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Decisão do colegiado de 03/03/2020

Participantes

· MARCELO BARBOSA – PRESIDENTE
· HENRIQUE BALDUINO MACHADO MOREIRA – DIRETOR
· GUSTAVO MACHADO GONZALEZ – DIRETOR
· FLÁVIA MARTINS SANT’ANNA PERLINGEIRO – DIRETORA

CONSULTA SOBRE A INTERPRETAÇÃO DA SIN QUANTO À EMISSÃO DE OFÍCIO DE ALERTA SEM DETERMINAÇÃO DE REFAZIMENTO DAS DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS DO FIDC F ACB – FINANCEIRO – PROC. SEI 19957.006097/2018-21

Reg. nº 1510/19
Relator: SIN/GSAF

Trata-se de recursos interpostos por antigos controladores (“Reclamantes” ou “ex-Controladores”) do Banco Cruzeiro do Sul S.A. (“BCS”) e credores da Massa Falida do BCS (“Credores”) contra decisão da Superintendência de Relações com Investidores Institucionais – SIN em processo instaurado a partir de reclamação dos ex-Controladores (“Reclamação”).

Em sua Reclamação, os ex-Controladores alegaram que a Bem DTVM Ltda. (“Bem DTVM” ou “Administradora”), administradora do FIDC F ACB – Financeiro (“FIDC ACB” ou “Fundo”), teria cometido, de forma intencional, erros no cálculo do valor das cotas do Fundo com o objetivo de favorecer o FGC – Fundo Garantidor de Créditos (cotista sênior do Fundo por meio do FI – Fundo de Investimento Multimercado Crédito Privado Investimento no Exterior, do qual é cotista exclusivo), em prejuízo da Massa Falida do BCS (cotista subordinado).

A Reclamação foi analisada inicialmente pela Gerência de Investimentos Estruturados - GIES que, após a análise dos fatos e das manifestações protocoladas, concluiu, resumidamente, que “embora a reclamação dos antigos controladores do BCS trouxesse alguns apontamentos improcedentes, o núcleo da reclamação estaria essencialmente correto, visto que a BEM DTVM, de fato, teria valorizado a cota sênior do Fundo a partir de novembro de 2013 (inclusive) em percentual superior à remuneração máxima prevista em regulamento para remunerar o cotista sênior, qual seja, o benchmark histórico de 115% do CDI.”.

Desta forma, o Processo foi encaminhado à Gerência de Sancionadores em Fundos - GSAF para aprofundar a análise inicial, em especial, sob a perspectiva de eventual justa causa para a instauração de processo administrativo sancionador. Nesse contexto, a Bem DTVM anexou ao processo “Instrumento Particular de Assunção Recíproca de Obrigações e Outras Avenças” (“Instrumento Particular”), contrato prévio celebrado entre os dois únicos cotistas do Fundo em 21.10.2011, com informações adicionais sobre o Fundo, inclusive o objetivo atípico que determinou sua constituição, qual seja, manter a capacidade operacional do BCS, mediante a subscrição e integralização pelo FGC da totalidade das cotas sêniores a serem emitidas pelo Fundo no valor máximo de R$ 3,583 bilhões.

Diante disso, a SIN concluiu que a real intenção das partes (FGC e BCS) na estruturação do FIDC ACB era o repasse de recursos do FGC ao BCS, com a cessão dos créditos que viria a compor a carteira do Fundo como garantia. Tais recursos teriam o objetivo único de prover liquidez ao BCS na tentativa de sanear a difícil situação financeira por que passava a instituição. Desse modo, a GSAF entendeu que, no caso concreto, a consideração da vontade das partes e a essência do negócio, evidenciadas por meio do documento citado, eram mandatórias para análise adequada da questão de eventual transferência de riqueza entre os cotistas e a precificação das cotas do Fundo.

Nesse sentido, embora tenha considerado que a Bem DTVM não poderia se utilizar de critérios contábeis não compatíveis com a regulação dos FIDC e o regulamento do Fundo para precificar as cotas do FIDC ACB, a SIN reformou a interpretação inicial da GIES de que tal fato teria “permitido a transferência de riqueza entre os cotistas”. Isso porque, na visão da SIN, o procedimento inadequado da Bem DTVM teria sido realizado justamente para evitar possível transferência de riqueza que, de outra forma, teria ocorrido. Ademais, conforme destacou a área técnica, “permitiu manter o equilíbrio contratual prévio celebrado entre as partes, evitando que o BCS contabilizasse receitas superiores ao que estava previsto na operação contratada, que, aliás, não possuía como objetivo conferir lucros ou benefícios ao BCS além da necessária capitalização da instituição financeira com o objetivo de solucionar os problemas financeiros e de liquidez por que passava”.

Na mesma linha, a SIN entendeu que admitir as alegações de prejuízos ao BCS seria beneficiar quem, em desacordo com a regulamentação, teria sido o causador do problema, pois conforme observado na análise da área técnica, o próprio BCS (ainda que em processo de intervenção), ao suspender o repasse dos créditos que eram de titularidade do FIDC ACB, teria induzido o administrador do Fundo à constituição de provisão que veio a originar todos os problemas subsequentes na precificação das cotas.

Diante do exposto, e tendo em vista o art. 4º da Instrução CVM nº 607/19, a inexistência de prejuízo aos cotistas do FIDC ACB, os antecedentes da Bem DTVM e a boa-fé da Administradora (que, apesar da irregularidade incorrida, demonstrou que tentou preservar a essência do acordo firmado entre as partes), a área técnica considerou não haver fundamento suficiente para instauração de termo de acusação no presente caso e emitiu o Ofício de Alerta nº 7/2019/CVM/SIN/GSAF (“Ofício de Alerta nº 7”) solicitando que a Bem DTVM apresentasse medidas adotadas para evitar que falhas dessa mesma natureza voltassem a acontecer no futuro.

