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Decisão do colegiado de 17/01/2023

Participantes

• JOÃO PEDRO NASCIMENTO – PRESIDENTE
• FLÁVIA MARTINS SANT'ANNA PERLINGEIRO – DIRETORA
• ALEXANDRE COSTA RANGEL – DIRETOR
• OTTO EDUARDO FONSECA DE ALBUQUERQUE LOBO – DIRETOR
• JOÃO CARLOS DE ANDRADE UZÊDA ACCIOLY – DIRETOR
(*)

(*) Participou por videoconferência.

RECURSO CONTRA ENTENDIMENTO DA SRE – OPA UNIFICADA, POR ALIENAÇÃO DE CONTROLE E PARA CANCELAMENTO DE REGISTRO DE BANCO BESA S.A. – BANCO BTG PACTUAL S.A. – PROC. 19957.014007/2022-51

Reg. nº 2788/23
Relator: SRE/GER-1

Trata-se de recurso interposto por Banco BTG Pactual S.A. ("Ofertante") contra exigência formulada pela SRE/GER-1, no âmbito do pedido de registro da oferta pública de aquisição de ações (“OPA ou Oferta”) unificando as modalidades "por alienação de controle" e "para cancelamento de registro" de Banco Besa S.A. ("Companhia" ou "Besa"), com a adoção de procedimento diferenciado, nos termos do art. 45 da Resolução CVM nº 85/2022 ("Resolução CVM 85").

O procedimento diferenciado requerido consiste em condicionar o sucesso da Oferta à não discordância de acionistas titulares de mais de 1/3 de todas as ações em circulação emitidas pela Companhia, operando-se, nesse caso: (i) a alteração da base de cálculo (que passaria a ser todas as ações em circulação de emissão da Companhia, e não apenas aquelas que se habilitarem para o leilão da OPA ou concordarem expressamente com o cancelamento de registro); e (ii) a inversão do quórum de sucesso da OPA, ambos estabelecidos no inciso II do art. 22 da Resolução CVM 85.

No âmbito da análise do pedido de registro em tela, a SRE expôs seu entendimento quanto ao procedimento diferenciado proposto por meio do Ofício nº 616/2022/CVM/SRE/GER-1, e solicitou alterações quanto a tal procedimento, visando seu alinhamento com os precedentes mais recentes aprovados pelo Colegiado da CVM, e o disposto no âmbito da Deliberação CVM nº 756/16. Dessa forma, foi enviada à Ofertante a seguinte exigência: “Aperfeiçoar redação de modo a restar claro que o procedimento diferenciado solicitado deve consistir na discordância expressa de ações habilitadas representativas de mais de 1/3 das ações em circulação, considerando-se ações em circulação, para este só efeito, apenas as ações de cujos titulares concordem expressamente com o cancelamento de registro ou se habilitem para o leilão de OPA.”.

Em resposta à exigência encaminhada pela SRE, conforme destacado no item 16 do Ofício Interno nº 3/2023/CVM/SRE/GER-1, a Ofertante solicitou a sua reconsideração, no sentido de deferir o pleito de procedimento diferenciado proposto, ou, caso a área técnica mantivesse seu entendimento, que sua resposta fosse recebida como recurso.

Na mesma oportunidade, a Ofertante apresentou Nota Técnica destacando que o procedimento diferenciado proposto seria "medida adequada para contornar eventuais distorções que podem surgir a partir da aplicação do procedimento ordinário da OPA para cancelamento de registro, em conformidade com a finalidade da Resolução CVM nº 85/2022; e na hipótese de a CVM continuar a entender que o pedido não deve ser integralmente deferido, a autarquia deve deferir o procedimento diferenciado pleiteado - a aplicação simultânea de inversão de quórum e alteração de sabe de cálculo - condicionando sua aplicabilidade ao caso concreto à participação máxima de um dado percentual do free float.”. Para fins de exemplificação do pedido alternativo, a Nota Técnica sugeriu condicionar a aplicação simultânea da inversão do quórum e da alteração da base de cálculo à participação de no máximo 40% do free float no processo de oferta pública.

