obtenção dos referidos documentos por fontes independentes; (ii) a CGU e a AGU deveriam devolver à Companhia todos os materiais, notas ou documentos apresentados pela Companhia no contexto das negociações, sem reter cópias destes; e (iii) sem prejuízo dos itens anteriores, qualquer Documento Sigiloso fornecido nos termos do Memorando de Entendimento continuaria sob sigilo, que permaneceria em vigor após a resilição do Memorando, salvo disposição em contrário contida no próprio Memorando.

A SSR, por meio do Ofício nº 4/2022/CVM/SSR/GSR-1 (“Ofício nº 4/2022”), reafirmou que os documentos recebidos pela Autarquia receberiam o tratamento padrão de sigilo já apontado nos Ofícios nºs 2 e 3/2022, e intimou a Companhia a fornecer o que havia sido neles solicitado, sob pena de multa e embaraço à fiscalização.

Diante disso, em 18.03.2022, a BRF apresentou manifestação, afirmando seu entendimento de que não estaria obrigada a apresentar a documentação solicitada pela CVM, tendo destacado que estariam em curso tratativas para a celebração de acordos de leniência entre a Companhia e a CGU/AGU e o MPF Ponta Grossa e que tais negociações assegurariam à BRF, na forma do disposto na Lei nº 12.846/2013 e no Decreto nº 8.420/2015, "uma série de garantias e prerrogativas específicas", dentre as quais "aquela referente à não utilização, em prejuízo da Companhia, das informações e documentos por ela fornecidos às autoridades com as quais tais acordos estão sendo negociados". Assim, "deve[ria] ser reconhecido que a BRF S.A. tem legítimo interesse em assegurar que a garantia de não utilização das informações e documentos apresentados à CGU/AGU e ao MPF Ponta Grossa em seu desfavor não seja prejudicada em situações de seu eventual compartilhamento com outras autoridades públicas que, diferentemente da CGU/AGU e do MPF Ponta Grossa, não tenham se comprometido com tal garantia". Ante o exposto, a Companhia (i) reiterou o pedido para que a SSR manifestasse expressamente seu entendimento a respeito da possibilidade de os documentos e informações eventualmente apresentados em resposta aos Ofícios nºs 2 e 3/2022 serem compartilhados pela CVM com outras autoridades públicas; (ii) solicitou que, caso o entendimento da SSR “acerca das questões tratadas na presente petição seja diferente daquele ora manifestado pela Companhia (isto é, no sentido de que ela não pode ser obrigada a fornecer os documentos e informações objeto dos Ofícios 2 e 3/2022, por estarem protegidos pelas garantias inerentes ao processo de negociação dos acordos de leniência, a não ser que essa d. Comissão formalmente assegure que não irá compartilhar tais informações e documentos com outras autoridades, que não a CGU/AGU e o MPF Ponta Grossa), a presente petição seja encaminhada ao Colegiado desta d. Autarquia, sob a forma de recurso, em conformidade com o disposto na Resolução CVM nº 46/2021"; e (iii) na hipótese acima mencionada, a BRF requereu, ainda, que o recurso seja recebido com efeito suspensivo, conforme previsto no art. 6º da Resolução CVM nº 46/2021, de modo que, enquanto a questão não for decidida pelo Colegiado, não lhe seja imposta multa cominatória ou qualquer outra eventual sanção pela não apresentação dos documentos e informações solicitados nos Ofícios nºs 2 e 3/2022.

A SSR, em análise consubstanciada no Ofício Interno nº 6/2022/CVM/SSR/GSR-1, entendeu, em síntese, que (i) não poderia pautar sua atuação de acordo com as escolhas dos jurisdicionados, devendo cumprir seus deveres institucionais, e que a CVM estaria respaldada nos incisos I e II do art. 9° da Lei n° 6.385/1976 ao efetuar intimações com a finalidade de obter informações e documentos; (ii) a atuação da CVM se deu em razão dos Comunicados ao Mercado citados anteriormente, tendo em vista que as informações divulgadas apontavam possível prática de irregularidades pela BRF; (iii) as intimações foram efetuadas à Companhia de forma ordinária, assim como seria feito para quaisquer outras dentre as inúmeras instituições sujeitas à atuação da CVM e que estivessem sob investigação da SSR; (iv) na visão da área técnica, a BRF requer tratamento privilegiado da CVM, “condicionando o cumprimento das intimações regularmente efetuadas ao fornecimento de garantias de que eventual comunicação de ilícitos por parte desta Autarquia seja feita apenas às autoridades por eles especificadas (CGU e MPF de Ponta Grossa), que são as autoridades com quem estão desde 2018 negociando acordo de leniência"; e (v) a condição imposta pela BRF constitui obstáculo injustificado à atuação da CVM.