Ante a decisão da GSAF, os Reclamantes, um grupo organizado de Credores e o Metrus – Instituto de Seguridade Social (“Metrus” e, em conjunto com os demais, “Recorrentes”), também credor do BCS, apresentaram recursos, argumentando, em essência, que a opção da área técnica pela sanção à administradora do Fundo, mediante emissão de Ofício de Alerta, não poderia significar a aceitação da perpetuidade do erro cometido no que se refere ao cálculo do valor das cotas. Nesse sentido, os Recorrentes solicitaram: (i) a reforma, pelo Colegiado da CVM, da decisão da SIN, com abertura de processo administrativo sancionador em face da Bem DTVM; e (ii) que, caso não ocorresse a instauração de processo sancionador, fosse determinado o refazimento das demonstrações financeiras e do cálculo dos valores das cotas do FIDC ACB desde a sua constituição, a fim de que as cotas fossem precificadas de acordo com os termos previstos no seu Regulamento.

Ao analisar os expedientes, por meio do Memorando nº 2/2020-CVM/SIN/GSAF, a SIN manteve sua posição de que, apesar de a Bem DTVM ter se utilizado de práticas inadequadas, que foram devidamente tratadas por meio do Ofício de Alerta nº 7, a revisão do valor das cotas do FIDC ACB foi medida que “impediu que houvesse possível transferência de riqueza do cotista sênior para o cotista subordinado do FIDC ACB”. Além disso, a área técnica afirmou que a solicitação dos Recorrentes para que a CVM determinasse o refazimento das demonstrações financeiras do FIDC ACB também não deveria ser acatada, pois o erro nos procedimentos contábeis adotados pela Bem DTVM, apesar de reconhecido, seria apenas uma das falhas existentes em todo o processo e sua correção de forma isolada (sem que se pudesse corrigir os erros pretéritos no regime informacional sobre os créditos recebidos, a interrupção irregular de repasses e as consequentes provisões) só teria o efeito de gerar ainda mais distorções.

Adicionalmente, a SIN entendeu que sua decisão foi devidamente fundamentada e não estaria em desacordo com o posicionamento prevalecente no Colegiado, não se enquadrando, portanto, nas hipóteses de recurso previstas no §4º do art. 4º da Instrução CVM nº 607/19. Não obstante, por entender que o caso possui características únicas, sem precedentes na Autarquia, a SIN optou por encaminhar o tema ao Colegiado em sede de consulta, a fim de que se manifeste quanto à interpretação da área técnica acerca do instituto do Ofício de Alerta, previsto na Deliberação CVM nº 542/08, sem o refazimento das demonstrações financeiras do Fundo, sob o argumento de que exigi-lo imporia situação de maior gravidade e irregularidade em relação ao estado atual dos fatos.

Em expediente protocolado após a inclusão do processo em pauta de reunião do Colegiado, os Credores arguiram impedimento e suspeição do Diretor Gustavo Gonzalez, por ter sido sócio de escritório de advocacia que “assessora as empresas do grupo Bradesco neste processo”, bem como solicitaram produção de provas referente à oitiva de representantes do BCS e do FGC na negociação e assinatura do Instrumento Particular.

Iniciada a discussão, o Colegiado, por unanimidade, rejeitou o pedido de produção de provas e o incidente de impedimento e suspeição. O Diretor Gustavo Gonzalez não participou do exame, pelo Colegiado, deste incidente, tendo se retirado da sala durante essa discussão específica.

Na sequência, e com a presença de todos os seus membros, o Colegiado, em linha com a decisão tomada nessa mesma data no Processo nº 19957.010563/2018-72 (Relator Presidente Marcelo Barbosa), entendeu competir ao próprio órgão a decisão sobre o cabimento de recursos interpostos com fulcro no artigo 4º, §4º, da Instrução CVM nº 607/2019.

Nessa perspectiva, o Colegiado destacou que, nos termos do artigo 4º, §4º, da Instrução CVM nº 607/2019 somente cabe recurso contra a decisão da área técnica de encerrar processo administrativo por meio da emissão de ofício de alerta “se ausente a fundamentação ou caso esteja em desacordo com posicionamento prevalecente no Colegiado”. O normativo esclarece, ainda, incumbir “ao recorrente demonstrar expressamente a ausência de fundamentação ou a dissonância em relação ao posicionamento prevalecente do Colegiado” (art. 4º, §5º).

O Colegiado, destacou que a decisão atacada foi fundamentada e não contrariou seu posicionamento prevalecente, não se enquadrando, portanto, nas hipóteses do §4º da Instrução CVM nº 607/2019, razão pela qual decidiu, por unanimidade, pelo não conhecimento do recurso.

Por fim, com relação à possibilidade de o Colegiado conhecer de tema objeto de recurso sob a forma de consulta, prevista no §8º do artigo 4º da Instrução CVM nº 607/2019, o Colegiado destacou que o dispositivo tem por objetivo permitir que uma questão jurídica seja examinada em tese, a fim de esclarecer ou conferir um entendimento a uma questão até então não examinada pelo Colegiado. No caso em tela, o objeto da consulta não seria uma questão em tese, mas o próprio cabimento do recurso no caso concreto, razão pela qual não seria cabível a resposta à consulta.

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