Em análise contida no Ofício Interno nº 3/2023/CVM/SRE/GER-1, a SRE destacou inicialmente que a verificação do sucesso da OPA para cancelamento de registro de companhia aberta é prevista pelo art. 22, inciso II, da Resolução CVM 85. Nesse sentido, observou que, de acordo com o referido dispositivo, “o cancelamento de registro de companhia aberta deverá ser condicionado à confirmação dos titulares de ações em circulação que efetivamente se manifestarem sobre o tema, concordando ou não com tal processo, na proporção de suas participações na companhia objeto, no âmbito de uma OPA formulada para esse fim específico. Tal proporcionalidade chamamos de quórum de sucesso de OPA para cancelamento de registro, como se verifica da definição de “ações em circulação”, nos termos do inciso II do art. 22 da Resolução CVM 85, ‘para este só efeito, apenas as ações cujos titulares concordarem expressamente com o cancelamento de registro ou se habilitarem para o leilão de OPA´”.

No entanto, a área técnica reconheceu a existência de casos em que o procedimento ordinário para a verificação do quórum de sucesso de OPA para cancelamento de registro de companhia aberta não seria o mais adequado. Inclusive, a SRE observou que já encaminhou pleitos de natureza semelhante ao presente caso ao Colegiado da CVM, manifestando-se sobre a inversão do quórum com a mudança de base para o sucesso de OPA para cancelamento de registro de companhia aberta, de modo que o sucesso da oferta viesse a depender da não discordância de titulares de mais de 1/3 de todas as ações em circulação. E, na mesma linha, o Colegiado da CVM, considerando as especificidades de cada caso, bem como a manifestação da SRE, já deliberou pela concessão de inversão de quórum com a mudança de base conforme mencionadas.

Por outro lado, a SRE apontou três casos mais recentes em que a CVM negou o procedimento diferenciado consistente em condicionar o sucesso da Oferta à não discordância de acionistas titulares de mais de 1/3 de todas as ações em circulação emitidas pela Companhia, operando-se, nesse caso: (i) a alteração da base de cálculo; e (ii) a inversão do quórum de sucesso da OPA, foram seguidos o rito ordinário para verificação do quórum de sucesso de OPA, sendo que em dois desses casos (OPA de GTD Participações S.A. e de Tec Toy S.A. de 2019) foram obtidos o quórum de sucesso das respectivas ofertas, e em outro caso (OPA de Tec Toy S.A. de 2016) houve a participação de acionistas titulares de ações em circulação, mas sem se atingir o quórum ordinário de sucesso da oferta.

No presente caso, a SRE observou que a Ofertante apresenta, como justificativa para o procedimento diferenciado, as seguintes alegações: (i) dificuldade de localização de acionistas minoritários; (ii) alta concentração de ações na mão de poucos acionistas; e (iii) baixo impacto da OPA, em virtude de a Companhia ter ficado por 26 anos em processo de liquidação extrajudicial, sem negociação de suas ações em bolsa de valores, aliada ao baixo percentual de free float em circulação no mercado. A Ofertante também alegou que os cinco maiores acionistas minoritários da Companhia detêm, em conjunto, cerca de 32% das ações em circulação, e os dez maiores acionistas minoritários da Companhia detêm, em conjunto, cerca de 40% das ações em circulação, justificando, a seu ver a alta concentração de ações na mão de poucos acionistas.

Sobre esse ponto, apesar de reconhecer a possível falta de interesse dos acionistas minoritários da Companhia, em virtude principalmente de não ter suas ações negociadas em bolsa de valores há muito tempo, a SRE destacou a existência de outras ofertas que contaram com a adesão de poucos acionistas objeto, sem que o procedimento ordinário tenha se mostrado inadequado.