Tendo em vista a complexidade do tema, a área técnica solicitou parecer da Procuradoria Federal Especializada junto à CVM – PFE/CVM, que, em síntese, manifestou-se no sentido de que:

(i) "Não há (...) incompatibilidade insuperável entre o sigilo da Lei n° 12.846/13 e o sistema de proteção aos acionistas previstos na Lei n° 6.385/76 e Lei n° 6.404/76";

(ii) "não há qualquer base legal para que a apuração de atos ilícitos praticados por administradores seja obstada por conta de um acordo que versa sobre sujeito diverso – a companhia. Especialmente diante de condutas que podem configurar violações dos deveres de administradores, tanto para com a própria sociedade empresária quanto para o mercado e seus investidores";

(iii) "[a] CVM, (...) como reguladora do mercado de valores mobiliários, tem o dever de apurar esses fatos, sendo sua prerrogativa requisitar os elementos de informação necessários. Por outro lado, não pode ser descartada na hipótese a possibilidade de se adotar solução de natureza consensual também no âmbito da CVM, aplicando-se, mutatis mutandi, o entendimento contido no DESPACHO n. 00511/2020/PFE - CVM/PFE-CVM/PGF/AGU, cujos principais trechos seguem transcritos: A adesão ao Acordo de Colaboração Premiada, no que tange aos depoimentos e os compromissos e benefícios pactuados no acordo original, deverá levar em consideração a diversidade dos bens jurídicos tutelados pela CVM, sua missão institucional, o poder-dever de apurar as infrações administrativas de sua competência e, finalmente, a possibilidade de questionamento dos atos processuais à luz do mencionado entendimento da Segunda Turma do E. STF, segundo o qual "deverão ser respeitados os termos do acordo em relação à agravante e aos demais aderentes, em caso de eventual prejuízo a tais pessoas";

(iv) "a CVM somente possui autorização legal para garantir benefícios nos contornos dos instrumentos específicos para a solução consensual de litígios administrativos, a saber, o termo de compromisso previsto no art. 11, § 5°, da Lei n° 6.385/76 e o acordo administrativo em processo de supervisão, previsto nos arts. 30 e seguintes da Lei n° 13.506/17. Além disso, há previsão de possibilidade de atenuação de sanções prevista no § 9° do art. 11 da Lei n° 6.385/76. Esses instrumentos não são necessariamente inconciliáveis com aqueles previstos nas Leis n°s 12.846/13 e 12.852/13, sendo possível cogitar a compatibilização de suas premissas e finalidades sem prejuízo da forma que deve ser observada, conforme se apresente cada caso concreto";

(v) "a obrigação de confidencialidade assumida pela companhia em acordo que poderá ser celebrado, em tratativas desde 2018, (...) não configura justificativa legítima para recusa em apresentar as informações e documentos solicitados. A despeito da cláusula de confidencialidade, a Companhia deve disponibilizar as informações/documentos em questão”;

(vi) "No que tange à caracterização de embaraço à fiscalização, tendo em vista a ocorrência da expedição de mais de um ofício à companhia e a permanência da situação da negativa de apresentação dos documentos solicitados pela CVM, caracteriza-se como infração grave face a possibilidade de configuração de embaraço a fiscalização, com supedâneo n[o] art. 1º, parágrafo único, do Anexo 64 Anexo B Resolução CVM nº 45, de 31 de agosto de 2021 que considera como infrações graves de que trata o art. 64, parágrafo único";

(vii) "não há supedâneo jurídico para oponibilidade de sigilo à CVM, de vez que, em havendo apenas um vislumbre da ocorrência de qualquer irregularidade realizada no âmbito de sua competência, a CVM detém o poder-dever legal de intimar qualquer pessoa física ou jurídica, para prestar, sob cominação de multa, informações ou esclarecimentos sobre atos ilícitos praticados em sua esfera de competência"; e

(viii) "a condição para o acesso da CVM à documentação requisitada foi formulada com base em opinião jurídica da própria companhia - pessoa jurídica de direito privado - sem que sequer tenha sido trazido aos autos documento subscrito pelas autoridades públicas envolvidas na mencionada negociação confirmando o seu entendimento".

Ante o exposto, a SSR manifestou-se no sentido da manutenção dos efeitos dos Ofícios nºs 2, 3 e 4/2022/CVM/SSR/GSR-1, entendimento corroborado pela PFE/CVM, que destacou ainda a possibilidade da ocorrência de embaraço à fiscalização e aplicação de multa por não cumprimento às intimações realizadas.

O Colegiado, por unanimidade, acompanhando a manifestação da área técnica, deliberou pelo não provimento do recurso.

 

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