Quanto à suposta alta concentração de ações na mão de poucos acionistas, a SRE observou que a concentração verificada no caso concreto é inferior àquela constante dos precedentes citados em sua análise. Ademais, quanto ao impacto da presente OPA ao mercado, a SRE entendeu que, embora possa ser considerado relativamente reduzido em função do percentual das ações da Companhia que se encontram em circulação ou, ainda, em função de suas ações não serem negociadas em bolsa de valores, o montante da OPA (R$ 87.860.423,58) e o número de acionistas objeto (cerca de 76.650) é bem superior aos apurados em casos precedentes, tornando o procedimento diferenciado da forma proposta inadequado para o caso concreto na visão da área técnica.

Ante o exposto, a SRE se manifestou contrariamente ao pleito de procedimento diferenciado formulado pela Ofertante, consistente: (i) na alteração da base de cálculo (que passaria a ser todas as ações em circulação de emissão da Companhia, e não apenas aquelas que se habilitarem para o leilão da OPA ou concordarem expressamente com o cancelamento de registro); e (ii) na inversão do quórum de sucesso da OPA, ambos estabelecidos no inciso II do art. 22 da Resolução CVM 85. Adicionalmente, a SRE afirmou não vislumbrar óbice ao procedimento diferenciado consistente apenas na inversão do quórum de sucesso da OPA. Nesse cenário, o cancelamento de registro da Companhia estaria condicionado à não objeção por parte de titulares de mais de 1/3 das ações em circulação, considerando como em circulação as ações cujos detentores se habitassem para o leilão ou concordassem expressamente com o cancelamento de registro.

A SRE também apresentou considerações sobre o pedido alternativo de que seja deferido o mesmo procedimento diferenciado mas somente caso a participação na OPA seja inferior a 40% do free float da Companhia. Sobre esse ponto, a SRE afirmou que o precedente citado pela Ofertante (Decisão do Colegiado de 25/01/2005, referente ao RJ2004/5125), de fato, condicionou a aplicação do procedimento diferenciado para verificação do quórum de sucesso apenas para o caso de uma participação da maioria das ações objeto daquela oferta, enquanto que, no caso concreto e demais precedentes, o que se busca com a adoção do procedimento diferenciado proposto é justamente o oposto, ou seja, a possibilidade de se atingir o quórum de sucesso da OPA mesmo com uma participação de acionistas minoritários pequena ou até inexistente na oferta.

Ademais, a SRE observou que pleito similar à condicionante ora proposta foi realizado na OPA de Tec Toy S.A de 2016, na qual se propôs que o procedimento diferenciado só fosse aplicado no caso de não habilitação de mais de 1/3 do total dos titulares das ações em circulação. Não obstante, sobre tal proposta, a SRE “ressaltou que o quórum de 1/3 proposto, além de parecer elevado, não tem previsão legal ou normativa para ser considerado como participação substancial e suficiente para decidir sobre o cancelamento do registro”, entendimento que foi acompanhado por unanimidade pelo Colegiado da CVM à época. Da mesma forma, a SRE ratificou tal entendimento em relação ao presente caso.

Assim, diante de todo o exposto e das características da OPA em tela, a SRE concluiu que o procedimento ordinário ou, se for o caso, o procedimento diferenciado consistente apenas na inversão do quórum de sucesso da OPA (no qual haveria a possibilidade de sucesso na OPA na hipótese de não haver titulares de ações em circulação se manifestando), garantiria o equilíbrio necessário entre a proteção aos investidores da companhia objeto e a Ofertante em seu intuito de cancelar o seu registro.

Por fim, a SRE reiterou seu entendimento contrário (i) ao procedimento diferenciado pleiteado pela Ofertante, e (ii) ao pleito alternativo apresentado.

O Colegiado deu início à discussão da matéria. Os Diretores Alexandre Rangel e João Accioly votaram pelo deferimento do recurso e pelo consequente deferimento do procedimento diferenciado proposto pelo Recorrente, com fulcro no art. 45 da Resolução CVM 85, divergindo da área técnica.

De início, o Diretor Alexandre Rangel ressaltou que as circunstâncias fáticas do caso são peculiares. Foram demonstradas nos autos situações como (i) o elevado desinteresse da base acionária na participação das decisões relativas à Companhia, corroborado pelo absenteísmo nas mais recentes assembleias gerais, que deliberaram sobre assuntos relevantes e não contaram com a participação de outros acionistas; (ii) o encerramento recente de um longo regime de liquidação extrajudicial da Companhia, com mais de 25 anos de duração; (iii) uma dificuldade natural de localização dos acionistas, provocada por desatualizações de cadastros em uma sociedade anônima sem atividades; (iv) o fato de que a ofertante se comprometeu a adquirir a totalidade das ações detidas por acionistas titulares de 97,61% do capital social votante e 95,12% do capital social total da Companhia, o que chega perto da totalidade da base acionária e reduz consideravelmente a relevância do free float; e (v) dentro desse universo extremamente reduzido de ações em negociação, uma elevada concentração em poucos acionistas, sendo que os 5 maiores acionistas desse grupo representam algo em torno de 30% desse recorte e os 10 maiores, aproximadamente 40%.

Nesse contexto, observadas essas características específicas, o Diretor Alexandre Rangel destacou que o requerimento do Recorrente – de inversão do quórum e alteração da base de cálculo de aprovação da oferta – resolve satisfatoriamente a principal externalidade negativa que decorreria da aplicação da norma geral ao caso concreto. Isso porque, com o procedimento diferenciado proposto, não se estaria diante da situação em que poucos acionistas, titulares de ações representativas de parcela bastante reduzida do capital social da Companhia, passariam a usufruir indevidamente de poderes, atribuições e direitos incompatíveis com as respectivas participações acionárias.

Além disso, o procedimento diferenciado parece alinhado com o princípio majoritário, tal como inscrito na legislação aplicável às sociedades anônimas. A aplicação da regra geral da Resolução CVM 85 ao caso concreto sujeitaria toda a base acionária da Companhia aos custos, despesas, consequências e ônus oriundos dos anseios e desejos de uma parcela ínfima dos acionistas, o que não encontra proteção na Lei n° 6.404/76. Especificamente sobre a oferta pública de aquisição para fins de cancelamento do registro de companhia aberta, por exemplo, os encargos e responsabilidades relativos à manutenção do referido registro não são triviais. Principalmente no caso da Companhia – que se desconectou do mercado de valores mobiliários há tempos, não possui qualquer representatividade de negociação de valores mobiliários de sua emissão e não acessa qualquer modalidade de financiamento via mercado de capitais –, não parece razoável que a decisão sobre eventual manutenção do registro como companhia aberta dependa da decisão de percentual tão reduzido do capital social. O mesmo racional, no entendimento do Diretor, aplica-se à OPA por alienação de controle.

Por fim, arrematando os fundamentos que embasam seu entendimento favorável ao procedimento diferenciado, o Diretor Alexandre Rangel pontuou que (i) a evolução histórica das normas aplicáveis e os precedentes relativos às ofertas públicas de aquisições de valores mobiliários sinalizam, de modo consistente, avanços na direção de maior flexibilização e facilitação do atingimento de quóruns de deliberação de ofertas de alienação de controle e cancelamento de registro de companhia aberta; e (ii) ao menos 5 exemplos listados expressamente pela Resolução CVM 85 como situações excepcionais aptas a justificar a adoção de procedimentos diferenciados estão presentes no caso concreto, como, por exemplo, a concentração extraordinária de ações (inciso I do §1° do art. 45); a dificuldade de localização de acionistas (também inciso I); a pequena quantidade de ações a ser adquirida frente ao número total de ações em circulação (inciso II); o reduzido impacto da oferta para o mercado (ainda no inciso II); e o fato de que a OPA refere-se a operação envolvendo companhia com atividades paralisadas ou interrompidas (inciso III).

O Diretor João Accioly acompanhou a manifestação de voto do Diretor Alexandre Rangel, conforme registro acima.

A Diretora Flávia Perlingeiro e o Presidente João Pedro Nascimento votaram contrariamente ao recurso, acompanhando a manifestação da área técnica. Ao final, o Diretor Otto Lobo solicitou vista do processo.

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